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Verifica-se, no movimento de busca por reformas sociais desenvolvidas a partir do final dos anos 1870 no Paraná, uma recorrência teórica em torno de unir pedagogicamente os conteúdos das matérias ensinadas com uma prática que se efetivaria numa “Escola Modelo”, anexa à Escola Normal. Nessa escola os alunos deveriam se exercitar nos conteúdos a serem ensinados no cotidiano das escolas primárias da Província. Por essa proposta, a cadeira de Geografia do Brasil estaria separada da História do Brasil, por se entender que a cada uma caberia um método específico de ensino.

O ensino de História na Escola Normal, embora se fizesse como no Instituto, com os mesmos professores e compêndios e, por suposto, com os mesmos encaminhamentos didáticos, passa, no final da década de 1870, a visar conteúdos mais específicos aos interesses de uma formação mais adequada ao processo de ensinar vinculado às finalidades do ensino primário.

Nesse trajeto, apesar de a Escola Normal não ter sido consolidada, funcionando por curto período com poucos alunos, percebe-se a história pátria surgindo como disciplina autônoma e centro do programa de civismo no curso normal, juntamente com a Geografia que, também, passava pelo processo de ligar-se mais ao estudo da Pátria.

No entanto, a autonomia da História do Brasil, freqüentemente ameaçada pela magnitude exercida pela História Universal no curso secundário, por um longo período, foi mantida como matéria central no projeto civilizador da Escola Normal.

Em 1878, ocorreu a primeira tentativa de aumentar as matérias do curso normal, “dando-lhe caráter mais específico”, criando entre outras matérias a Pedagogia Prática. Nessa cadeira seria, segundo ponderava o inspetor de ensino: “[...] conveniente que no estudo de cada uma das demais matérias se fizesse efetiva a aplicação do método correspondente”. (Relatório do Inspetor Geral da Instrução, 1878, apud Moacyr, 1940, p.300, grifo meu).

Tal perspectiva, no entanto, não receberia o apoio financeiro necessário para sua realização, assim como a Escola Normal não funcionou por falta de alunos,

conforme indica o Relatório do Presidente da Província Carlos Augusto de Carvalho. Sugere, na tentativa de resolver o problema, a criação de um “pensionato normal” destinado às moças pobres.

Nesse pensionato serão recebidas meninas pobres que se queiram dedicar ao magisterio. A provincia encarregar-se-á, de fornecer-lhes os meios necessarios á vida e á instrução conveniente na Escola Normal. As que chegarem ao fim serão obrigadas a ensinar na provincia por certo numero de anos, e se possivel, de seus ordenados futuros serão descontados, pouco a pouco as despesas que com elas fez a provincia. (Paraná, Relatório do presidente Carlos Augusto de Carvalho, 1882, p.95). Por essa mensagem governamental, notam-se as vias de acesso que iam se abrindo para tentar resolver o problema da falta de alunos no curso normal. Os professores não deveriam mais apresentar apenas boas condutas, idoneidade moral, crença em Deus ou apadrinhamento político como era previsto no início do século, mas estarem instruídos nas verdades da ciência e serem competentes para aplicar os métodos eficazes de ensino.

Ao que parece, como os membros do círculo de letrados preferiam dirigir-se aos cursos superiores do que lecionarem nas escolas primárias, um projeto para tornar o magistério atrativo se desenhava e junto com ele as mudanças nas características de seus alunos. Às moças pobres, abria-se a oportunidade de seguir a carreira do magistério.

Enquanto se pensava na reorganização “curricular” da Escola Normal, que nos anos de 1880 retorna para o centro de debate, o Instituto tornava-se alvo de severas críticas. Consideravam as autoridades um “desrespeito às leis” o fato de não se ter, até aquela data, introduzido no programa as matérias de ciências naturais, como Física e Química, entre outras. Nesse sentido, afirmava o então presidente da Província Augusto de Carvalho em seu relatório à Assembléia Provincial em 1881, “[...] vi no Instituto paranaense o exemplo de desrespeito ás leis e aos interesses fiscais” (apud Moacyr, 1940, p.302-303), ao referir-se à necessidade de ensinar “todas as matérias exigidas nos cursos preparatórios”, para que o Instituto se ajustasse ao determinado pelo Decreto Imperial n.7247 de 19 de abril de 187917 e continuassem as vantagens dos exames gerais na Província. (Straub, 1999,p.32).

