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No segundo semestre de 1989 foram realizadas as primeiras eleições democráticas diretas depois de mais de duas décadas de regime militar ditatorial. Dois candidatos chegaram ao 2º turno. Um deles, Fernando Collor de Mello, de um partido até então desconhecido, o PRN (Partido da Reconstrução Nacional). Descendente de uma de família rica pertencente a uma das oligarquias nordestinas, e seu pai havia sido Senador por Alagoas. O outro candidato era Luis Inácio Lula da Silva, ex- presidente brasileiro (2003-2010), ex-líder dos metalúrgicos do ABC, oriundo de família pobre de retirantes nordestinos que vieram a São Paulo. Collor de Mello era liberal e conservador. Lula da Silva era o candidato da esquerda e representava o PT (Partido dos Trabalhadores). Com o apoio da elite nacional, da burguesia industrial e da maior emissora de TV brasileira, a Rede Globo48, Collor foi o vencedor das eleições de 1989. Em 1990 ele assumia a presidência, quando seu país “completava” a mais longa transição de um regime autoritário para uma Democracia, na América Latina.

Em seu discurso, Collor, apresentava-se como o salvador do empresariado nacional, dos trabalhadores e dizia-se comprometido com o povo em geral. Aproveitou o momento frágil tanto político quando econômico e social por que passava o país. Uma vez no governo, Collor implantou seu plano econômico que marcou definitivamente a trajetória de desenvolvimento do Brasil. O plano ia além da política de estabilização. “Surgiu a proposta de um projeto de longo prazo, que articulava o combate à inflação com a implementação de

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reformas estruturais na economia no estado e na relação do país com o resto do mundo, com características nitidamente liberais” (FILGUEIRAS, 2000, p.84).

A situação econômica financeira do país, após o fracasso do Plano Verão (de janeiro de 1989), fazia com que agentes e analistas da economia nacional acreditassem que somente medidas radicais seriam capazes de restabelecer a legitimidade da riqueza e dos patrimônios acumulados e afastar o grave problema da hiperinflação (BELUZZO; ALMEIDA, 2002). No entanto, o presidente Collor, com argumento de que havia sido eleito democraticamente, decretou e conduziu um plano de estabilização de forma autoritária e que parecia mais drástico e radical do que todas as previsões pudessem supor.

O Plano Collor49, lançado em março de 1990, constituiu-se de uma reforma monetária50, um ajuste fiscal, uma política econômica associada a medidas de liberalização do comércio exterior e uma nova política cambial. Uma medida inédita foi adotada. De início, a totalidade dos ativos financeiros do país foi bloqueada. A liquidez da economia sofreu forte redução. Os titulares de contas puderam sacar no máximo 50 mil cruzeiros e o restante fora bloqueado pelo Banco Central por dezoito meses.

Ainda que temporariamente, o confisco da riqueza e os bloqueios dos depósitos de poupança, medidas de extrema arbitrariedade, não traduziam as posições e o ideário dos aliados de Fernando Collor. A Reforma Monetária foi duramente criticada pela oposição e até por líderes direitistas, mesmo assim, estes últimos não retiraram apoio para sua aprovação no Congresso Nacional. O ajuste fiscal tinha como objetivo fundamental a obtenção do superávit operacional e foi conduzido por meio de medidas tributarias como indexação, redução do prazo de recolhimento dos impostos, etc.

Na política cambial, o governo substituiu a indexação automática e diária da taxa de câmbio à inflação interna pelo “câmbio livre”. A característica fundamental da nova política residia na eliminação da indexação automática e na introdução do risco de flutuação dos valores em dólar da moeda nacional. Tratava-se de uma flutuação “suja”, influenciada pelo Banco Central. A conseqüência imediata foi a perda de importância da referencia à moeda

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Ressaltamos que apresentaremos de forma abreviada o projeto de reforma econômica do Governo Collor, evidenciando suas principais características. Uma análise mais abrangente encontra-se em Belluzzo e Almeida (2002).

