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O Plano Nacional de Convivência familiar e comunitária

Parte III Apresentação e discussão dos resultados

3. Atividades, métodos e recursos de trabalho

4.2 O Plano Nacional de Convivência familiar e comunitária

Foi percebida nas visitas aos Serviços de Acolhimento a ausência dos Conselhos de Direitos e dos Conselhos Tutelares. Estes últimos parecem limitar-se ao campo da fiscalização da família e da entidade de atendimento, enquanto o ECA discrimina ações muito mais abrangentes, como deliberar junto a outros órgãos do SGD sobre a implementação de políticas públicas que permitam reduzir o número de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar e abreviar o período de permanência em programa de acolhimento (Artigo 101 § 12). Tal situação prejudica a construção de parcerias para o melhor atendimento da criança e do adolescente, pois esse processo demanda ações articuladas entre políticas, programas e serviços, formando uma Rede de Proteção Integral aos seus direitos e atenção de suas necessidades básicas (Motti & Santos, 2012). Assim, um SGD enfraquecido ou desarticulado prejudica a aquisição dos direitos básicos das crianças e adolescentes, a começar por atitudes de ausência de corresponsabilização perante as dificuldades encontradas nas famílias e nos serviços de acolhimento.

Como bem reforçam Siqueira, Massignan e Dell’Aglio (2006), o tempo de permanência de uma criança ou adolescente na instituição não depende somente desta, mas, principalmente, da superação da situação de risco que motivou o afastamento familiar, o qual comumente está vinculado a inúmeras problemáticas familiares e sociais. Estas não podem ser superadas unicamente pela ação do Serviço de Acolhimento, pois demandam ações em conjunto entre diversos atores.

A ausência de elaboração e efetividade do Plano Estadual de Convivência Familiar e Comunitária, bem como de planos municipais, reforça esta situação, uma vez que, sem o devido diagnóstico das vulnerabilidades e possibilidades da realidade mais próxima das crianças e adolescentes, é difícil se pensar em objetivos e metas para a superação das violências que incidem sobre as mesmas. Os entrevistados apontam a importância do PNCFC, mesmo quando a gestão do serviço não o apoia ou desconsidera. Há posições a favor, principalmente, no que concerne a concepção que o acolhimento é temporário, e da importância de evitar ao máximo novas rupturas de vínculos, até mesmo com a comunidade de origem:

Não é porque não mora com o pai que vai viver aqui e ser excluído do mundo aqui dentro. (Psicólogo 2)

(...) crianças não saíam da CA para nada, funcionava como um depósito de crianças como uma instituição praticamente total. Para cortar os cabelos das crianças, uma pessoa da comunidade que fazia isso voluntariamente ia cortar lá. O atendimento médico das crianças era feito dentro da CA, um dentista lá. As que saíam, era para escola, a escola que é em frente a CA então, a saída das crianças da CA era atravessar a rua, tanto é que muitas começaram a ver o acompanhamento no CREAS como um momento de diversão, porque elas passeavam de carro e saíam da CA. (...) apesar delas estarem institucionalizadas, são crianças que precisam ir pra escola, precisam passear, precisam ter direito ao lazer fora da instituição. (Psicólogo 4)

Conheço todo o manual (PNCFC) - o que você deve fazer, como atuar, o trabalho a ser feito com a família para a criança ser reintegrada, buscar uma nova família, você tem que conhecer tudo isso para poder desempenhar o seu trabalho. Temos que lembrar que a criança deve sair daqui, a estadia delas aqui deve ser o mais breve possível. É importante para manter a postura ética e evitar o “jeitinho brasileiro”. (Psicólogo 5)

A criança, ela pode ficar no máximo dois anos em situação de abrigamento. É um direito dela a convivência e a gente está aqui nesse trabalho, nesse fortalecimento com as famílias, justamente buscando garantir a convivência. Sejam essas famílias visitando esses meninos aqui, seja a gente levando eles até lá, mas é um direito deles. Esse Plano vem justamente para resgatar a família, porque seja a família de origem, primordialmente, a família extensa, em terceiro lugar a família substituta. O plano, ele busca que a criança esteja na família e não na instituição, a instituição é temporária. (Psicólogo 6)

