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Parte III Apresentação e discussão dos resultados

3. Atividades, métodos e recursos de trabalho

3.1 Trabalho em equipe

O trabalho do psicólogo nos serviços do SUAS é caracteristicamente multidisciplinar; sobre isso, Guzzo e Senra (2012) citam uma pesquisa realizada pelo IBGE (2006), a qual aponta que, em 2005, o número de administradores municipais desses serviços foi de aproximadamente 140.000, sendo 18,3% com formação superior em Psicologia e, mais da metade (51,2%), com formação em Serviço Social. Havia, então, uma predominância significativa de assistentes sociais, seguidos de psicólogos, como segunda categoria profissional presente neste setor dos serviços públicos. Com a implantação do SUAS, tal quadro tem se modificado com a crescente inserção de psicólogos neste campo. Ambas as categorias profissionais constituem as equipes de referência da Proteção Básica e Especial, com a adição do profissional advogado, no caso da Média Complexidade (Resolução nº 17, de 20 de junho de 2011).

Para o trabalho em conjunto entre os profissionais do Serviço Social e da Psicologia, é empregado o termo acompanhamento psicossocial, no SUAS. Tal associação, no entanto, não ocorre sem conflitos, visto que há dúvidas sobre como deve ocorrer a complementariedade profissional e onde se coloca a especificidade das

atribuições de cada categoria (Senra, 2005). Inclusive, na Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, e nas Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento, não há diferenciação entre os papéis e responsabilidades destes profissionais. Adiciona-se a isto o fato de que nos SAI existe uma variedade maior de categorias profissionais, como cuidadores sociais, equipe técnica, auxiliares, podendo ainda acrescentar pedagogos, educadores físicos, dentre outros, de acordo com a realidade. Por isso, questionamos aos entrevistados sobre a interdisciplinaridade do seu trabalho.

Eu trabalho em conjunto com todos os colegas, cuidadores, assistente social, coordenador, secretária, o porteiro, a cozinheira. (...) Também junto com a cuidadora e depois com a assistente social a gente vai ver que dificuldades foram enfrentadas durante o dia anterior, que a gente pode trabalhar no momento presente, no dia que estamos hoje, ou então a gente segue o planejamento semanal das atividades. (Psicólogo 3)

A gente senta para discutir de que forma a gente vai proceder, de que forma a gente pode desenrolar, (...) Eu não me sinto hoje mais à vontade para tomar decisões sozinha sobre acompanhamentos. Hoje, eu me vejo meio dependente do Serviço Social e eu acho que tive sorte de ter uma equipe que é bem legal, no sentido de a gente conseguir trabalhar muito bem. O tipo de demanda que chega aqui, as questões que a gente aborda, as resoluções que a gente precisa ter, elas não são resolvidas somente no âmbito da Psicologia, elas são resolvidas no âmbito psicossocial. (Psicólogo 4)

Trabalhamos com a assistente social, a promotora e a pedagoga. Estamos sempre trocando ideias, principalmente com a assistente social. (Psicólogo 5) Aqui a psicóloga não toma decisão sozinha. Todas as nossas decisões são compartilhadas, há um trabalho em equipe mesmo. (Psicólogo 6)

Eu acho que está indo bem, porque a equipe tem muita afinidade, comunicação e dedicação, qualquer necessidade a gente discute em grupo e já vai alterando no dia a dia. (Psicólogo 9)

O relato dos entrevistados revela a necessidade do psicólogo de planejar suas atividades e atuar em conjunto com os demais trabalhadores dos Serviços de Acolhimento, até mesmo incluindo profissionais de outras instituições que porventura

se façam necessários, como o promotor. Este entrosamento, no entanto, não pode significar a dispensa do papel do psicólogo de estar constantemente aprofundando o conhecimento da realidade e analisando criticamente a natureza e características da sua intervenção. Segundo Guzzo e Senra (2012), “em uma prática no campo da Assistência Social entendemos que é necessário um aguçamento do olhar crítico sobre as relações hegemônicas da sociedade, das políticas públicas existentes construídas nesse contexto e das condições concretas de vida da população atendida” (pp. 297). Acredita-se que não basta ingressar na Assistência Social e trabalhar de modo interdisciplinar, como apontamos, o psicólogo precisaria saber para onde está indo, o que está produzindo e quais as consequências das suas ações.

A perspectiva da Psicologia Comunitária vai além, ao adicionar ao social uma perspectiva política, no sentido de intervenção local, com vistas à resolução de problemas específicos, através da criação de novos recursos (Ornelas, 1997). Cabe aos psicólogos a disponibilidade para debruçar-se sobre a realidade da população pobre, principal vítima das violações de direitos infanto-juvenis, e auxiliá-la na conquista e concretização dos seus direitos.

