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Para uma sociologia histórica (década de Vinte):

Para uma ideia mais definida da presença italiana em Lisboa – e do seu impacto no tecido sócio-económico – nos anos Vinte do século XIX, é preciso avançar com a definição de uma ―geografia dos italianos‖ na cidade. Com o auxílio dos anexos VIII e IX, procederemos à reconstrução das pegadas italianas na área urbana da capital, tendo como paradigma de referência a terceira década da centúria. Isto porque se tratade um decénio fundamental no desenvolvimento das práticas políticas em Portugal, que envolvem e atravessam os seus espaços sociais. Ao mesmo tempo, o contexto sócio- político nacional acolhe o fluxo do exílio liberal, particularmente o espanhol e o italiano; este último, que encontra as suas razões nos primeiros eventos do Risorgimento nacional, tem como lugar de relevo a cidade de Lisboa – como tem evidenciado Grégoire Bron no seu trabalho – onde vivia uma numerosa comunidade de origem italiana. A própria comunidade procedente da Península Itálica (juntamente com a dimensão de luso- italianidade que analisámos, embora parcialmente, na secção anterior) constitui o conjunto que em alguns casos acolhe temporariamente, e noutros integra, parte daqueles exilados. Graças a esta interacção, a comunidade italiana em Lisboa torna-se assim um dos proscénios internacionais do desenvolvimento do ―enredo da pátria‖, da nação em (Almanak da cidade do Porto para o anno de 1845, pp. 105-107). Esta situação não parece sofrer modificações em 1850: os agentes consulares permanecem estrangeiros, e não há nenhuma referência a negociantes (com excepção de Giovanni Maria Gaetano Cogorno, considerado agora entre os negociantes nacionais), nem a actores e membros da companhia teatral (Almanak da cidade do Porto e Vila Nova de Gaya para o anno de 1850, Porto, na Typographia de Faria Guimarães, pp. 129-131).

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itinere (como veremos mais adiante nas crónicas e memórias de alguns exilados presentes em Lisboa naquele anos). Isto é, os italianos que chegam à capital portuguesa por razões políticas têm referências na comunidade residente. Por motivações de carácter histórico e cultural, esta movimenta-se, na sua maioria, em torno da Igreja do Loreto. Porém, existem grupos de liberais maçons não ligados à instituição religiosa, e que por isso são vigiados pelas autoridades vaticanas (como se verá de seguida).

Naqueles anos de agitação social e política, as necessidades de segurança pública induzem a procura e constituição de elencos de estrangeiros residentes. A partir de 1822, e após uma primeira fase de abertura e acolhimento dos exilados políticos que chegam a Portugal, é o próprio governo vintista a exigir à polícia um maior controlo das entradas e saídas de estrangeiros no país, devido ao grande número de presenças naquela altura. Trata-se de uma preocupação ligada também à possível entrada de agentes da contra- revolução, que podiam criar problemas de carácter social e político. Estes problemas começam a manifestar-se entre a população portuguesa e estrangeira, influenciando a situação social e económica. Com efeito, parece que naqueles anos existem contrastes em relação à ocupação de empregos por parte dos estrangeiros; tal dinâmica reproduzir-se-á novamente durante o período de governação miguelista – como veremos mais adiante – quando o paradigma do ―estrangeiro liberal‖ volta a afirmar-se e a ser utilizado para golpear figuras que desenvolvem tarefas particulares (sobretudo no âmbito comercial). Além disso, é plausível que uma maior circulação de estrangeiros no reino naqueles anos – devido à situação política na Península Ibérica e ao fenómeno do exílio político – possa ter sido vivida com sofrimento pela população residente; uma dinâmica que se volta a propor amiúde nos grupos sociais, quando acolhem um crescimento de fluxos imigratórios no seu interior. Esse mal-estar pode ter sido instigado para criar desordens e dificultar a governação do país aos liberais, assim como para orientar as actividades das Cortes no sentido de uma legislação mais limitativa para com mobilidade pessoal.

Uma evidência desta situação problemática encontra-se nas informações que o delegado apostólico da Santa Sé em Portugal – onde, após a revolução liberal e a morte do núncio apostólico no Rio de Janeiro, monsenhor Giovan Francesco Compagnoni Marefoschi, não tinha sido nomeado o novo encarregado, com um abrandamento das relações diplomáticas – monsenhor Giuseppe Cherubini (já juiz auditor em Lisboa desde 1818)426

fornece à

426

Cf. FARIA, Ana Mouta, Os liberais na entrada de Damasco: clero, igreja e religião numa conjuntura

revolucionária (1820-1823), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian-Fundação para a Ciência e Tecnologia, 2006, p. 125 (nota 155), 129-134.

