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6. Anotações para o desenvolvimento de uma teoria do direito: o pragmatismo

6.4 O problema da educação: direito como fenômeno cultural

O debate atual, diante da revelação da importância política do poder judiciário também precisa discutir profundamente os critérios de seleção e escolha dos juízes num Estado de Direito. Concurso público não garante idoneidade moral nem mesmo competência judicante, máxime quando muitos entram nas faculdades de direito no intuito de decorar normas, únicos critérios objetivos capazes de ser utilizados em seleções em massa, enquanto a escolha política dos tribunais também é alvo de fortes críticas, recaindo em processos eleitorais questionáveis ou escolhas subjetivas de autoridades.

Apesar de colocar-se contra os realistas pragmáticos, no nosso entender por também sustentar preconceito contra o ceticismo e entendê-lo sempre em seu caráter dogmático e negativo, caracterizando-o como postura que não admite a existência da verdade e não como uma postura que mantém uma visão crítica da verdade histórica e contingente, partilhamos da conclusão de Dworkin em seu ―O Império do Direito‖147 quando afirma que o império do direito é definido pela atitude, não pelo território, o poder ou o processo.

De nada adianta para o direito a fixação de novos paradigmas formais ou metodológicos se não for acompanhado pela mudança de atitude principalmente dos julgadores. Não se pode admitir no tempo presente que os Estados pratiquem excessos

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impunemente. A atitude que se espera no Estado moderno é ver o governo como exemplo do exercício do Estado de Direito. É ver o direito como limitação do poder do Estado.

Citamos anteriormente o ex-ministro da justiça Saulo Ramos que afirma em sua autobiografia que durante as discussões dos planos econômicos a burocracia interna do Ministério da Fazenda possuía levantamento estatístico dando conta ser vantajoso para o governo baixar normas inconstitucionais ou ilegais.

Evidentemente que hoje o controle público é mais efetivo. Mas esse tipo de conduta de governos, que se repetem nos excessos da política externa americana e européia, nas concessões econômicas globais feitas à China apesar da concorrência desleal de sua atividade econômica fundada em regime de semi-escravidão, no bloqueio de imigrantes pobres na Europa e nos Estados Unidos, e em decisões casuísticas de Tribunais que eventualmente gerem instabilidade ou desordem não são problemas que possam ser resolvidos exclusivamente dentro do direito ou da política interna ou internacional.

São problemas decorrentes da atitude das pessoas, que por sua vez é conseqüência da educação. Alguns países que aparecem indicados com a melhor qualidade de vida em quase todas as pesquisas, inclusive pela estabilidade de suas instituições democráticas, são monarquias constitucionais com constituições seculares, ou mesmo consuetudinárias em que não há uma forte tradição de separação dos poderes, como é o caso da Inglaterra, de maneira que não são as leis ou o sistema jurídico que garantem o direito mais justo. O que faz as instituições e as sociedades são as pessoas.

Se o direito e previsão legal de instituições fossem garantia de desenvolvimento social bastava copiarmos para todos os Estados do mundo a Constituição e normas jurídicas da Suécia ou da Dinamarca, que automaticamente viveríamos um mundo de paz e prosperidade. É na compreensão tolerante de que cada sociedade constrói seu desenvolvimento a partir de suas contingências e habilidades construídas ao longo da história que podemos sim, tomar a declaração universal dos direitos humanos e tratados internacionais a eles relativos como normas de legitimação positiva do poder estatal.

A constatação do aumento da influência do judiciário, ou mesmo sua qualificação como superego148 da sociedade, não implica de per si num aumento ou diminuição da ordem ou da segurança jurídica.

Os países do Common law convivem há séculos com tal preponderância do judiciário e não há qualquer estudo que indique que o funcionamento dos aparelhos judiciários desses Estados seja muito diferente dos países de tradição continental, ou que a justiça seja pior administrada.

Já foi citado anteriormente que Adeodato constata a grande influência no ensino fundamental e médio brasileiro uma mentalidade altamente tecnocrática e um déficit de formação humanista.

Essa formação tecnocrática nos faz muitas vezes trazer para as ciências humanas uma necessidade de esterilizar ambientes, como se faz nas ciências ditas exatas, onde as experiências são previsíveis ―em condições normais de temperatura e pressão‖.

Nas ciências humanas, a tentativa de modular tais ambientes muitas vezes cria resultados igualmente estéreis, uma vez que não tem como ser aplicados em uma realidade cultural, onde os aspectos jurídicos, econômicos, sociais e políticos estão sempre inter- relacionados. Como dizia Tobias Barreto ainda no século XIX o direito é um fenômeno histórico, um produto cultural da humanidade e a força que não vence a força não se faz direito. O direito é a força que matou a própria força.

Percebendo que a concreção dos direitos humanos se confunde com a concreção do Estado Democrático de Direito, que se dará em cada sociedade à sua maneira e em seu momento histórico, faz-se necessário ter em mente a visão pragmática de que a democracia não é um fim, mas um instrumento para essa construção, e que assim como a busca da verdade para o cético pirrônico, a busca pela democracia deve ser um exercício corrente que provavelmente jamais estará acabada, pois configura o instrumento adequado para estabilizar, ainda que momentaneamente, qualquer crise de valores nela instalada, mesmo aquelas que não podem ser ainda previstas.

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