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O princípio do século XIX: presença italiana em Portugal

Como temos visto, a passagem entre os dois séculos (nos dois reinos e, num plano geral, nas duas penínsulas) é caracterizada pela crescente pressão e influência da nova potência francesa: ―nova‖ porque surgida no resgate ao absolutismo que continua sem particulares abalos em Portugal, enquanto Nápoles tem de se medir com o semestre revolucionário e republicano, embora ultrapassado e neutralizado com brutal repressão. A crescente influência ideológica e política da França – encaminhada em direcção ao cesarismo napoleónico – transforma-se em breve prazo numa invasão/ocupação territorial que transtorna as duas realidades. Mas enquanto em Portugal a baloiçante dominação francesa adquire os limites de uma dimensão de conflito, que torna o país teatro de choque entre potências, no sul da península itálica essa institucionaliza-se, traduzindo-se numa entidade estadual fiel (até certa altura) ao império central. Enquanto em Lisboa há generais franceses que se sucedem de acordo com os malogros da dominação militar, em Nápoles há um rei,240 Joachim Murat, que embora homem de estrita confiança napoleónica não recua perante a possibilidade de definir uma própria autonomia do reino perante Paris, usufruindo sobretudo das dificuldades enfrentadas por Napoleão a partir de 1812.

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Para um aprofundamento desta figura e da questão da correspondência cultural, veja-se SANTOS,Teresa e PEREIRA,Sara Marques, op. cit.; MACCIOCCHI, Maria Antonietta, Querida Leonor. Paixão e morte de Leonor da Fonseca Pimentel na revolução napolitana, Lisboa,Caminho, 1995.

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Após a tentativa de 1799, a França alcança a conquista do reino de Nápoles em 1806, em consequência da campanha militar chefiada pelo general Massena; que, como é sabido, passará poucos anos mais tarde pela península ibérica para organizar e conduzir a terceira invasão de Portugal, em grave dificuldade devido aos malogros do general Junot. Numa primeira fase (1806-1808) é nomeado rei José Bonaparte; após a passagem deste por Espanha chega ao trono napolitano Gioacchino Murat, homem muito próximo do Imperador, por razões militares e porque marido da sua irmã Carolina.

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Além disso, nesta fase podemos apontar para algumas semelhanças e dissemelhanças entre as duas realidades: as primeiras concentram-se particularmente na ausência do centro de poder tradicional, ou seja, as duas coroas e os dois reis, ambos protagonistas de fugas face à invasão territorial francesa. Dom João VI desloca toda a corte para o Rio de Janeiro, enquanto Fernando IV escapa no seu refúgio siciliano (o domínio francês do reino, após vencida a resistência legitimista, fixa o seu limite geográfico no continente, não indo além da ―ponta da bota‖). As segundas podem encontrar-se nos disformes efeitos produzidos pela presença das famílias reais em territórios que, no contexto dos domínios régios, desempenham um papel de entidade controlada (embora com diferente função económica e dentro de um horizonte geopolítico distinto): no Brasil a presença do rei alimenta esperanças de crescimento do papel político-económico em relação à metrópole e internamente ao sistema imperial (como ocorre rapidamente), a que se acompanha o sempre maior agrado do próprio soberano, apesar da inicial desconfiança dos autóctones perante a abundante corte, vista como adorno redundante e improdutivo; na Sicília a recepção da corte real assume outros sentidos, marcados por maior frieza e ditados pelo secular afastamento da ilha do poder central. A histórica conflitualidade com a capital pelo reconhecimento da autonomia tem o seu surto na presença do rei, eclodindo em 1812 com a proclamação de uma efémera constituição sob égide inglesa. É este o primeiro acontecimento oitocentista da ―inconfidência‖ siciliana, que será dificilmente controlada até à desagregação do estado borbónico, e que nem a adopção (a partir de Dezembro de 1816) da antiga denominação de ―reino das Duas Sicílias‖ – uma operação similar à do Bragança, aquando da transformação da denominação dos domínios em Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815) – conseguirá acalmar.