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Cúria romana, mantida constantemente informada da situação no país. Em Abril de 1822 relata os choques entre a população lisboeta e os numerosos galegos que se encontram na cidade, naquela que se configura como uma verdadeira ―guerra entre pobres‖: de facto, os portugueses (e não só) revoltam-se contra estes espanhóis «che provvedono tutte le case di acqua, e servono nelle cose le più vili, hanno moltissimi posti nella dogana», para os afastar dos trabalhos que ocupam na alfândega e noutros lugares, podendo assim substituí-los no desenvolvimento destas funções («e sostituirono in questi posti loro medesimi»).427 No seguimento do que se dizia anteriormente, é provável que esta ―campanha‖ contra os galegos fosse fomentada internamente para criar uma situação de instabilidade social, aproveitando os difundidos sentimentos de antipatia contra os espanhóis de modo a tentar criar problemas entre os respectivos governos, quebrando as possibilidades de uma ―solidariedade activa‖ entre os dois povos. Aliás, não se pode excluir que nestas desordens tivessem tido um papel também alguns trabalhadores italianos, nomeadamente os que actuavam no teatro de São Carlos, exasperados pela falta de trabalho devida ao prolongado encerramento do estabelecimento, por insolvência da empresa gerente. Isto pode deduzir-se da leitura das páginas do Diário do Governo, que, tentando sensibilizar para a necessidade de voltar a haver teatro, evidenciava que havia fundadas razões para tal, sendo que «hum grande numero das pessoas, que se achar[am] accusadas de terem tomado parte nas desordens, que tiver[am] lugar nesta Capital contra os Gallegos, er[am] Carpinteiros, Serralheiros, etc. – empregados no Theatro de S. Carlos, os quaes sem trabalho, e arrastados pela fome, se deixar[am] seduzir pelos agentes dos inimigos da nova ordem de cousas».428

Perante esta situação social exasperada, com o fim de manter a ordem pública, o governo português define novas políticas de controlo da imigração e da presença de estrangeiros no país, que se tornam claros, no final do mês, com um edital da Intendência Geral da Polícia específico. Nesta disposição é precisada a necessidade de que todos os forasteiros que circulavam no reino fossem munidos de «abonação dos seus respectivos ministros, e na falta destes dos seus cônsules», devendo todos aqueles que não podiam fazê-lo sair do reino por mar, isto é, a partir da capital.429 A atenção concentra-se então

427

Roma. Archivio Segreto Vaticano (doravante ASV). Segr. Stato, Esteri, busta 441, fl. 510 (em 24/04/1822).

428

Diario do Governo, n. 118 de 21/05/1822, p. 840; apud ESPOSITO, Francesco, «Lisbona 1822. La vita musicale attraverso la stampa periodica», Revista Portuguesa de Musicologia, n.º 10 (2000), Lisboa, INIC, pp. 43-45, p. 57.

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«Tutti i Forastieri hanno dovuto dare i necessari documenti per rimanere in Lisbona, e presentarsi più volte alla Polizia, procurandosi ora più che mai che non sia in modo alcuno turbato l‘ordine pubblico»

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sobre a capital, onde a circulação de pessoas vindas de fora é maior, naturalmente devido à sua função de cidade portuária: por isso, todos os estrangeiros residentes no espaço urbano tinham de se apresentar às autoridades de polícia num prazo de quinze dias. Constituem excepção – e trata-se de uma nota importante, a partir do momento em que, como veremos, os elencos ao nosso dispor não representam um levantamento minucioso e exaustivo da comunidade italiana residente em Lisboa – toda uma série de figuras, como as pessoas «aditas aos Ministros Estrangeiros», os próprios cônsules, e «pessoas de sua Nação pertencentes aos consulados», e indivíduos naturalizados; sobretudo, não se indica a necessidade de registar os núcleos familiares, no caso de estrangeiros com família residente (caso muito comum). Como se vê, exclui-se uma parte importante da população estrangeira. Aliás, a fim de abranger todas as possibilidades, intimava-se os proprietários «que lhe tiverem alugado casas», e todos os chefes de família «que os tiverem recolhido em sua habitação», a remeter à Polícia relações contendo os nomes dos estrangeiros, ocupações, estados e respectivos endereços.430

