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4 O TRABALHO DOCENTE REPRESENTADO EM UMA FALA DE UMA

4.1 Análise do contexto de produção

4.2.1 O plano global do texto

Em relação ao plano global, o texto faz parte do gênero textual entrevista, que para esta pesquisa, foi desenvolvida de forma semi-estruturada (cf. cap. 4). No tocante às partes constitutivas do plano global do texto, a saber, a abertura, o

desenvolvimento e o fechamento a gravação já se inicia com uma pergunta:

01. E1: O que a levou a cursar Letras Espanhol e a ser professora de espanhol?

Neste caso, mesmo que não tenha ocorrido uma apresentação de abertura explicando detalhadamente o tema/assunto, a introdução ao tema se deu exatamente na pergunta inicial. Desse modo, o conteúdo lexical expresso no questionamento do pesquisador serviu para ativar determinados frames27 em sua

interlocutora que, assim, situou-se do tema e deu prosseguimento à interação. Com essa intervenção de abertura realizada pelo pesquisador, a interação tem seu início, e os tópicos que surgem na sequência são estabelecidos, em sua maioria, pelas perguntas de E1.

O fechamento, que determina o encerramento da interação, também é definido pelo pesquisador, fato que expressa, como na abertura, os papéis comunicativo e praxiológico dos interlocutores:

E1: deu

E2: não sei se te ajudei

E1: ajudou muito...muito muito muito

E2: você queria ouvir crítica sobre o curso né? eu entendi...((risos)) E1: não na verdade (...) ( linhas 560-564)

Esse fechamento revela uma característica do procedimento realizado: apesar de ser uma entrevista de pesquisa, em determinados momentos houve uma quebra no esquema pergunta/resposta que é comum neste tipo de coleta de dados. Essa quebra se deu pela proximidade dos interlocutores, haja vista que ambos se conheceram antes deste processo.

27

Conforme Bentes (2004, p. 265), o conceito de frame desenvolvido pela Sociolinguistica Interacional diz respeito ao conhecimento de senso comum sobre um conceito central, e seus componentes podem ser trazidos à memória sem uma ordem ou sequência.

Porém, vale salientar que há, no corpus analisado, grande incidência do esquema de organização de turnos28 que acabam contribuindo para o desenvolvimento da entrevista. Essa situação interacional revela que os tópicos foram se constituindo na progressão do texto de acordo com as temáticas inseridas pelo pesquisador. Em relação à fala do pesquisador (E1), foi identificado que seus turnos serviram fundamentalmente para:

a- Dar início a uma sequência com a finalidade de introduzir um novo tópico no assunto;

E1: tá ótimo...você tinha algum objetivo traçado quando iniciou o curso de Letras Espanhol? ( linha 79) E1: como suas aulas são planejadas? (linha 347)

E1: o que é ser “professor” pra você? ( linha 471)

b- Mostrar compreensão e/ou confirmar algo mencionado pela professora (E2):

E2: eh::...reingresso para o curso de espanhol (linha 17) E1: uhn uhn (linha 18)

E2: conhecer o livro didático (linha 158) [

E1: verdade... (linha 160)

E2: sempre digo pra os oh:: é meu porto seguro né?:: (linha 189) [

E1: pois é... (linha 191)

Já com relação à fala da professora (E2) identifiquei que seus turnos serviram para:

a- Concordar com o pesquisador sobre determinadas questões:

E1: te capacitou pra isso

28

Conforme Marcuschi (1999, p. 18), o turno pode ser classificado como aquilo que um falante faz ou diz enquanto tem a palavra, incluindo aí a possibilidade do silêncio. Além disso, Kerbrat-Orecchioni (2006, p.44) considera que toda a atividade dialogal tem um princípio de alternância no qual há uma sucessão de “turnos de fala”. Neste caso, os interlocutores são submetidos a um sistema de direitos e deveres como: manter a fala por certo tempo e cedê-la num dado momento da interação, e ouvir a fala do interlocutor, para, então, reivindicar seu turno que, por sua vez é concedido pelo falante.

