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Sexualidade em questão

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3 ADOLESCENTES EMOs, SUAS MEDIAÇÕES CONSTITUTIVAS E SEUS

4.1 Sexualidade e afetividade nas relações entre os EMOS: sem medo de ser feliz

4.1.4 Sexualidade em questão

Em um primeiro momento, o discurso da bissexualidade sugere que o indivíduo esteja passando por um período de confusão, uma indefinição da orientação sexual, quer seja para a homossexualidade, a heterossexualidade ou a manutenção da bissexualidade. No entanto, em uma análise mais profunda das falas dos participantes, é possível perceber no subtexto a sugestão de que a bissexualidade aparece apenas para esconder a homossexualidade não assumida, feminina ou masculina, como se pode depreender a partir do depoimento de Gustavo:

Eu acho que o bissexual ainda vai se decidir. Acho que é um gay ou uma lésbica mal decidida, que gosta mais de mulher, mas de vez em quando fica com homem só por diversão, só por uma conveniência. (Gustavo, 16 anos)

Luciano contou que, quando foi revelar para sua mãe sua orientação sexual, ele preferiu dizer que era bissexual, pois era mais fácil para ela compreender.

Tipo, assim, eu, por agora, me considero um homossexual. Então, pra mim, é de boa, mas tem muito preconceito. Quando eu falei com minha mãe, disse que eu era bissexual. Se eu falasse que era gay, ela não ia entender... Apesar que eu já namorei meninas também. (Luciano, 17 anos)

Breno se definiu como bissexual, embora tenha afirmado que prefere ficar com meninos, porquanto com as meninas, tem mais laços de amizade e só quando está bêbado fica com elas:

A bissexualidade, pra mim, também é normal. A pessoa tem a opção de escolha, podendo ficar tanto com homem quanto com mulher. Não precisa ter que tomar aquela decisão homossexual, ou seja, pode ter um sentimento pelos dois. Eu, por exemplo, sou bissexual. Mas, normalmente, fico mais com menino. Porque, dentro do grupo, tem mais menino que opta mais por menino. Mas, eu fico com menina, assim, mas é puxado pros meninos. Com as meninas, tenho mais laços de amizade. E então, fica aquela barreira. Na hora de ficar, não consegue. Mas, de vez em quando, quando tá bêbado, faz qualquer besteira. (Breno, 16 anos)

João reiterou o discurso de Breno revelando que se aparecesse um menino perfeito em sua vida e uma menina também perfeita, ele ficaria com o menino:

Eu penso que as pessoas não deviam ver o mundo dessa maneira: hetero, bi ou homo. As pessoas tinham que ver por dentro. Se a pessoa é legal, se ela te agrada. Não se ela é homem ou se ela é mulher. A bissexualidade, pra mim, é isso. Eu não tenho essa coisa, assim: “Ah, eu quero um dia casar com uma mulher.” ou “Eu quero um dia casar com um homem.”. O que aparecer, se eu gostar, se for homem ou mulher, pra mim, não importa. Mas, assim, ééé... vamos dizer, se aparecesse um menino perfeito, igual eu sempre sonhei, e uma menina perfeita, igual eu sempre sonhei, eu acho que eu escolheria o menino. Mas, nunca aparece! Então, eu fico mais com mulher. (João, 17 anos)

Entre as meninas entrevistadas, também apareceram os mesmos conteúdos. Kate afirmou ser bissexual, embora prefira garotas, e justificou afirmando que elas são mais limpinhas, como é possível perceber em sua fala:

Eu sou bissexual, porque eu sinto atração por homens e por mulheres também. Mas, normalmente, eu sinto mais atração por meninas, garotas... Elas são mais limpinhas... (Kate, 15 anos)

Ana Carolina também reafirmou sua preferência por meninas, apesar de também ficar com meninos:

Tem dia que eu sou lésbica e tem dia que eu sou bissexual. Eu fico com homem, mas eu prefiro mais ficar com mulheres. (Ana Carolina, 16 anos)

Luciano explicou que fica com meninas, mas só de beijos e abraços; apenas com os meninos é que tem relações sexuais:

[...] com menina, eu fico, eu beijo e abraço, mas eu nunca tive relação... Eu perdi minha virgindade agora, em janeiro, com o meu namorado. Sabe? Foi minha primeira vez... (Luciano, 17 anos)

William fez um relato diferente, afirmando que se sente bissexual e nunca teve relações sexuais com menino, porque tem medo de gostar e se tornar definitivamente homossexual. Por conseguinte, ele apenas beija e abraça homens:

Bom, tenho nada contra. Já convivo, tal... Tipo, a gente, quando se encontra, eu deixo. Já levei beijo na boca. Quando se encontra, beija mesmo, abraça, tal... Mas, assim, costuma dizer que entre nós, bissexual só fica com bissexual, não fica com homossexual. Porque, se ficar com homossexual, tem medo de virar homossexual, de gostar, entendeu? Bissexual só fica, só dá abraço, beija, tal, pega, essas coisas, mas não faz sexo! Com as meninas, eu não sei como funciona. [risos] A parte da mulher, não sei. Mas agora, homem tem a parte que gosta de mulher e a parte que gosta de homem. Aí, quando tá ficando com homem, aí sente aquela atração, lá. Aí, vai ficar com homem, fazer sexo. Aí, não tem como. Então, bissexual masculino não faz sexo com homem [homossexual] porque ele tem medo de fazer e gostar. Assim, você nunca fez. Você vai experimentar e pode gostar. (William, 17 anos)

As falas desses sujeitos revelam que sua preferência sexual recai em pessoas do mesmo sexo. Mesmo quando William afirmou que não pratica relações sexuais com indivíduos homossexuais, isso não ocorre porque ele tem medo de gostar, o que sugere que sua orientação sexual é a homossexualidade. Contudo, esses sujeitos insistiram em afirmar que se sentem atraídos por pessoas do outro sexo, mantendo um relacionamento bissexual.

Castañeda (2007) assinalou que as famílias, os amigos de adolescentes homossexuais e, algumas vezes, até mesmo os próprios adolescentes acreditam que a orientação homossexual está relacionada com o fato de que estes têm pavor do sexo oposto ou nunca tiveram experiências heterossexuais. Os integrantes da tribo EMO revelaram, na prática, que isto não faz parte da realidade deles, e que, por vezes, viver experiências sexuais com pessoas do sexo oposto faz com que o adolescente consiga compreender o que sente e, assim, assuma sua orientação sexual para si próprio e para a sociedade.

Nessa perspectiva, a bissexualidade se explica pela necessidade de buscar autoconhecimento para alcançar o verdadeiro reconhecimento de sua orientação sexual, que na totalidade dos sujeitos desta pesquisa passa pela homossexualidade.

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