Que uma das preocupações principais ditadas pela adopção destas medidas – além de acalmar os ânimos entre a população – fosse a de travar a entrada e circulação no país de uma série de sujeitos ligados de alguma forma à oposição anti-liberal é demonstrado pela expulsão de alguns representantes diplomáticos, nomeadamente daqueles ligados aos países que não tinham reconhecido o regime vintista, ou que tinham expulsado o respectivo representante português. Medida que afecta também o secretário da legação piemontesa, o condeAugusto Ottavio Avogadro, uma vez que, em Turim, após a queda do governo revolucionário (Março de 1821), não tinha sido acolhido o representante lusitano. Ele é convidado a sair da capital e do país com alguma urgência; em caso contrário teria sido detido.431

(Archivio Segreto Vaticano [doravante ASV]. Segr. Stato, Esteri, busta 441, fl. 515 [em 08/05/1822]. Veja- se também Diário do Governo, n. 96 de 25/04/1822 (aviso do ministro dos negócios estrangeiros, Silvestre Pinheiro Ferreira), p. 669 e Correio do Porto, n. 104 de 3 de Maio de 1822, ([p.4], edital do intendente geral da Polícia, Manuel Marinho Falcão de Castro).

430

Ibidem. 431

«Ebbe ordine di partire da Lisbona in 24 ore, e dal Regno nello spazio di otto giorni. Si portò egli immediatamente in Cintra, da dove proseguirà il suo viaggio: vi era ordine del di Lui arresto, se dopo il fissatogli tempo fosse rimasto in Lisbona» (ASV. Segr. Stato, Esteri, busta 441, fl. 515 [em 08/05/1822]). Esta medida está conforme à indicação dada pelo ministro dos negócios estrangeiros na sua portaria: «E quando, apesar daquelas qualificações, o mesmo Intendente Geral da Polícia entenda não poder responder pela boa conducta de algum estrangeiro, nem das consequências que de[le] se podem seguir à pública tranquilidade, dará parte de tudo ao governo, a fim de que, parecendo assim conveniente, se faç[am] igualmente sair dos Estados Portuguêses, como se pratica com os naturais deste Reino em virtude das Leis gerais da Polícia em todos outros Estados da Europa» (Diario do Governo, n.96 de 25/04/1822 [aviso do ministro dos negócios estrangeiros, Silvestre Pinheiro Ferreira]), p. 669.

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Com o fim do regime constitucional vintista e a restauração do absolutismo, a monitorização e o controlo exercido sobre os estrangeiros no país (residentes e de passagem) torna-se parte de uma obsessão persecutória contra qualquer factor alheio (considerado portador de instabilidade e insegurança social e política), sobretudo em relação ao perigo de uma ―ramificação italiana‖.432

O carácter emergencial da monitorização das fronteiras e das presenças estrangeiras no reino é indicado pelo recurso à autoridade policial, oficializando com efeito uma questão de segurança pública. É o que acontece em 1822 e, de forma mais acentuada, após a queda do liberalismo: ao normal controlo de fronteiras, com o usual registo de entradas, saídas e permanências produzido pelos serviços centrais do Ministério dos Negócios Estrangeiros (como demonstra o elenco muito parcial dos ―Estrangeiros residentes em Portugal‖ nos anos 1820-21)433 substituem-se elencos definidos com base a uma estrita correspondência entre os consulados e a Intendência Geral da Polícia.434

Isto é, face às novas circunstâncias, novas listas são solicitadas (pelas autoridades portuguesas) aos respectivos consulados, que porém restituem documentação parcial, não oferecendo registos completos; uma penalidade – amiúde evidenciada pelos próprios funcionários consulares – que manifesta um escasso controlo das legações diplomáticas sobre os seus compatriotas e as suas actividades (dinâmica esta que facilita a dimensão em que se move o exílio político). Uma das características da compilação destas listas é, por exemplo, a espontaneidade com que são redigidas, no sentido em que apesar do carácter de peremptoriedade das ordenações (como a de Abril de 1822), os respectivos súbditos estrangeiros se apresentavam nos consulados sem qualquer obrigação, e só após a divulgação pública de um novo aviso pelas próprias autoridades consulares. Esta dificuldade na compilação de um registo o mais completo possível é evidente no caso dos súbditos napolitanos, cujo número registado entre 1823 e 1826 (51 nominativos, sem considerar os núcleos familiares) está claramente abaixo de uma estimativa real. De facto, já a Gazeta de Lisboa em Outubro de 1820 avisava que

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DI GIUSEPPE, Francesca, Portogallo, Italia e questione iberica (1821-1869), tesi di Dottorato di ricerca in scienze storiche, archeologiche e storicoartistiche (XXII ciclo), Università degli Studi di Napoli ―Federico II‖, 2010, p. 149, nota 465. Esta estudiosa refere a circular enviada à Intendência Geral da Polícia pelo então ministro dos Negócios Estrangeiros, o Marquês de Palmela, onde alerta que se preste particular atenção à presença de revolucionários italianos.

