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O poder de se identificar sem perder a individualidade e o poder da não-

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3 ADOLESCENTES EMOs, SUAS MEDIAÇÕES CONSTITUTIVAS E SEUS

3.3 Tribo EMO: um espaço de poder

3.3.5 O poder de se identificar sem perder a individualidade e o poder da não-

Márcia indicou que, ao mesmo tempo em que os integrantes das tribos devem seguir o que é preestabelecido por elas como costumes e rituais, estes acreditam que não se pode perder a individualidade e que cada um deve fazer as coisas a seu modo:

Tipo, seguir tudo que o grupo manda a gente seguir, a gente segue, mas da sua forma de pensar, do seu jeito mesmo. Não seguir, assim, ao pé da letra, mas do seu pensamento Tem uma ideia geral, mas dentro dessa ideia se adapta. (Márcia, 15 anos)

No discurso de Márcia, percebe-se a necessidade do respeito aos sentidos pessoais, entendendo que a tribo não pode impedir que o indivíduo mantenha suas particularidades e subjetividades. Para Lane (2006), é no contexto grupal que a pessoa se identifica com o outro e, ao mesmo tempo, se diferencia dele, assim construindo os seus próprios sentidos e produzindo significados sociais. Diante disso, ao organizar sua realidade tendo como fundamento o que lhe é familiar e compartilhado pelo grupo, ou pelo que é estranho ou fora do grupo, o indivíduo atribui significados ao contexto em que está inserido.

Abramo (1994) esclareceu que os EMOs utilizam dimensões simbólicas como forma de comunicação entre si e com o seu meio social, com o propósito de alcançar integração ou até um encontro com a lógica do estranhamento, da exclusão.

Sendo assim, no decorrer desta pesquisa, investigou-se se existia alguma prática comum aos membros da tribo EMO com a qual os sujeitos pesquisados não concordavam. As respostas dos participantes revelaram que João e Márcia não concordam com os que exageram em relação às roupas e maquiagem, como se pode verificar nesta fala:

Sim. Tem roupas escandalosas, tipo, que exagera, assim, da roupa, da maquiagem, que eu não curto mesmo. Que eu acho que tem que ficar na sua e não ficar se mostrando pra todo mundo da rua. Tem que ser você, pra você mesmo. (Nívia: “Mas você se veste como a tribo?”) É, mas sem exageros. (Márcia, 15 anos)

William, Bruno, Ana Carolina e Luciano afirmaram que não aprovam a atitude de alguns que entram para a tribo para assumir sua homossexualidade, porém, sem revelar para suas famílias, se justificando que são apenas integrantes da tribo EMO. Isso demonstra que no interior da tribo também há preconceitos com os integrantes que agem dessa forma, como apontou Luciano em seu depoimento:

Tem muito EMO que não é EMO. Tipo, desses meus amigos que usam calça rosa... Tipo, pra mim, tá mais pra um gay que tem medo de falar pros pais. Aí, os caras falam: “Não, pai, eu uso maquiagem porque eu sou EMO, calça apertada porque eu sou EMO.”. Mas, a maioria não tem o estilo. Mas é mais medo de assumir pros pais. Eu não gosto de pessoas assim. As meninas, agora, inventaram esse negócio de From UK. Falaram que é a evolução do EMO. Só que é com o dobro da viadagem, cabelo muito feminino. Aí, eu não sou muito fã do From UK. (Luciano, 17 anos)

Leide, Gustavo, Daiane e Kate disseram que se incomodam quando alguns integrantes da tribo não se apresentam como EMO, embora tenham o estilo, andem com a tribo, como revelou Kate:

Ah... Eu não concordo que eles não confessem que são EMOs. Os EMOs que não confessam. Porque eu acho que eles estão se escondendo. Eles não mostram que são EMOs pras pessoas conhecerem. Aí, eu acho que isso aumenta mais o preconceito, que as pessoas, que a sociedade tem com os EMOs, porque eles... até eles... É como se eles tivessem preconceito com eles mesmos, em se esconder e dizer que não é EMO. (Kate, 15 anos)

A fala de Kate é reveladora no sentido de mostrar que no grupo também existem barreiras quanto à liberdade do sujeito em ser e se apresentar como quiser. Nota-se, então, que existem contradições no interior da tribo, indicando que mesmo comungando com muitos significados sobre diferentes conteúdos apresentados nas falas dos sujeitos pesquisados, estes significados passam pela subjetividade de cada indivíduo, permitindo uma construção de sentidos. Portanto, no interior da tribo é possível perceber que existem preconceitos e regras que, se quebradas, provocam atitudes de repulsa entre seus membros.