50 O Padrão monetário voltou a ser denominado Cruzeiro, substituindo o Cruzado Novo, a moeda vigente desde janeiro de 1989. “A troca de padrão monetário serviu para impor condições à conversão de ativos e haveres

denominados na moeda antiga na moeda nova. Foi um “truque” legal para, de fato, bloquear a disponibilidade financeira acumulada em quase-moedas. A reforma somente autorizou a conversão automática e ao par (não houve cancelamento de zeros por ocasião da Reforma Monetária) para um único ativo: o papel-moeda em poder

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estrangeira como padrão de avaliação de rendimentos e riqueza na economia, reduzindo a “dolarização” da economia (BELLUZZO, ALMEIDA, 2002).

De início, o Plano Collor sinalizava para uma melhora da economia brasileira. A relativa estabilidade do câmbio no mercado livre, a redução do déficit público somado a abertura das importações contribuíram para a queda da taxa de inflação que prevalecia antes do plano. Porém essas mesmas medidas se voltaram contra a estabilidade da economia. Já nos últimos meses de 1990, a pressão pela reindexação intensificou-se entre os agentes devido à percepção de insucesso do plano e já havia uma ameaça de retorno a alta inflação.

De acordo com Belluzzo e Almeida (2002), a adoção de uma Reforma econômica de tal complexidade trouxe inúmeros problemas à população e ao sistema produtivo. Uma das conseqüências foi o elevado retrocesso da produção e das vendas em tão curto espaço de tempo, em razão da paralisação dos negócios. A produção industrial declinou, em abril de 1990, nada menos que 29% em relação ao mesmo período do ano anterior; o comércio varejista em São Paulo recuou 39% já em março, e 22% em abril do mesmo ano.

Até dezembro de 1990, o Governo optou por confiar nos resultados de sua política econômica, mas quando isso se revelou impraticável, um novo Plano fora articulado. No começo de 1991 o quadro macroeconômico era preocupante. A inflação ameaçava escapar ao controle e, assim, em janeiro de 1991 era anunciado o Plano Collor II. O novo plano veio acompanhado de medidas de nível estrutural, entretanto sua proposta principal era deter a crise em direção a superinflação. Esse plano também não obteve êxito e ao final daquele ano ocorreu uma nova aceleração inflacionária.

A política industrial e de comércio exterior do Governo Collor privilegiou a liberalização das importações. A principal medida foi a expressiva redução da tarifa de importação, como havia feito o México no Governo de La Madrid em 1986. As indústrias brasileiras, repentinamente foram inseridas à competição internacional. Muitas não suportaram a concorrência e faliram. O país foi inundado por produtos industrializados importados, favorecidos pela taxa cambial e pela baixa tarifa de importação. Empresas multinacionais, atraídas pelas vantagens econômicas do plano Collor, instalaram-se no Brasil. As montadoras multinacionais de veículos instalaram-se rapidamente. A abertura comercial brasileira começava amparada no capital estrangeiro e no capital financeiro. Podemos dizer que as abriam-se as portas às estratégias de inserção brasileira na economia internacional calcadas numa política econômica neoliberal.

99 O excessivo liberalismo deste governo encerra, portanto, um componente de legitimação política que, no mínimo prejudicou a organização e o andamento das suas políticas. A propósito, é curioso observar que a equipe econômica que iniciou o governo Collor – a começar pela ministra Zélia Cardoso de Mello – nunca se notabilizou pela defesa dos princípios da doutrina econômica liberal e, no entanto, sob seu comando assistiu-se em 1990 à mais ampla liberalização econômica já empreendida no Brasil (BELLUZZO; ALMEIDA, 2002, p. 293-294)

Os resultados da reforma econômica do Governo Collor não agradaram nem o povo, nem a burguesia capitalista industrial, nem a elite nacional. O povo sentia-se traído, principalmente a classe média, os industriais viram a concorrência estrangeira aumentar e a elite estava temerosa, quanto às novas medidas que o novo presidente poderia tomar. A imprensa, leia-se Rede Globo, não o apoiava mais e denúncias de corrupção envolvendo o presidente e o tesoureiro de sua campanha em 1989, Paulo César Farias, contribuíam para aumentar a crise política. No segundo semestre de 1992 sua queda já era prevista. Em dois de outubro foi afastado temporariamente da presidência da República, em decorrência da abertura do processo de impeachment pela Câmara dos deputados. Em 29 de dezembro, data da votação do processo de impeachment no Senado, renunciou ao cargo de presidente.

