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3.4 O poder de Ìyàm

No documento VANDA ALVES TORRES AZEVEDO (páginas 72-74)

O mundo (aiyé) é um conjunto de forças coordenadas e hierarquizadas. Acima de toda força está Olodumare, a força criadora, que dá existência, substância, crescimento a outras forças, aos orixás e depois ao homem. O homem é a força suprema, a mais poderosa entre os seres criados visíveis. Ele domina os animais, as plantas e os minerais, seres inferiores por predestinação divina, que dão assistência do homem.

Segundo Ronilda: “... para os iorubas, ao Eu transcendental, intangível e invisível associam-se componentes de ordem material formando um corpo tangível e visível e outros componentes de ordem imaterial, intangível e invisível”28. O ser humano é descrito como constituído dos seguintes elementos: Ara, o corpo, representação visível do homem, é concebido como um complexo externo e outro interno em relação constante:

Orí é o primeiro ancestral e o primeiro Orixá de cada um que nasce. É o ancestral vivo que individualiza o ser numa relação sagrada consigo mesmo é a entidade sobrenatural do elemento ar representado por Oxalá, o grande espírito. Orí não conhece a morte. Quando o corpo morre no Aiyé, Orí nasce no Orun. 29

Ainda temos: Okan, coração. Emi, sopro vital, alma, sopro, princípio vital. Ojiji, sombra ou duplo. O destino descrito como ipin-ori, a sina do orí, pode sofrer alterações em decorrência da ação de pessoa más, Omo araye-filhos do mundo, também chamados aye – o mundo e ainda elenini, implacáveis inimigos das pessoas. Como veremos abaixo, eles são representados pelas ajé, bruxas, e pelos

oso, feiticeiros. “Se seu inhame é branco, cubra-o com a mão enquanto come

28 Ronilda RIBEIRO, Mãe Negra, p. 77.

porque Ajé não quer que ninguém prospere. O bem estar e os sucessos devem ser escondidos dos olhares para não tornarem-se alvo de ataques malignos”30.

A presença das Ìyàmi é constante no mundo dos homens, em função do poder imensurável concedido a mulher. Isto fica explícito também nas falas dos entrevistados, que entre um argumento e outro, associavam a natureza dessa força ao sangue menstrual. Segundo entrevista com a Sra. Lourdes de Oia devota de orixá:

... o culto a Ìyàmi Osoronga representa o culto à força gestante da própria natureza. Elas são as gestantes da natureza, são forças criadas por Olodumare e representadas no corpo humano pelas mulheres através do ventre e do útero. O ventre é, na realidade, a própria cabaça da existência. Este culto é um culto sagrado, é um culto muito desenvolvido pelas mulheres até porque esta questão da maternidade. Uma vez que ela é uma força gestante e tudo o que é força gestante representado pelas mulheres também representada pelo ciclo menstrual, que seria o nascimento da primeira mulher física. A primeira seria Iemanjá que menstruou e trouxe o sangue à terra. 31

O sangue constitui a base da realeza, do clã, da herança: “... admite-se que as mulheres beneficiavam de um elevado estatuto nas sociedades antigas por serem guardiãs e transmissoras através da procriação” 32. Em tempos passados, o sangue

menstrual era considerado benéfico, de muitas formas, sendo derramado nos campos como fertilizante.

Na África, Ìyàmi, segundo Sikiru Salami, é “considerada como a força vital para existência da humanidade” 33. Quanto à atuação das Ìyàmi no destino humano, elas manipulam o destino do homem de forma positiva ou negativa. Com essa força e sabedoria é que o homem pode fazer o bem ou o mal, isto dependendo do poder do homem e dos ideais que ele almeja.

As Ìyàmi influenciam a saúde, a vida social e profissional. A força que elas possuem é primordial para a saúde em todas as formas: física e espiritual. Para o ser humano se aproximar das Ìyàmi, tem que ser de uma forma suave, por causa da força

30 Ronilda RIBEIRO, Mãe Negra, p. 77.

31 Lourdes, entrevistada pela autora, gravação em fita de áudio, São Paulo, 17/03/2004, fita no 04. Ver

apêndice p. 114.

32 Shahrukh HUSAIN, Divindades femininas, p. 138.

33 Sikiru SALAMI, Centro Cultural Oduduwa – Estudos de Língua e Cultura Yoruba – Tradição Nagô:

Curso Ìyàmi Osoronga: as Mães Feiticeiras”, caderno de anotações 30/05/2000-31/05/2000, 04/12/2001-05/12/2001, 05/06/2003-06/06/2003.

e do poder que elas possuem, por isso que as cantigas de invocação as Ìyàmi são suaves, lembrando, em muito, as cantigas de Oxum.

3.5 – Ìyàmi: criadora ou destruidora

O significado da identidade de Ìyàmi fica, na maioria das vezes, deteriorado pelo trabalho de alguns pesquisadores, transformando Ìyàmi, mãe

primordial dos iorubanos e seus descendentes, sustentadora do mundo, em bruxa e em feiticeira. Segundo Augras34, as Ìyàmi até chegam a ser uma pomba-gira.

Despojada de sua função primordial de geradora da vida, é reduzida à condição de força destrutiva.

Em A feitiçaria entre os nagô yoruba, Cunha afirma: “ìyàmi não se incorporam nos seus fiéis, durante festival guelede não há possessão” 35. Para o estudioso, a

feitiçaria apóia-se na noção de Axé. Por outro lado, a feitiçaria encontra-se nos mitos de origem de Ìyàmi Oxoronga, feiticeira terrível, que é ao mesmo tempo a mãe ancestral da humanidade.

Como a senhora vê essa imagem de Ìyàmi que é passada a comunidade candomblé? Ela é passada de uma forma diabólica. E ela não é tão diabólica a ponto do jeito que eles imaginam. Você entendeu? As Ìyàmi são diabólicas e não são diabólicas. Depende do ponto de vista como você a invoca. Você entendeu? Elas não são do jeito que o povo fala, elas não se assemelham a esse negócio de pomba gira e os escambal que o povo fala ai no Brasil. Que isso? Elas não são isso. Elas são outras coisas. E isso que é o problema. O povo do Brasil, eles criam uma imagem e dão ilusão a essa imagem. Na realidade as Ìyàmi não é isso. 36

Na visão de Ribeiro: “... do ponto de vista do código moral iorubá a magia pode ser boa ou má, lícita ou ilícita. Bruxaria e feitiçaria são, via de regra, expressões de magia ilícita porque visam a destruição de um indivíduo ou de um grupo”37.

34 Cf. Monique AUGRAS, De Iyá Mi a Pomba-gira, In: Carlos Eugênio Marcondes MOURA (org.), Candomblé: religião do corpo e da alma.

35 Mariano Carneiro da CUNHA, A Feitiçaria entre os Nagô-Yorubá, Revista Dédalo, p. 4.

36 Ialorixá Raquel, entrevista realizada pela autora, gravação em fita de áudio, Santo André, 08/03/2004,

fita no 01. Ver apêndice p. 94.

No documento VANDA ALVES TORRES AZEVEDO (páginas 72-74)