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O primeiro empreendimento musical

No documento INSTITUTO DE ARTES DEPARTAMENTO DE MÚSICA (páginas 62-64)

Estrutura do texto

CAPÍTULO 2 – BANDA DE BAILE

3) Custo da produção – Hoje em dia são comuns os grandes shows em praça pública, marcando alguma data comemorativa Aparentando serem gratuitos para a

2.3 Sebastião Rodrigues, o “Tiãozinho”

2.3.2 O primeiro empreendimento musical

Ainda em São Paulo, Tiãozinho recebeu um convite para se tornar sócio do conjunto musical Tom Maior, que era a segunda banda, em ordem de importância, do músico empresário Joãozinho. A primeira, como já comentado, era a Super Som 2000, ambas de Brasília:

Ele (Joãozinho) me telefonou perguntando se eu queria ser sócio dele em 50% na Tom Maior. Daí, como eu tava descontente com as coisas que eu via os grandes músicos passarem..., devendo aluguel..., pedindo dinheiro emprestado... , eu topei. Mas eu não tinha dinheiro pra botar..., e ele já tinha uma aparelhagem... Eu tinha que comprar metade, pra ficar certo..., 50%... Mas eu não tinha dinheiro...

Na sociedade, Tiãozinho dirigiria musicalmente a banda Tom Maior, enquanto seu sócio, Joãozinho, cuidaria da venda do serviço do conjunto. Gerber (1990) fala da importância de, em uma sociedade, os sócios firmarem um acordo claro, de preferência por escrito, das obrigações de cada um na empresa. O primeiro acordo financeiro entre os dois dizia que Tiãozinho iria pagar Joãozinho aos poucos, com o que fosse ganhando na banda. Contudo, recebendo cachês que giravam em torno de cem a cento e cinquenta reais, Tiãozinho percebeu que demoraria muito para que conseguisse quitar sua dívida. Nesse meio tempo, com seis ou sete meses de convivência, percebeu que, por mais se esforçasse em seu trabalho, nunca a banda Tom Maior chegaria ao mesmo patamar de importância que a Super Som 2000, tendo Joãozinho como sócio, pois o mesmo não abria mão de ter esta banda como a mais significativa.

Nessa época, Tiãozinho lembra que se orgulhava de ser um músico que:

“Iniciava a vida” já com uma casa própria, financiada pelo BNH . 38 39

Naquela época tinha saído uma lei..., uma norma..., determinação..., sei lá, que reconhecia o músico como trabalhador . Com isso eu era muito amigo 40

do gerente do banco, e ele conseguiu o financiamento da casa pra mim. Era uma casa da X Norte .41

Expressão que significa contrair núpcias, se casar.

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O Banco Nacional da Habitação (BNH) era um banco voltado ao financiamento e à produção de

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empreendimentos imobiliários, nos mesmos moldes da atual Caixa Econômica Federal. Para reflexões sobre o questionamento de a música ser, ou não, profissão, ver Coli (2008).

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Endereço na cidade satélite de Taguatinga, em Brasília.

Voltando à questão da sociedade com Joãozinho, considerando as circunstâncias em que o entrevistado se encontrava: recebendo pouco, tendo sua liberdade de gestão limitada pelo sócio, sem perspectiva de crescimento econômico, e considerando-se, como ele próprio afirmou, o “provedor da família”, via-se obrigado a modificar o rumo dos acontecimentos:

Eu não ligo em ser o segundo lugar..., de ser o terceiro, o quarto, ou o quinto lugar. Mas deixe que a vida decida isso, e não alguém. Com o Joãozinho eu via que nunca deixaria de ser o segundo lugar. E foi aí que eu decidi romper a sociedade (...). No começo ele não quis, e se propôs a aumentar minha cota. Aí eu disse que, mesmo que ele me desse 105%, eu não queria ser mais sócio dele.

Nesse momento da vida Tiãozinho teve a ideia de pegar um financiamento no banco, para comprar toda a banda Tom Maior de seu sócio: “Eu pensei... pensei... e acabei chegando à conclusão que essa era a única saída. Eu tinha que hipotecar minha casa... não tinha outra saída”.

É interessante notar que a casa, a que ele se refere, era seu único bem de valor significativo e que, nessa época, além de ser casado, já era pai de uma filha, e que colocou o imóvel como garantia, para comprar aparelhos de som e luz, o que, para muitos, pode representar uma atitude insana. Essa ação se enquadra bem na definição de empreendedor, trazida por Gartner (1990), conceituando-o como alguém além do mundo dos negócios: pessoas que, mesmo sem fundarem suas empresas, ou iniciarem seus próprios negócios, estão preocupadas e focadas em assumir riscos e inovar continuamente.

Quanto ao papel de sua esposa, na decisão de hipotecar a casa, ele lembra: “Eu comuniquei ela (ex-mulher) ... Ela sabia... Mas não tinha o que fazer... Só tinha aquele caminho”. A aparente “passividade” de sua ex-mulher, quanto a não influenciar negativamente sua decisão, vai ao encontro das ideias de Hochschild (1983; 1989; 1997; 2008) ao analisar como as mulheres administram suas emoções, quais os custos e benefícios de fazer isso em público e na vida privada.

Assim, o trabalho emocional de apoio ao ex-marido, realizado por Valma, que aparentava não dispor de meios objetivos, ou capacidade, para auxiliá-lo em decisões como aquela (hipotecar a casa), foi de tal forma profundo, que não consistia em uma representação, mas em um habitus, ou seja, aquilo que se tornou carne (BORDIEU, 1983). Hochschild (1983), analisando o comportamento de aeromoças americanas, mostra como elas expropriam

emoções profundas da vida privada e utilizam-nas em sua atividade de trabalho. Contudo, contrapondo as ideias de Goffman (1988), para o qual a separação entre o “eu” e “meus sentimentos” ocorre na superfície (nas expressões do corpo), no trabalho das emoções, definido por Hochschild (1983), a separação dá-se na profundidade, no esforço de sentir, de treinar-se para isso, e de mostrar esse sentimento.

Giddens (1993), analisando as negociações emocionais feitas por homens e mulheres, mostra o contraste que existe entre razão e emoção, e que esta é normalmente associada à mulher, enquanto aquela, ao homem. Da mesma forma, o papel de manutenção material doméstica é normalmente atribuído ao homem, enquanto que para a mulher está reservada a condição de gestora emocional do lar. Tais ideias representam bem o papel de provedor material ao qual Tiãozinho se atribuía dentro da família:

No início do casamento a Valma (ex-mulher) trabalhava. Ela era professora primária. Mas o que ela ganhava era só pra ela, pra comprar suas coisas. Eu era o provedor da casa. A sua (referindo-se a mim) geração é diferente da minha. Você não precisa mais ser o único que tem que prover.

Quanto ao empréstimo feito no banco, Tiãozinho lembra com orgulho que realizou sua quitação muito antes do tempo previsto:

Eu hipotequei pra pagar em quinze anos..., e quitei em um ano e seis meses. O banco ficou meio sem compreender isso... (risos) O banco não compreendeu, quero dizer, burocraticamente. Porque fazer as contas e tal..., ver os juros que seriam abatidos..., dá um pouco de trabalho pra eles, né? Esse acontecimento certamente reforçou seu ímpeto empreendedorístico, motivando-o a assumir novos riscos.

No documento INSTITUTO DE ARTES DEPARTAMENTO DE MÚSICA (páginas 62-64)