Semelhante será o destino dos dois países no Congresso de Viena, onde ambos não desempenham um papel principal, assistindo à limitação do seu estatuto político e diplomático; apesar da opinião de Eduardo Brazão, diplomático e estudioso das relações luso-italianas, que viu no Congresso um triunfo para Portugal, os factos demonstram que houve uma diminuição da representação dos dois países no interior do novo ―concerto‖ europeu.241 Como escreveu Giuseppe Galasso, «se ci fu un momento in cui la

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«A nossa participação em Viena constituiu um triunfo para Portugal, devido em grande parte ao primeiro plenipotenciário, Conde de Palmela. Precisamos de ter presente a nossa desgraçada posição durante todo o período napoleónico e de nos recordarmos da situação das pequenas nações no Congresso de Viena, para podermos então perceber o alto interesse que para nós teve o pouco que alcançamos» (BRAZÃO, Eduardo,

Relance da história diplomática de Portugal, Porto, Livraria Civilização, 1940, p. 208). Entre as várias medidas adoptadas, Portugal teve de restituir à França os territórios do Guyana, ocupados precedentemente

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consapevolezza dell‘effettiva, modesta dimensione del Regno nel quadro delle potenze europee fu più direttamente segnata, gli anni dal 1815 furono indubbiamente questo momento».242Ambos os países vêm a encontrar-se sob a curadoria da Quádrupla Aliança (1815), que é um acordo de apoio e segurança voltado para atutoria da política interna, e que define assim uma condição de dependência externa, mais ou menos (Duas Sicílias) acentuada, por duas poderosas potências europeias (Inglaterra e Áustria); circunstância agravada pela presença de tropas daqueles países nos respectivos territórios nacionais. Esta situação facilita o primeiro desenvolvimento de um sentimento complexo de ―decadência‖, depressa elevado a tema de discussão política, que traça a «horizontalidade» entre as duas realidades até 1820: Valentim Alexandre evidencia as causas da dependência externa, da perda de estatuto internacional e da subordinação ao Brasil no caso lusitano.243 No caso napolitano, a uma – como já dissemos – semelhante influência estrangeira nos negócios internos, que constringe o reino à cunha dos interesses anglo-austríacos,244 junta-se a instabilidade do equilíbrio político entre o território continental (onde é tangível o fervor de uma classe militar em grande parte formada nos exércitos napoleónicos) e a Sicília, pelas citadas questões do independentismo.

No que diz respeito às relações régias entre os dois reinos, durante o período que vai até 1819 emolduram-se no quadro geral das relações entre a península italiana e Portugal: ou seja, caracterizam-se como fundamentalmente episódicas.245 A relação política entre os reinos desenvolve-se de maneira fraca, através de esporádicos contactos entre as chancelarias, e brandas relações epistolares entre as casas reinantes, apesar da parentela que existe entre as duas linhagens.246 No âmbito da actividade diplomática, nesta altura Nápoles podia contar com uma rede consular bastante desenvolvida em território lusitano, enquanto do lado português a estrutura dos presídios no sul da península italiana se

com o concurso das tropas britânicas (1809); pelo contrário, não se conseguiu ver reconhecida a restituição da cidade de Olivença, ocupada pelos espanhóis no decorrer da Guerra das Laranjas (1801).

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GALASSO, Giuseppe, Storia del Regno di Napoli, 6 vols., vol. V, Torino, Utet, 2007, p. 148. 243

Cf. ALEXANDRE, Valentim, Os sentidos do império. Questão nacional e questão colonial na crise do

Antigo Regime português, Porto, Edições Afrontamento, 1992, pp. 411-412. 244

Com o processo de restauração política no continente, os interesses austríacos na península italiana tornam-se proeminentes, sobretudo do ponto de vista geopolítico. Perante o reino das Duas Sicílias, é porém a Inglaterra a afirmar um interesse – melhor seria dizer, um controle – de natureza comercial, através do tratado concluído com o governo napolitano em 1816, que recuperava antigos privilégios aduaneiros britânicos, cancelados no período de controlo francês da península (cf. GALASSO, Giuseppe, op. cit., p. 154- 156).

245

Cf. BRON,Grégoire, op. cit., t. I, p. 109.

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A esposa de Dom João VI, Carlota Joaquina de Espanha, era irmã da mulher do Príncipe de Noto, Francisco, filho de Fernando I e futuro (1825) rei das Duas Sicílias.

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apresenta fraca, dispersa.247 Nesta fase (1815-1820), que a historiografia napolitana designa por ―Quinquenio‖, denotada por particular complexidade do seu desenvolvimento histórico,248 prevalece a ausência de interesses imediatos nos respetivos territórios.