(...) pelo Estatuto, a criança acolhida não deve ser afastada do seu convívio comunitário, mas isso é impossível nos nossos moldes atuais, temos quatro crianças que nasceram e se criaram no (bairro) e a casa está em (bairro), como é que vamos conseguir manter os vínculos estando em bairros tão distantes? O que a gente conseguiu e que eu acho sobre-humano da parte da coordenação é os manter na escola de origem, mas isso é uma problemática por conta da locomoção, só há um carro para as duas casas e ainda tem os atendimentos médicos e psicológicos, mas a gente tem que tentar. A criança já teve o vínculo

familiar rompido, temos que procurar manter o vínculo comunitário. (Psicólogo

7)

O reforço dos profissionais à manutenção dos vínculos comunitários é algo inovador, pois somente com a ampliação do conceito de família - no plano legal - e da aprovação do PNCFC as redes comunitárias informais de apoio à família ganharam notoriedade. É preciso ampliar o olhar para a comunidade, reconhecer os vínculos anteriores da criança, pois a chegada ao abrigo não a torna uma folha em branco. É um trabalho interligado, como reflete o psicólogo:

Quando não se tem um trabalho de estruturação social para essa família, para essa comunidade, acaba aqui, acaba na Casa de Passagem. Então, é um trabalho totalmente, na minha opinião, interligado, precisa haver esse trabalho. Ao trabalhar a comunidade, consequentemente, vai trabalhar a família. Consequentemente, vai trabalhar a criança e é assim que precisa funcionar. E as promoções, esse planos de governo, as promoções de trabalho nessas comunidades, com as famílias, as políticas públicas, de fato acontecendo, vai ajudar a contribuir para que as crianças não cheguem aqui. (Psicólogo 1)

Macedo e Dimenstein (2012) salientam que o campo das Políticas Sociais pedem a circulação do psicólogo pelos espaços da comunidade, “e captar/cartografar os mais ínfimos e invisíveis movimentos em nossos territórios afetivos e psicossociais, que seja sensível às variações das formas e fluxos da vida, bem como de seus espaços de luta – devir clínico-político” (p. 190). Em outras palavras, trata-se de conhecer as

particularidades que construíram a história da criança/adolescente e suas possibilidades de apoio à família. É importante, também, que a adoção dos novos paradigmas pelos profissionais seja correspondida pelos gestores dos programas, caso contrário, os maiores prejudicados continuam sendo as crianças e adolescentes.

(...) a localização distante entre os bairros e a falta de tempo cooperam para a dificuldade. Por exemplo, se vai ter uma festa na comunidade e a escola avisa, é muito difícil levar a criança, pelo carro estar ocupado ou por falta de educador disponível. Hoje as crianças estão muito desconectadas do seu lugar de origem,

infelizmente, o máximo que temos conseguido é a questão da escola. (Psicólogo

7)

Percebem-se avanços na visão de que o principal objetivo do Serviço de Acolhimento é o retorno da criança para as famílias de origem, no entanto, pouca atenção tem sido dada à comunidade de origem. Apenas dois psicólogos relataram algum trabalho junto a essas comunidades, porém, os serviços estão localizados em locais distantes das mesmas. É preciso lembrar que, da mesma forma que o acolhido precisa de uma família que lhe garanta acolhida e proteção, a comunidade também tem importante papel na sua história de vida e não pode ser descartada. Uma relação complexa também é desenvolvida com a comunidade onde está instalado o SAI:

Divulgar o que é realmente o acolhimento institucional, informar para as pessoas, tirar o estereótipo do “coitadismos”, o sentimento de exclusão, como se fosse algo diferente. Quando se fala da instituição de acolhimento, é preciso desconstruir para a sociedade o lado negativo, como se fosse diferente, anormal a instituição. Veem as crianças como se só apresentassem traumas, coisas negativas, perdas. (Psicólogo 3)

Tem crianças inscritas no escoteiro, o nosso grupo é desenvolvido no espaço do Clube de Mães, justamente para proporcionar um reconhecimento da comunidade em relação a essas crianças, quebrar com a institucionalização. (Psicólogo 6)

A relação entre o SAI e a vizinhança onde o mesmo está instalado não é simples. Durante o estudo, houve até mesmo um caso noticiado em rede local de moradores solicitando a mudança de local da instituição10. Além disso, há a já comentada