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Ver anexo VIII. 434

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«tendo chegado ao conhecimento do Consulado Geral do reino das Duas Sicílias em Lisboa, estabelecido na rua direita de São Paulo n. 68, primeiro andar, que neste reino de Portugal existem vários napolitanos e sicilianos que se não tem dado a conhecer no mesmo consulado, o vice-cônsul José Calleja lhes faz aviso, que cumpre se lhe apresentarem na dita residência pessoalmente, ou por carta em que avisem sua morada, para lhes serem comunicados avisos do seu Governo».435

Um dos avisos em questão dizia respeito ao decreto real n.24 do dia 24 de Julho de 1820, poucas semanas após o triunfo da revolução em Nápoles, com que se garantia amnistia penal para todos os desertores do exército napolitano, e para qualquer indivíduo condenado por razões políticas. A resposta do vice-cônsul Calleja às solicitações do seu governo em Nápoles é útil para a definição de um primeiro perfil do grupo de súbditos napolitanos residentes em Lisboa, embora numericamente menosprezado pelo funcionário consular, que evidentemente confunde a atitude apática dos trabalhadores napolitanos (grupo constituído maioritariamente por pessoas de baixa condição económica) face à autoridade do consulado com uma presença limitada in loco:

«quest‘atto di reale clemenza sarà reso visto a quei pochi napoletani estraregnati che in questa città da tempo si trovano, de‘ quali, credo, non ve ne sia alcuno dal Regno assente per principi di politica, ma piuttosto per impulsi d‘indigenza, se non v‘abbiano concorso quelli d‘esserne stati espulsi dalla sanzione della legge. Pochi barcaroli ignoranti, e più pochi eziando, che vivono di un dettagliato mercato, non mi presentano un corpo, nel cui seno ritrovisi un membro politico».436

O registo civil que se realiza naqueles anos restitui listas parciais, provisórias, com unicidade de género (todos homens, com pequenas excepções nos registos dos súbditos do reino da Sardenha), o que torna impossível um cálculo exacto dos fogos italianos ou luso-italianos, que só podem ser definidos por estimativa. O resultado é a impossibilidade de obter números certos a respeito da composição da comunidade italiana nos primeiros trinta anos do século XIX (trata-se de uma problemática que também ultrapassa o prazo cronológico por nós considerado). Aliás, as conclusões que estudiosas de demografia como Maria L. Rocha Pinto e Teresa Rodrigues aplicam à análise da população

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Gazeta de Lisboa, n. 262 de 31/10/1820. 436

ASN. Ministero degli Esteri del Regno delle Due Sicilie. «Consoli del Regno di Napoli all‘estero. Lisbona-Diversi 1817-1829», busta 2692 em 26/09/1820.

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portuguesa nesta altura valem também – por extensão filológica – para as comunidades estrangeiras; assim, o défice das fontes assenta nos arrolamentos parciais feitos pelas autoridades (como os consulados, no caso dos italianos): «outro factor de erro é introduzido pelas populações sujeitas ao arrolamento. Ignorância, medo ou ―malícia‖ conjugam-se, levando a tentativas de fuga à contagem, menos grave no que toca aos fogos ou número de famílias, mais acentuada no que respeita ao número de habitantes».437 Como é óbvio, nem todos os registos individuais escondem núcleos familiares: havia pessoas deslocadas em Portugal por razões profissionais que viviam sozinhas, pelo menos no momento do registo (a constituição de um núcleo familiar pode ter sido posterior). É o caso de figuras como criados ou serventes, «que vivem com famílias do mesmo país, provavelmente ligados por interesses profissionais».438 Nem é possível dar uma estimativa dos ―transeuntes‖, ou seja dos que (em prevalência estrangeiros) permaneciam em Lisboa por um período limitado no tempo.439 Entram nesta categoria tanto os exilados políticos que aí chegam a partir de 1821, como figuras de trabalhadores migrantes a curto prazo (como pode ser a dos caldeireiros napolitanos, cujas vicissitudes aprofundaremos na terceira parte do presente capítulo).