17 Esse Decreto previa a participação do Poder Central no desenvolvimento da instrução nas províncias, abrindo inclusive mesas de exames de preparatórios, entretanto era preciso: que os professores mantivessem aulas ou cursos de instrução primária ou secundária; comunicar, dentro de um mês da abertura dos mesmos, o local em que funcionariam, se receberiam alunos internos, semi-internos ou somente externos, as condições de admissão ou matrícula, programa do ensino e os professores encarregados deste; ensinar todas as matérias exigidas como preparatórios para matricula nos cursos superiores do Império, funcionar regularmente por mais de cinco anos e

Em 10 de dezembro de 1881, foi designada uma comissão para apresentar um projeto de reorganização do Instituto de Preparatórios e da Escola Normal. O trabalho da comissão, organizada em dezembro de 1881, traduziu-se no Regulamento do Instituto Normal e de Preparatórios da Província do Paraná, datado de 18 de janeiro de 1882. A mudança na nomenclatura da instituição indica a ênfase que se passava a dar ao curso normal, que era reafirmado no “capítulo Único” do Regulamento, que diz:

Fica instituída na Província do Paraná uma Escola Normal destinada ao preparo de professores de instrução primária e secundária. À mesma escola continua anexado o – Instituto Paranaense, sob a denominação comum de Instituto Normal e de

Preparatórios da Província do Paraná. (Miguel, 2000, p.254).

Desta feita, a divisão das matérias da instituição Instituto Normal e de

Preparatórios da Provincia do Paraná ficou distribuída por cadeiras e aulas práticas das matérias, tendo como preocupação central a formação pedagógica. Por isso, o curso da instituição foi dividido em primário e secundário, sendo que a cadeira de História estava prevista como: História Universal, incorporando a História do Brasil:

Primário Secundário

Portugues e religião (livre). Matemáticas, álgebra e escrituração mercantil. Geometria e desenho linear. Cosmografia, geografia geral e do Brasil.

Historia Universal e do Brasil. Elementos de

físicas naturais, de psicologia e higiene. Princípios de lavoura e horticultura. Filosofia, princípios de Direito natural, público e constitucional. Princípios de economia social e doméstica. Francês. Italiano. Latim. Inglês. Alemão. Retórica. Pedagogia: teoria e pratica aplicadas às matérias do curso, e do ensino intuitivo ou lições de coisas.

Caligrafia. Música vocal. Ginástica. Ofícios manuais para alunos. Prendas domésticas para as alunas.

Fonte: Regulamento de 1882, apud Miguel, 2000, p.254.

apresentar pelo menos 60 alunos aprovados em todas essas matérias, correndo o risco de tais instituições serem cassadas pelo Governo. (Brasil, Coleção de Leis e Decretos Imperial, 1879).

As matérias previstas no Regulamento formariam as cadeiras, associadas ou isoladas. A História Universal e do Brasil associada à Geografia Geral e do Brasil, constituíram a terceira cadeira do curso com a seguinte nomenclatura: Cosmografia, Geografia Geral e do Brasil e História Universal e do Brasil. (Miguel, 2000, p.269,270).

Duas observações são importantes a esse respeito: a primeira de que a História Universal e do Brasil, embora mantivesse autonomia em relação à Geografia, por motivos de encargos financeiros e a nova forma administrativa da instituição, ficou associada à cadeira de Geografia; o que significava, na prática, a nomeação de um lente ou professor para assumir ambas cadeiras. E a outra observação é que, além de voltar a unir-se à cadeira de Geografia, por essa proposta, volta a História do Brasil a ficar anexa à História Universal.

Aos alunos do curso de preparatórios, o regulamento resguardou a possibilidade de estudar as matérias livremente, “seguir nas matrículas a ordem em que se acham, distribuí-las ou alterá-las” (artigo 104), reafirmando, dessa forma, a manutenção das aulas avulsas. Quanto aos professores e pessoal administrativo, formariam uma “corporação comum a ambos os cursos” (art.105). À Congregação de Lentes e Professores da instituição, caberia, entre outras tarefas importantes, a adoção de compêndios e manuais escolares.

Essa mudança de ênfase no curso foi feita porque se acreditava que o Instituto, por não conseguir oferecer todas as matérias exigidas na aprovação dos exames para o ingresso nos cursos superiores, não cumpria a contento suas finalidades.

Os sacrificios que custa à provincia o Instituto Paranaense, seriam justificados, no estado actual, se esse estabelecimento estivesse em condições de satisfazer às necessidades intellectuais dos moços que o procuram, correspondendo assim aos fins para os quaes foi creado, o que seria uma remuneração das despezas que sua existencia exige dos cofres provinciais.

