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5. AS MULHERES E OS DIREITOS HUMANOS

5.2 A Constituição Federal de 1988 e sua Proteção dada às Mulheres

5.2.1 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Na Antigüidade Clássica, a dignidade da pessoa humana relacionava-se, em regra, com a posição ocupada pelo indivíduo na comunidade, podendo haver indivíduos mais dignos ou menos dignos que outros.

Em Roma, sob a influência das formulações de Cícero (SARLET, 2006), a dignidade era a qualidade que, inerente ao ser humano, o diferenciava dos demais seres. Assim, todos os seres humanos eram dotados da mesma dignidade, estando esta intimamente ligada à noção de liberdade pessoal de cada indivíduo.

No período medieval, a concepção acima descrita continuou sendo seguida. Entretanto, Tomás de Aquino sustentou que a dignidade encontra seu fundamento na circunstância de que o ser humano foi feito à imagem e semelhança de Deus.

Na final do século XVIII, sob a influência das idéias iluministas, a concepção de dignidade da pessoa humana passa por uma racionalização, sendo mantida a noção fundamental da igualdade de todos os homens em dignidade e liberdade.

Neste período, Kant assinalou que a autonomia da vontade, concebida como a faculdade de determinar a si mesmo e a agir em conformidade com a representação de certas leis, é um atributo encontrado apenas nos seres racionais, constituindo-se no fundamento da dignidade da pessoa humana.

Segundo Kant,

“O Homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como um fim”. (KANT, 2002 apud SARLET, 2006, p. 33).

Demonstrado está que Kant quis desmitificar o homem, considerando-o como um fim em si mesmo, não podendo ser comparado a um objeto ou instrumento. Há quem diga, porém, que a dignidade da pessoa humana é uma característica inerente ao homem. Há, ainda, os que dizem que a dignidade da pessoa humana também guarda um sentido cultural, sendo produto do trabalho de diversas gerações e da humanidade em seu todo, acreditando que as dimensões natural e cultural se complementam e interagem mutuamente.

Sarlet (2006, p. 46) registrou decisão do Tribunal Constitucional de Portugal, reveladora da dimensão histórico-cultural da dignidade da pessoa humana. Vejamos:

“A idéia de dignidade da pessoa humana, no seu conteúdo concreto – nas exigências ou corolários em que se desmultiplica – não é algo puramente apriorístico, mas que necessariamente tem de concretizar-se histórico- culturalmente.”

Sarlet (2006, p. 47), discorre, com clareza, a dupla dimensão da dignidade da pessoa humana:

“[...] poder-se-á afirmar que, na condição de limite da atividade dos poderes

públicos, a dignidade necessariamente é algo que pertence a cada um e que não pode ser perdido ou alienado, porquanto, deixando de existir, não haveria mais limite a ser respeitado (este sendo considerado o elemento fixo e imutável da dignidade). Como tarefa (prestação) imposta ao Estado, a dignidade da pessoa reclama que este guie as suas ações tanto no sentido de preservar a dignidade existente, quanto objetivando a promoção da dignidade, especialmente criando condições que possibilitem o pleno exercício e fruição da dignidade, sendo portanto dependente (a dignidade) da ordem comunitária, já que é de se perquirir até que ponto é possível ao indivíduo realizar, ele próprio, parcial ou totalmente, suas necessidades

existenciais básicas ou se necessita, para tanto, do concurso do Estado ou da comunidade (esta seria, portanto, o elemento mutável da dignidade).”

Nessa ordem de idéias, parte-se do pressuposto de que o homem, em virtude apenas de sua condição humana e independentemente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser respeitados por seus semelhantes e pelo Estado, ao mesmo tempo em que também se torna responsável pela proteção e promoção da dignidade de toda e qualquer pessoa humana.

A dignidade da pessoa humana tratada como princípio matriz do direito contemporâneo só ocorreu no século XX, com influência no mundo Pós-Guerra, ocasião em que se fez presente a percepção da necessidade da criação de mecanismo jurídico que obstasse semelhante evento.

A Carta das Nações Unidas (1945) trouxe, em seu preâmbulo, referência à dignidade da pessoa humana:

“Nós, os povos das Nações Unidas, resolvidos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade dos direitos dos homens e das mulheres, assim como nas nações grandes e pequenas [...].”

No âmbito normativo internacional, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, ratificada por diversos países, consigna em seu art.1º, de forma explícita que:

“Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito e fraternidade”.

A dignidade da pessoa humana foi adotada como valor supremo, estando na origem de todos os direitos fundamentais.

No âmbito do Direito interno brasileiro, o artigo 1º da Constituição Federal de 1988 traz como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, elevando tal fundamento a um valor de supremacia na ordem jurídica.

A Constituição Federal de 1988 foi a primeira, na história do constitucionalismo pátrio, a dispor de um título próprio destinado aos princípios fundamentais.

Situado na parte inaugural do texto, logo após o preâmbulo e antes dos direitos fundamentais, o Constituinte, de forma clara e inequívoca, outorgou-lhes a qualidade de normas embasadoras e informativas de toda a ordem jurídico- constitucional.

Nota-se que o legislador não se preocupou apenas em positivar este valor, atribuindo à dignidade da pessoa humana plena normatividade que é projetada em todo o sistema jurídico instituído. Em vários artigos da Constituição Federal é encontrado o princípio da dignidade da pessoa humana norteando as normas constitucionais.

A importância dada à dignidade da pessoa humana nos ordenamentos jurídicos mundiais se dá pelo fato de todo Estado-Nação ser formado por seres humanos que necessitam de proteção. O Estado, portanto, tem quem o sirva, devendo, em contrapartida, fornecer as condições materiais mínimas para que as pessoas vivam com dignidade, ou seja, com certa qualidade de vida, com respeito, igualdade de oportunidades, segurança jurídica, dentre outros.

A dignidade da pessoa humana possui um conceito amplo, caracterizando a doutrina como indeterminado, cabendo, portanto, ao intérprete, por meio de recursos hermenêuticos, a construção de tal conceito.

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