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2 A MÍDIA INDEPENDENTE NO BRASIL

2.5 O movimento independente no panorama atual

2.5.2 O pressuposto do posicionamento ideológico

As mídias representam uma forma de poder dentro da dinâmica social, por exemplo, de constituir a opinião pública e atuar como “aparelho ideológico” capaz de organizar interesses. Não é à toa que as grandes empresas de comunicação detêm o oligopólio midiático. O desejo é o de controlar os discursos e a partir disso firmar os seus valores e visões de mundo (LOBATO, 2016). Diretamente argumenta-se que o jornalismo independente rompe com o discurso de pretensa neutralidade e face “a-ideológica” pregada (embora mítica) na história do jornalismo e defendida pela mídia hegemônica (FONSECA, 2011).

Isso é facilmente percebido porque sabemos que o discurso é, por natureza, carregado de marcas ideológicas, afinal ele é produzido por sujeitos e estes são constituídos por suas ideologias. Esta afirmativa leva à conclusão, então, que o discurso jornalístico, por sua vez, apresenta ideologias segundo as organizações que o detém. Antes é importante refletir de forma breve (mas necessária) sobre o que é ideologia, termo em constante debate e associado durante

muito tempo ao errôneo, ruim, condenável e que só pertenceria a classes específicas. De pronto afirmamos que não.

Marilena Chauí (2008) traz o histórico da origem do termo que aparece pela primeira vez com o francês Destutt de Tracy, em 1801, logo após a Revolução Francesa (1789). Conforme o pensamento de Tracy, ideologia corresponderia a uma “ciência das ideias” (é o significado de origem latina do termo) atribuindo a origem do pensamento humano como algo natural da relação social e com o seu meio e que as coisas (objetos) são conhecidas através das ideias que temos delas e não elas mesmas. O pensador era antiteológico, negando, assim, a explicação de mundo através da religião e das coisas divinas. A síntese de seu pensamento é materialista, reconhecendo apenas os conhecimentos científicos como verdadeiros.

Posteriormente, ainda na França, diversos ideólogos que compartilhavam os frutos dos estudos de De Tracy foram nomeados para senadores e tribunos do Governo de Napoleão, porém essas pessoas logo perceberam as intenções exploratórias de Bonaparte e se tornaram oposição. Contrariado, naquele momento Napoleão introduz uma concepção negativa sobre ideologia em um pronunciamento datado em 1812, no Conselho de Estado, que iria perpetuar em boa parte das épocas. Chauí (2008) resgata a fala na qual Napoleão afirma que “todas as desgraças que afligem nossa boa França devem ser atribuidas à ideologia” (CHAUÍ, 2008, p. 27). Aqui o termo ideologia assumiu forte dependência política, relacionado a algo que devemos temer.

Outras personalidades ainda tentaram produzir algo mais consistente, mas ainda sim reduziam ideologia a um caráter apenas de crença. Assim foi com Augusto Comte, que reduziu o termo à simples organização de ideias. Já Emile Durkheim via a ideologia como um conhecimento da sociedade que prejudicava a objetividade científica. Este autor desejava constituir a sociologia como ciência e para que ela se tornasse como tal, deveria haver um afastamento entre o sociólogo e o objeto estudado. Para Durkheim, a verdadeira produção de conhecimento não pode contemplar um subjetivismo (que seria a ideologia para ele) nem “noções vulgares ou fantasmas que o pensador acolhe porque fazem parte de toda tradição social” (CHAUÍ, 2008, p. 32).

A visão pejorativa de ideologia se concretiza mais forte no pensamento de Karl Marx e Frederic Engels, os principais nomes do estudo no campo da sociologia. Marx e Engels relacionam ideologia à dominação, alienação e uma crença falsa, resultado da relação da divisão de trabalho (gênese do pensamento do materialismo histórico marxista). Para os autores, em “Ideologia Alemã”, a ideologia parte da divisão de classes, da força de trabalho mental que

prevalece sobre o material. Thompson (2007) faz críticas à obra de Marx, especialmente sobre a visão pessimista. Ele classificou, diante de uma revisão das principais teses sobre ideologia, dois tipos de concepções: a neutra, que compreende “as ideologias sem implicar que esses fenômenos sejam, necessariamente, enganadores e ilusórios ou ligados com os interesses de algum grupo em particular” (THOMPSON, 2007, p. 62). Esta é representada por Destutt de Tracy, Lênin, Lukács e Mannheim; e as concepções críticas, que enxergam a ideologia como negativa, representada pela concepção de Napoleão, Marx e Engels. Em conclusão, Thompson também contribui com uma formulação de conceito a partir de uma releitura de Marx, estabelecendo que ideologias são “as maneiras como o sentido, mobilizado pelas formas simbólicas, serve para estabelecer e sustentar relações de dominação” (THOMPSON, 2007, p. 79).

Mais recentemente, a pesquisa feita por Teun Van Dijk (1999) buscou dar conta de um conceito mais otimista e crítico de ideologia a partir de uma constituição multidisciplinar. As ideologias, segundo Van Dijk (1999), formam-se a partir de diferentes grupos que atribuem sentido às coisas, direcionam o pensamento e materializam em discursos. Em sua obra “Ideologia: un enfoque multidisciplinario”, há o rompimento com a ideia de que as ideologias são crenças falsas ou que escondem as relações sociais verdadeiras com a hipótese de servir para enganar os outros, e ainda, de que ideologias são crenças que apenas os outros têm, jamais nós mesmos.

Na síntese de um conceito que dê conta da complexidade que envolve o termo, o autor propõe a noção a partir de três características unidas: a sociedade, ou seja, o valor social da ideologia, de sua constituição a partir do conhecimento sociocultural; a cognição, que é de caráter mais particular do indivíduo, como sendo o processo que dá sentido às coisas na mente humana, ligado a funções como memória, aprendizagem e linguagem; e, por fim, a materialidade e reprodução da ideologia: o discurso.

Assim sendo, reconhecendo em Van Dijk (1998) um conceito mais abrangente, temos que:

As ideologias se podem definir sucintamente como a base das representações sociais compartilhadas pelos membros de um grupo. Isto significa que as ideologias permitem as pessoas, como membros de um grupo, organizar a multidão de crenças sociais acerca do que sucede, bom ou mal, correto ou incorreto, segundo eles, e atuar em consequência (VAN DIJK, 1998, p. 21, tradução nossa).

Todos somos, portanto, seres ideológicos e fazemos parte de grupos com ideologias próprias, construídas através do tempo e das sociedades. E a mídia é um espaço potencial para

a divulgação e fortalecimento das ideologias, pois ela se constitui num “lugar” onde há maior acessibilidade de formas simbólicas assim como a sua circulação para diferentes públicos (THOMPSON, 2007). Assim sendo, pode-se afirmar que os discursos veiculados por toda e qualquer mídia têm valor (e estratégia) ideológicos.

A partir das definições de discurso e ideologia, argumentamos que, no jornalismo independente, as marcas ideológicas são explícitas já no posicionamento editorial. Esse é um dos diferenciais do que vem a ser “mídia independente”: uma produção contra-hegemônica (BRAGANÇA, 2014) e alternativa (KUCINSKI, 1991) que defende “uma agenda distinta à da pauta única dos grandes meios de comunicação comerciais” (FERNANDES, 2013, p. 2) e se posiciona em diferentes eixos temáticos. Se antes o jornalismo era predominantemente carregado de ideologias das classes dominantes dentro das oligarquias midiáticas, o movimento independente levanta uma maior diversidade de ideologias ao mesmo passo que vão surgindo cada vez mais coletivos.

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