O vice-presidente Itamar Franco assume o governo no mesmo ano. De perfil anti- liberal, Itamar poderia ameaçar o projeto neoliberal no Brasil. O grande empresariado e a burguesia encontravam-se num dilema. Não encontravam um sucessor para Itamar. A esquerda tinha Lula, e Maluf poderia ser seu concorrente. Mas nenhum deles era desejado. Porém os rumos começaram a mudar quando o senador do PSDB, Fernando Henrique Cardoso (FHC), foi nomeado em maio de 1993, como ministro da Fazenda, trazendo consigo um novo plano econômico que, posteriormente, seria o carro chefe de sua campanha presidencial.

É interessante observamos a advertência feita por Velasco e Cruz (2007), acerca do que ele qualifica como “episódio tão intrigante” na política brasileira recente que foi a maneira “tranqüila” como se resolveu a crise do governo Collor. Episódio que está estreitamente ligado ao novo modelo de desenvolvimento que viria se consolidar com FHC.

No início do movimento pelo impeachment, não foram poucos os que previam o agravamento da crise econômica se as mobilizações ganhassem vulto, enquanto outros descartavam essa possibilidade porque não viam como prosperar uma campanha pela saída de um presidente cujo programa de longo prazo contava com tão forte apoio nas elites econômicas, no país e fora dele. O engano foi não ter percebido a tempo que o movimento pela derrubada de Collor não punha em questão as reformas econômicas: o consenso formou-se em torno do tema da “ética na política” e da probidade no trato com a coisa

100 pública: a abertura comercial, a liberalização financeira, as privatizações e outros itens de seu programa foram mantidos zelosamente fora da pauta de discussão. Assentimento silencioso – não surpreende, portanto que as reformas liberalizantes continuassem presentes como pontos prioritários na agenda dos governos que lhe sucederam (VELASCO E CRUZ, 2007, p. 84). Sendo assim, em seu novo plano econômico, FHC optou pelo projeto de modernização liberal, aceitando como certa as relações de poder e dependência internacionais próprias da globalização financeira. Um intelectual respeitado, sociólogo, era o candidato perfeito da elite conservadora. O plano desenvolvido pela equipe econômica do governo e liderado por FHC fora chamado de Plano Real, um minucioso mecanismo concebido para desindexar a economia brasileira por meio de uma fase transitória e utilizando a âncora cambial. Então em 1º de julho de 1994, no Governo Itamar Franco, entra em cena a nova moeda brasileira, o Real. A nova moeda serial atrelada ao dólar.

A partir dessa data, decola a candidatura de FHC. O plano atingiu seu objetivo inicial, conteve a inflação e funcionou trampolim político a FHC. Para Filgueiras (2000), podemos identificar claramente que o tempo econômico do plano real foi subordinado ao tempo político-eleitoral brasileiro em função da eleição presidencial. A inflação fora abatida de forma abrupta apenas três meses antes da eleição. O plano Real é o ponto de partida para uma inserção internacional aos moldes da administração neoliberal.

Pode ser entendido como um plano contemporâneo na medida em que implementou todos os princípios da doutrina neoliberal que sustentavam o processo de globalização em voga. Mais ainda, como já foi dito em momento anterior, a política adotada a partir de então, levou esses princípios ao limite ao abraçar as recomendações do Consenso de Washington (OLIVEIRA, 2005, p. 83)

Desse modo, o Brasil entra definitivamente no processo da globalização econômico- financeira amparado na política econômica do mercado. A partir de agora vamos nos ater ao Plano Real, eixo central da política econômica brasileira a partir de 1994.

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