Também surgiu, no decorrer das entrevistas, outro subtema referente ao que eles pensam a respeito de outras tribos urbanas. Tajfel (1983) e Souza (2004) assinalaram que grupos diferentes fazem comparações entre si, ou até se confrontam, em busca da manutenção da autoimagem social positiva e da supervalorização do endogrupo, na contramão dos exogrupos. Nesse sentido, as autopercepções definidas pelos próprios grupos geram efeitos significativos nos comportamentos sociais.

Como tribos urbanas que não se relacionam bem com os EMOs, foram apontadas pelos sujeitos desta pesquisa as seguintes: playboys e patricinhas, Força Jovem (torcida organizada do Goiás Esporte Clube), hip hop, rappers e skinheads.

Gustavo justificou porque não gosta das patricinhas e dos playboys:

Com playboy e com patricinha. [risos] Odeio, porque eles se preocupam muito com a questão financeira e eu não olho muito isso, não, nas pessoas. No caso de se vestir com coisa de marcas, tal... Não sou contra a pessoa usar nada de marca, mas aquela pessoa que fica discriminando as pessoas de baixa renda, eu não gosto disso. Pessoas metidas, fúteis. (Gustavo, 16 anos)

Leide, João e Luciano afirmaram não se relacionar bem com a Força Jovem por causa da agressividade desta tribo, uma vez que brigam por qualquer motivo. Luciano exemplificou isso em sua fala:

Força Jovem, torcida organizada, eu acho o cúmulo do absurdo. Torcida organizada, o pessoal que só pensa em bater e xingar e qualquer motivo faz. Eu acho horrível a Esquadrão. O pessoal da Esquadrão vai atrás de outros, mata por causa de futebol, entendeu? Pra mim, é o “ó”. Não dou certo, mesmo! Não converso! Conheço muita gente que é da Força Jovem que é amigo de infância, mas que eu converso de boa, mas evito. (Luciano, 17 anos)

A tribo do hip hop também foi citada por William, Daiane e Ana Carolina, porque já brigaram entre si, como afirmou esta última:

Eu não me relaciono bem. [risos] Nem é tribo do rock, aqueles hip hop! Não bate comigo. É pelo fato de já ter tido intrigas. Eles estavam cantando um rap e a gente começou a cantar também, alto, e aí, foi um momento que eles falaram: “Cala a boca! Cala a boca!”. E aí, a gente parou. Fez o que eles pediram, mas eles vieram pra cima pra brigar com a gente. E a gente disse: “Não! A gente não quer briga!”. E aconteceu que teve porrada. Eu acho o hip hop é uma coisa mais pra violência. As letras deles, mais essa parte da violência, morte... Não gosto, não. (Ana Carolina, 16 anos)

A tribo dos rappers também foi lembrada como uma das que não se relaciona bem com os EMOs, conforme apontou João:

Os manos. Aquele povo que gosta de rap, os rappers, lá, que a gente chama de mano. Não gosto muito, por causa de que as ideologias deles é extremamente diferente da gente. Eles gostam... eles saem é pra brigar. Sai catando quantas mulheres que conseguem a mais. E eu acho que isso é ridículo, sabe? Eu acho que você tem que valorizar a pessoa. E aí, eles saem... Uma vez, a gente tava num grupo e chegou um monte de mano caçando briga. Aí, um deles falou assim: “Não! Deixa de mão. Isso aí é roqueiro. Isso aí não compensa brigar.”. Isso você vê a ideologia da pessoa, que sai pra brigar. Igual aqueles Força Jovem. Pra mim, isso é uma pessoa muito fraca. Não tem intelectual nenhum. (João, 17 anos)

A tribo dos skinheads foi lembrada por Kate, ao afirmar que eles têm preconceitos contra a tribo EMO:

Não é que a gente não se relaciona bem. É que eles têm um certo preconceito com a gente. Que é os skinheads. Não sei porque, mas eles têm preconceito com a gente. Mas, de nós mesmos de não gostar de outros, eu acho que não. (Kate, 15 anos)

O tema violência foi o que esteve mais presente nas falas dos sujeitos quando estes revelaram as dificuldades que enfrentam em relação às outras tribos urbanas. Esse aspecto apontou para a categoria preconceito, trabalhada na parte quatro deste estudo, que variadas vezes se desdobra em brigas e agressões verbais.

4 ADOLESCENTES EMOs E OS SIGNIFICADOS SOBRE

SEXUALIDADE E PRECONCEITO

Durante esta pesquisa, ouviram-se os participantes apreendendo-se os sentidos que eles atribuem à sexualidade, bem como se teve acesso ao que eles compreendem como os significados históricos e sociais estabelecidos sobre este tema.

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