Porém, apesar destas fraquezas e esporadicidade, no plano económico é possível encontrar mais de uma correspondência no contexto geral das relações entre as penínsulas Ibérica e Itálica. Nos inícios do século verifica-se uma troca comercial sensível entre Portugal e a Itália, com uma balança comercial claramente em vantagem para o país lusitano: aquando da estreia da nova centúria, a situação do comércio português com o estrangeiro vê, em valores absolutos, 34.325.449,906 Réis (Rs.) de exportações portuguesas para Itália, face a um valor total das importações igual a 15.975.526,668 Rs. (período 1796-1807).249

A ocupação francesa e a transformação do país num campus belli desenha um panorama assolador, de que o papel político e económico de Portugal sai substancialmente mutilado; de facto, no fim da guerra europeia ao país é restituída uma posição praticamente invertida em relação àquela do período antecedente à ocupação. Fernando de Figueiredo dá-nos um quadro geral esclarecedor desta situação subvertida:

«nas vésperas da revolução de 1820, as importações portuguesas provinham sobretudo da Inglaterra e, a larga distância, da Itália e Espanha, seguindo-se outros países e regiões do Centro e Norte da Europa, com reduzida expressão [...] As exportações dirigiam-se também para a Inglaterra, mas em grau bem menor: sensivelmente metade das importações. Seguiam-se, com algum significado, a Espanha, a Itália e Hamburgo, para onde se mandavam sobretudo produtos coloniais [...] a situação do comércio externo português pode entre 1800 e 1830 pôde ser classificada de verdadeiro ―colapso‖».250

Como se pode observar, a península Itálica tem um papel não secundário enquanto parceiro comercial de Portugal. Isto é, apesar das dificuldades da situação contingente, e no processo de normalização do quadro europeu pós 1815, assiste-se a uma (previsível) retomada do desenvolvimento da relação comercial luso-italiana: é neste contexto que se insere a tentativa napolitana de construir novas e mais apertadas relações com a coroa de

247

Infra, anexo I. 248

GALASSO, Giuseppe, op. cit., p. 165. 249

NOVAIS, Fernando A., Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1807), São Paulo,Hucitec, 1981, pp. 348-349; apud Joaquim Veríssimo Serrão, op. cit.,p. 429.

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FIGUEIREDO, Fernando de, «Os vectores económico-financeiros», em Joel Serrão, António H. de Oliveira Marques (coords.), op. cit., p. 135.

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Bragança, ditadas pelo interesse em se abrir o próprio caminho no mercado brasileiro, coincidente de um lado com a fase de investimento e ampliação, pelo governo napolitano, da frota comercial nacional; e, do outro, com o crónico défice da balança comercial portuguesa que, a partir de 1810, afecta o circuito económico do sistema imperial.251

Em 1822, com a publicação de duas célebres obras estatísticas – e não só – sobre Portugal,o geógrafo veneziano Adriano Balbi (autor de duas obras de estadística pluridisciplinar sobre Portugal: o Essai statistique sur le Royaume de Portugal et d’Algarve e as Variétés politiques et statistiques de la monarchie portugaise)fornecia um primeiro quadro do estado do comércio entre Portugal e Itália na altura em que realiza a sua investigação. Na sua obra salienta-se como Génova seja – no que diz respeito à Península Itálica – o primeiro parceiro comercial dos portos do reino, principal praça com que se desenvolve o maior tráfego de mercadorias, seguida por Veneza, Nápoles e Liorne. Veneza representa o ponto de mediação comercial com a Turquia (cuja balança comercial estava em défice, e da qual Portugal importava grande quantidades de trigo). Balbi sublinha que a balança comercial de Portugal para em relação aos portos italianos está nesta época geralmente em activo, «excepté dans les années de guerre 1809, 1810, 1811 et 1813, et les deux de paix 1818 et 1819 dans lesquelles elle fut contre lui, à cause de la grande quantité de grains importes». Génova é exportadora de soja, papel, cores minerais, álcool, ácidos, enquanto o reino de Portugal exporta para a cidade lígure tabaco, açúcar, algodão, cacau, peles, anil, canela e café. De Veneza importam-se feijão, maís, linho, vidro e vidrilhos, metal, drogas medicinais, que são trocadas com os mesmos produtos, acrescentando marfim e pau-Brasil (bois-brésil). Enfim, do sul de Itália o reino português recebe pequenas quantidades de cevada, trigo e feijão, em troca de produtos coloniais.252