Apesar das listas definidas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e pela Intendência Geral da Polícia, para o estudo da presença estrangeira – nomeadamente italiana – no reino neste arco temporal, o registo mais fidedigno parece ser ainda o das paróquias, sobretudo o do Loreto no que diz respeito ao caso de Lisboa. Como já salientámos na introdução, a falta de inventário deste arquivo (pelo menos no período de investigação), e a sua interdição aos investigadores até ao presente não permitiu um levantamento analítico completo. Contudo, o conjunto de dados ao nosso dispor, embora apenas indicativo da presença de grupos estrangeiros na capital, émais do que suficiente para traçar um mapa da ―Lisboa dos Italianos‖; dos espaços vividos por eles, das suas actividades, das suas procedências. Para este efeito, tenta-se agora uma análise prosopográfica dos italianos em Lisboa nos anos vinte, procedendo a uma classificação por grupos, idades e origem geográfica. Tentamos definir também uma geografia da comunidade no espaço urbano: como é óbvio, a análise dos registos de residência deve ter

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PINTO, Mária Luísa Rocha, RODRIGUES, Teresa, «A evolução da população ao longo século XIX – uma perspectiva global», Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, n.º 6 (1992-1993), Universidade Nova de Lisboa, p. 248.

438

RODRIGUES, Teresa, «Os movimentos migratórios em Lisboa. Estimativa e efeitos na estrutura populacional urbana de Oitocentos», Ler História, n.º 26 (1994), Lisboa, ISCTE, p. 53.

439

RODRIGUES, Teresa, Cinco séculos de quotidiano. A vida em Lisboa do século XVI aos nossos dias, Lisboa, Edições Cosmos, 1997, passim.

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em consideração as alterações da toponomástica lisboeta. Esta preservou nos últimos duzentos anos muitos dos endereços que retirámos das fontes ao nosso dispor. Ao mesmo tempo, a distribuição da presença italiana nas freguesias não conta com as alterações que ao longo do tempo concerniram a organização administrativa da cidade (criação ou abolição de juntas, até à última reforma autárquica de 2013), tendo sida definida com base na cartografia coeva.440 As moradas listadas no anexo IX são relativas quer ao lugar de residência, quer ao de trabalho: os dois elementos coincidem frequentemente, sobretudo no caso dos comerciantes/negociantes, que ocupam imóveis de dois andares, tendo loja no rés-do-chão e habitação/armazém no primeiro. Em geral, há uma prevalência da indicação de residência, como confirma também Marino Miguel Franzini nos documentos utilizados no fim da compilação dos elencos dos comerciantes estrangeiros em Lisboa para oAlmanach Portuguez (ano de 1825), onde se referem «ruas e números das portas de habitação de cada hum».441 Contudo, não é possível identificar com exactidão quando está indicado um elemento e quando o outro.

Entre 1822 e 1826, os italianos oficialmente residentes em Lisboa são 340 (vejam-se as tabelas 1 e 2). Desta contagem são excluídos os súbditos italianos ou de cultura italiana que procedem dos territórios que naquela altura se encontram sob dominação imperial austríaca, nomeadamente o reino Lombardo-Véneto, incluindo as regiões da Lombardia (Milão), do Véneto (Veneza) e do Friul (Udine). Faziam ainda parte do império outros importantes territórios de cultura italiana por estarem historicamente ligados aos domínios marítimos da república veneziana, incluindo a cidade de Trieste e a península da Ístria; assim como territórios alpinos, como a região de Trento (ligada por séculos a Roma).442 Decidimos excluir estas pessoas da análise da comunidade italiana por procederem de realidades não soberanas, tratando-se de vice-reinos dependentes do governo imperial de Viena. Aliás, a documentação consular apresenta maior complexidade, evidenciando a

440

Os mapas que serviram de fonte para a definição da geografia dos italianos na cidade de Lisboa são a Carta topographica de Lisboa e seus suburbios, de Duarte José Fava (levantada em 1807, litografada em 1833) e Lisbon, de W. B. Clarke (ca.1840).

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ANTT. Junta do Comércio. «Relações de empregados e negociantes para o Almanaque de Lisboa», mç.61 (cx. 199), fl. sem número.

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