Infelizmente, isso não se dá, e, para só discutir o que os algarismos provam, passo às mãos de V.Ex., os dados que se seguem, que poderão servir para dar a V.Ex., uma idéa sobre o estado geral e inutilidade desse estabelecimento. (Paraná, Relatório do Diretor Geral da Instrução Pública Moyses Marcondes, 1881, p.8)

Isso provocava uma paulatina queda na freqüência dos alunos que procuravam cursar as cadeiras oferecidas no Instituto em menor prazo possível e, na seqüência, se deslocar para os centros onde havia oferta das demais cadeiras. Em 1878, o Presidente da Província já relatava esse fato:

O mappa de 1876 mostra que do anno passado dão 3,22, matriculas para cada um dos 46 individuos que as effectuaram. Mas essa média que por si mesma deixa significar um phenomeno ordinario, perfeitamente proporcional às forças de um estudante, não exprime a verdade.

O mappa de 1876 mostra que havia estudantes matriculados em 5 e 6 aulas diversas. Este facto, que não póde ser aceito sem que deixe a convicção do pouco aproveitamento a que sujeitavam-se os que assim praticam, determinou como medida de bom senso,

limitar ao rasoavelmente possivel o numero de materias que podiam ser estudadas. (Paraná, Relatório do Presidente da Província Bento de Oliveira Junior de 7 de fevereiro de 1878, p.42).

Com a extinção temporária do Instituto de Preparatórios, os professores passaram a lecionar na Escola Normal. Essa situação de acomodar todos os professores na Escola Normal possibilitou a expansão das matérias oferecidas no curso normal, embora não correspondesse ao projeto de especializar tal curso, já que os professores ofertariam aquelas mesmas matérias destinadas ao curso secundário de caráter propedêutico. Mas tal proposta também não vingou. Em setembro de 1882, o próprio Moysés Marcondes informava que a Escola Normal deixara de funcionar por falta de alunos e o Instituto de Preparatórios apresentava uma

[...] grande confusão que resulta da variedade das épocas em que as diversas matrículas foram feitas, da freqüência temporária de alguns alunos, que cedo abandonaram as aulas e da completa ausência de outros, que matricularam-se e não frequentaram, [tornando] bastante difícil, o estabelecer-se a média exata da freqüencia de cada uma das aulas. (Relatório do diretor geral da Instrução Publica de 17 de setembro de 1882, apud Straub, 1993, p.33).

A “grande confusão” a que se referiu Marcondes acima, passava a se revelar também no curso normal que, ao invés de concretizar sua especificidade, tornava-se, pela formação que os lentes e professores tinham na época, um curso de humanidades. A respeito disso afirmava o presidente provincial Brasílio Machado em 1885:

A escola normal, tal como está constituída, não preenche os fins que inspiraram a sua creação muito embora tenha passado por muitas transformações; é uma escola de retorica, nada mais; o plano em que está assento outra cousa não permite. Entretanto, a verdadeira Escola, a escola pratica, onde o candidato adquire a sua aprendizagem do mesmo modo porque vai infundir o ensino, intuitivamente, experimentalmente, essa não existe. [...] É portanto, a primeira necessidade suprimir a atual Escola levantando outra que visse mais propriedade na reforma que se inaugurar; com os normalistas teoricos não se pode aviventar o processo intuitivo, cujos princípios são desconhecidos por eles, e de cujas regras nunca souberam a aplicação. Por isso, e como primeiro passo, depois de delineado o programa de ensino, projetei a creação de uma

Escola modelo cuja pedra angular é a instrução prática e, mandei, segundo o esboço por mim organisado, levantar a planta do edificio que tanto se prestasse. (apud Moacyr, 1940, p.336-36, grifo meu).

O debate em torno das questões educacionais leva à reorganização da instrução pública em 1882. Dizia o presidente da Província que, em virtude “do estado geral da instituição” em novembro de 1882, pela Lei provincial n.712 do dia 30, autorizava a reforma do ensino público. Na ocasião, extinguiu o Instituto Normal e de Preparatórios, sob o argumento de que “para o Instituto não [havia] reforma possível” (apud Moacyr, 1940, p.307), conservando avulsa a aula de latim e línguas vivas e reorganizando a Escola Normal.

Ao que parece, embora os discursos e propostas de renovação e reestruturação dos programas da escola normal e do ensino primário estivessem borbulhando entre os políticos paranaenses, a situação em que se encontravam as práticas educativas nas instituições de ensino ainda não satisfazia as exigências governamentais da Província. Por isso, meses depois da aprovação da Lei de 1882, em 1883, tem-se novamente uma tentativa de reorganização da Escola Normal e do Instituto de Preparatórios.

2.6 Da crise ao caminho da consolidação do ensino secundário: a disciplina de