O trabalho em equipe, de seis dos psicólogos entrevistados, é permeado não somente pela troca de informações com os educadores sociais, mas, também, por orientações e formações, como nos exemplos a seguir:

Agora eu estou percebendo que também estou fazendo um trabalho com as mães sociais, de conversar, de orientar, explicar que nessa fase de adolescência existem várias questões de conflitos, principalmente, porque eles que estão aqui dentro, não saem toda hora, todo tempo. A gente conversa com as mães sociais especificamente dos adolescentes, essa questão de masturbação, eu oriento também que a mãe social converse com eles, eu converso também. (Psicólogo 2)

Foco muito a questão da criança, além, claro, também, das cuidadoras. Estar sabendo como foi o trabalho delas, quais dificuldades elas estão tendo. Trabalho com todos, tanto com as crianças, como com as

cuidadoras (...) no sentido de ouvir os adultos também, melhorar o clima organizacional, ter um trabalho melhor da equipe (...) Sempre em capacitação da instituição a gente discute alguns artigos, tanto o direito da criança, como os deveres e a questão do respeito, enfim, a gente discute um pouco do Estatuto. Eu realizo, juntamente com a assistente social, duas vezes ao mês e as cuidadoras participam. (Psicólogo 3) Eu estou sempre questionando as cuidadoras para oferecer esse espaço do brincar, porque aqui não é um espaço apenas para dar comida e uma cama (...) A gente estimula as cuidadoras a isso também, a desenvolver o carinho, a dar beijo, a dar abraço, porque essas crianças, elas sentem muito essa necessidade de carinho, de afeto. (Psicólogo 6)

(...) só essa (formação) que vocês fizeram que foi muito legal e foi tão curtinha. Depois, eu fiz um resumo das oficinas para passar para as educadoras que não foram. É tão precária a situação que a gente vive, que a gente tem que fazer por conta própria mesmo, não existe muita orientação. Acredito que é muito pouco, mas eu entendi que a gente era multiplicadora ali e fiz um resumo das oficinas para passar para as educadoras que não foram (...) Sempre que a gente senta com o educador para trabalhar questões específicas, primeiro temos que ouvir todo o desabado deles, as angústias, para depois conseguir passar essas informações e abrir discussão. Alguns acham legal, outros não, até porque muitos dos educadores sequer apresentam perfil mínimo para a função. Os ditos são horripilantes, tipo: “faltou pouco para eu rachar a cara desse menino e mandar ele para o hospital”. Nada do que você converse entra como algo proveitoso, então, a gente precisa ter muito tato para conversar, explicar que a criança já vem de uma situação de maus-tratos em casa e aqui não pode sofrer o mesmo. (Psicólogo 7)

Os psicólogos afirmam desempenharem atividades de orientação e capacitação dos educadores e pais sociais, os quais obedecem a uma variedade de temas, por vezes decorrentes do cotidiano das instituições, permeados por conteúdos já previstos nas Orientações Técnicas, como noções sobre desenvolvimento infantojuvenil, ECA; SUAS, Sistema de Justiça e PNCFC. Não é possível afirmar, entretanto, que há um plano de capacitação para cuidadores nesses serviços. O que se observa é que os psicólogos, juntos ao assistente social ou não, orientam esses profissionais e os capacitam, de acordo com a demanda. Tal fato não causa surpresa, dada a alta rotatividade dos psicólogos nos SAI, e visto que, como apontamos, os próprios sentem a carência de

capacitações para sua atuação profissional. Além disso, chama a atenção o fato de apenas um psicólogo confirmar fazer parte do processo de seleção dos educadores, atribuição também prevista nos documentos técnicos. O que nos leva a questionar sobre como esses profissionais estão sendo selecionados, sob quais critérios e se realmente apresentam o perfil desejável para o trabalho.

Cada trabalhador dos Serviços de Acolhimento, como já afirmamos, traz em si a responsabilidade de ser um educador das crianças e adolescentes acolhidos, por isso, é imprescindível que, para tanto, sejam devidamente selecionados e capacitados para a função, ao mesmo tempo em que não se amarrem à funções específicas e reconheçam seu papel interdisciplinar.

Com as crianças, vejo com elas o que pensam em mudar na casa. Sugestões tanto de alimentação, sobre a roupa. Um trabalho onde elas possam dar opinião mesmo e sugiram algo melhor, para que nesse sentido a gente possa fazer mudança. (Psicólogo 3)

Reunimo-nos em um grande grupo para formular o regimento interno entre nós, os adolescentes, educadores e equipe técnica, não que a gente tenha essa divisão muito bem formada, há o espaço e o respeito pelo trabalho alheio, mas se, por exemplo, a moça da cozinha pede para eu espetar carne no churrasco que a gente tá fazendo, eu faço. Em contrapartida, existem os saberes que são das suas áreas, eu não sou chefe de cozinha. E, da mesma forma, montamos o plano político pedagógico, por exemplo, perguntamos o que eles achavam que era interessante estudar e assim fomos montando as demandas junto com eles, acho que próxima semana a gente tem outra reunião e eles sempre estão inseridos, o que não deixa de ser uma atividade em grupo. (Psicólogo 8)

Um serviço responsável por formar sujeitos críticos e autônomos deve, portanto, estimular a participação dos acolhidos nas decisões cotidianas da casa/abrigo, de acordo com as suas capacidades e fases de desenvolvimento. Não é mais o tempo de impor regras, mas de reconhecer cada criança e adolescente como sujeitos de direitos e, portanto, principais pessoas a serem ouvidas sobre o funcionamento do serviço e na elaboração e efetividade do Plano Individualizado de Atendimento.