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[

E2: é mais assim oh ou você faz ou você tinha que ir pra outra ( linhas 129 – 131 ) E1: são objetivos distintos?

[

E2: é são objetivos distintos ou então alguns alunos que ( linhas 216 – 218 )

E2: com certeza...com certeza...porque o professor de português ele carrega uma::..( linha 405)

b- Dar início a uma explicação sobre determinado tópico textual:

E2: bom...eu sempre trabalhei OU com língua portuguesa OU com língua espanhola (linha 169) E2: tá...((pausa longa)) a desvalorização::: ((baixa o tom de voz))...ao meu ver isto é:: (linha 447) E2: olha... se tivesse que dizer uma palavra acho que desprendimento...você tem que (linha 473)

c- Relatar fatos ou experiências passadas:

E2: bom eu fiz...a graduação em letras português para ser professora português e (linha 02) E2: na...na Universidade Federal de Santa Maria né? então eu fiz o curso (linha 33)

E2: na verdade assim oh::...eu acabei sendo professora de espanhol mais por

circunstâncias pessoais e financeiras do que trabalho oferecido né? então eu tinha a ( linhas 66-67)

Assim, pode-se entender que a entrevista se desenvolveu como um diálogo oral em que os interlocutores (E1 e E2) se alternaram no discurso através dos turnos de fala.

O plano global que apresento no quadro a seguir delineia a construção dos conteúdos temáticos nos quais foram estruturando esse texto, desde a primeira resposta da professora até o encerramento. A partir da análise do desenvolvimento textual pude identificar vinte tópicos temáticos que delinearam a entrevista:

(continua)

Sequência Pares

conversacionais Tópico temático

01 01 a 43 Formação inicial: a opção pelo reingresso no

curso de Letras Espanhol.

02 44 a 77 Início da carreira docente como professora de português e de espanhol.

03 78 a 113 Formação inicial: opção pelo espanhol como

forma de complementar a formação docente.

04 114 a 147 Início da carreira docente: dificuldades de

(continuação)

Sequência Pares

conversacionais Tópico temático

05 148 a 167

Formação inicial: a participação de projetos na universidade deu subsídios para trabalhar como professora de espanhol.

06 168 a 194

Início da carreira docente: nomeação na rede estadual de ensino e as dificuldades de deslocamento.

07 195 a 224 Diferenças metodológicas entre o professor de português e o professor de espanhol.

08 225 a 251 Início da carreira docente: dificuldades de

deslocamento.

09 252 a 285 A (des)valorização da língua espanhola pelos alunos e pelo sistema.

10 286 a 320 O sistema não conhece a realidade da escola e

dos alunos.

11 321 a 346 A insuficiência da carga horária dificulta o trabalho.

12 347 a 368 Como é o planejamento das aulas.

13 369 a 389 O gosto de dar aulas, mas o trabalho do

professor não é vocação.

14 390 a 445 Diferenças no ensino de espanhol e no ensino de português.

15 446 a 470 A desvalorização do trabalho docente e os

preconceitos históricos em relação a isso.

16 471 a 486 Ser professor é ser forte emocionalmente.

17 487 a 502 Pontos negativos de ser professor.

18 503 a 526 Gosta muito de ser professor, apesar das

dificuldades.

19 527 a 559 Crítica ao desconhecimento da universidade em

relação às dificuldades do ensino escolar.

20 560 a 564 Encerramento.

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Conforme a descrição dos tópicos tematizados do texto oriundo da entrevista, resumido no quadro acima, foi possível identificar que a planificação textual/discursiva de E2 não seguiu uma sequência linear. A configuração global do texto/discurso produzido foi se alternando ao longo de seu desenvolvimento, e os tópicos temáticos foram sendo retomados na medida em que o enunciador achava conveniente. Com essa análise de conteúdo temático, por meio da identificação dos tópicos, tornou-se possível, então, visualizar o cenário em que se desenrola o texto, contribuindo para a compreensão global.

Isso permitiu identificar alguns tipos de discursos que aparecem nos pares conversacionais pergunta/resposta que caracterizaram a entrevista, conforme apresentarei na próxima seção.

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