Com o conforto do material documental, podemos confirmar o quadro analítico de Balbi, acrescentando alguns dados mais pormenorizados. Por exemplo, evidencia-se o facto de que as importações/exportações de e para Itália se realizam principalmente com os portos de Lisboa, Porto, Setúbal e vários portos algarvios, sobretudo Portimão e Vila Real de Santo António.253 Relativamente aos navios que entram (nos) e saem dos portos portugueses, há nesta época um tráfego intenso nas rotas luso-italianas dirigidas para o norte da península; além de Génova, porto de destino principal, dos portos de Lisboa

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Alguns dados sistematizados sobre a balança comercial portuguesa no período 1809-1819 são fornecidos em valores de cruzados por Vitorino Magalhães Godinho em Prix et monnaies au Portugal, Paris, Éditions Jean Touzout, 1955. p.273. Sua fonte é a obra de Adriano Balbi, Essai statistique sur e Royaume de Portugal et d’Algarve, t. I, Paris, Rey et Gravier, 1822, p. 441 (infra, anexo III).

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BALBI, Adriano, Variétés politiques et statistiques de la monarchie portugaise, pp. 40-42. 253

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regista-se particular saída de mercadorias para os de Trieste e Veneza (duas cidades que, na altura, se encontram em território de dominação austríaca).254 Os outros portos italianos (a que se referem os dados presentes no anexo III) que se relacionam comercialmente com os portugueses, além dos de Nápoles e de Liorne (citados por Balbi) são os de Civitavecchia e Palermo. Em 1819, frente aos 25 navios napolitanos que entram no porto de Lisboa, saem 28; no ano seguinte terá passado, respectivamente, a 10 e 12;255a redução sensível do número deve ser situada na queda geral do comércio marítimo, cuja recuperação será uma das preocupações do iminente governo vintista.256

O produto italiano de maior importação em Portugal é certamente o trigo; factor, este, que é também sinal de evidência da crise estrutural do sistema económico imperial luso- brasileiro na altura, que também se manifesta naqueles anos através da invasão do mercado interno por cereais a baixo preço vindos da zona mediterrânea; circunstância que empurra os produtores nacionais para a mais profunda crise, pondo assim as premissas da intervenção directa desta camada social nas questões do país, que se realizará a curto prazo.257 Por exemplo, no ano de 1819 importam-se no porto de Setúbal 76.200 alqueires de trigo, para um valor de 30.800,000 Rs.258 Mas há importação de mercadoria variada: por exemplo, e sempre no mesmo ano, nos portos do Algarve importam-se da península Itálica maçãs, arroz, trigo, milhos e remos de faia, para um valor de 4.569,000 Rs. O centro italiano de referência para os portos algarvios era a cidade de Génova, o que testemunha mais uma vez a importância da colónia genovesa presente desde há séculos naquela região (e que voltará a reaparecer mais à frente no presente estudo), embora os números relativos às supramencionadas importações resultem bastantes contidos.

No que diz respeito ao porto de Lisboa, em 1819 importavam-se de Itália 1.875.158 alqueires de trigo, para um valor total de 750.063,200 Rs. Mas a capital, devido ao seu estatuto de cidade principal, centro do comércio nacional e sede da corte real, assistia à chegada de produtos típicos da produção alimentícia italiana, como as massas secas e os queijos. Por exemplo, em 1819 no porto da cidade descarregam-se 1693 arrobas de

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ANTT. Junta do Comércio. «Mapa das cargas de navios entrados em Lisboa e Porto», mç. 312 (cx. 622). Há aqui um esclarecimento por fazer: enquanto Veneza é uma cidade de aclarada cultura italiana, o mesmo não se podia dizer nesta época da de Trieste; contudo, todos os documentos oficiais que dizem respeito ao porto desta cidade são escritos em língua italiana.

255

SANTOS, Fernando Piteira, Geografia e economia da revolução de 1820, 2ª ed., Mira Sintra-Mem Martins, Europa-América, 1975, p. 173. Infra anexo IV.

256

Ivi, p. 135. 257

ALEXANDRE, Valentim, op. cit., p. 445. 258

ANTT. Junta do Comércio. «Primeiros e segundos resumos da América, Ilhas, África, Ásia e nações estrangeiras», mç.301 (cx.603). Na documentação consultada não existem, infelizmente, registos de exportações do porto de Setúbal para Itália.

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massas, para um valor de 2.708,800 Rs., a que se seguem 1.890,555 Rs. de queijo parmesão (28 unidades, 27 caixas, 6 caixotes).259 Estes elementos da cultura gastronómica peninsular estarão ligados às dinâmicas da comunidade italiana durante o triénio liberal, por uma questão de interesses comerciais ligados à subida das taxas alfandegárias, como veremos mais adiante. Enfim, no ano de 1819 os valores totais das importações/exportações de e para Itália são iguais a 2.165.976,459 Rs. para as mercadorias compradas, 11.291.405,295 Rs. para as vendidas, sendo grande parte (mais de 50%) desta última constituída por produtos vindos do Brasil.260

Aliás, se compararmos o dado anual de 1819 ao do período 1796-1807 (acima referido), considerando também a inflação de longa duração dos preços261 que acompanhou a crise económica portuguesa a partir da saída da corte real para o Brasil, podemos ver como, em proporção, a média anual das exportações para a península Itálica (igual à dos doze anos que precederam as invasões francesas) tinha crescido de maneira exponencial, chegando a quadruplicar; enquanto a das exportações (igual a 1.331.293 Rs. no mesmo período) tinha substancialmente duplicado.

Acabámos de referir a variedade dos produtos que concernem a importação de mercadoria italiana em Portugal. Porém, para definir um quadro mais completo, podemos fazer referência aos dados emergentes da nossa investigação, e que dizem respeito às exportações/importações relativas ao período de 1819-1821. Como temos vindo a dizer – repetita iuvant –entre as mercadorias que saem dos portos portugueses primam as brasileiras, tais como o algodão do Maranhão, açúcar do Rio, da Bahia e de Pernambuco, açúcar mascavado, couros, couros atanados, café, cacau, goma elástica, tabaco e pontas de bois; as manufacturas portuguesas limitam-se aos algodões, aos couros atanados e aos vinhos de embarque.262 Os principais produtos italianos que entram em Portugal entre 1819 e 1821 são, obviamente, os víveres: sêmolas, favas, centeio, cevada, milho, trigo, massas secas (aletria);263 mercadorias que se inserem na especificidade da procura

259

ANTT. Junta do Comércio. «Resumos de importação e exportação de Portugal. Primeiros e segundos resumos da América, Ilhas, África, Ásia e nações estrangeiras», mç.301 (cx.603).

260

Para o papel do comércio brasileiro no âmbito da economia portuguesa no período 1815-1820, veja-se RUIZ, Joaquín de Moral, «A independência brasileira e a sua repercussão no Portugal da época [1818- 1834]», Análise Social, vol. XVI (4º), n.64 (1980), Lisboa, ICS-UL, pp. 779-795.

261

« La montée en flèche des prix agricoles, dernier chant du cygne avant la baisse de longue durée, traduit la disette et la gêne angoissante, nullement la prospérité [...] La baisse de longue durée des prix s'amorce au cours même des invasions françaises, quand il y a une forte poussée de fièvre cyclique. Les guerres et l'occupation étrangère n'ont donc fait peut-être que retarder un tout petit peu un processus déjà en marche et l'aggraver» (GODINHO, Vitorino Magalhães, op. cit., pp. 276-277).

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Infra,anexo III. 263

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interna, condicionada pelo atraso agrícola que determina uma sistemática penúria de produtos cerealíferos e agroalimentares em geral.264 Mas a procura de produtos mais específicos, como toucinho, salame, queijo parmesão (quer em Lisboa, quer no Porto) faz-nos pensar que a introdução destes elementos no mercado nacional, no contexto geral do consumo interno do país, responde a uma procura específica por parte da relevante comunidade de origem italiana sediada no território; referindo-se ainda, como é óbvio e como já sublinhámos, aos hábitos mais requintados de uma restrita elite nacional, e da própria casa real, como confirmam os livros de receitas dos cozinheiros reais.265

Outro dado interessante que caracteriza os primeiros vinte anos das relações luso- italianas em Oitocentos é relativo à emigração a partir da península Itálica para o país lusitano, que continua a realizar-se não obstante a guerra e a situação económica

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