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O Problema da sucessão

No documento 00 - Corpo final.pdf (páginas 33-37)

Capítulo II: Antecedentes

II. 2. O Problema da sucessão

As opções de alianças políticas pela força nupcial eram limitadas. O reino português, Católico e dependente da anuência do Papa para a manutenção do império que lhe assegurava a não-agressão pelos demais Estados católicos, caso cedesse à celebração de alianças com Estados não-católicos (calvinistas/luteranos/protestantes) arriscava perder o apoio papal o que o exporia à cobiça dos demais. Por outro lado, porque mesmo a existência de tratados como o de Windsor não garantia as boas relações

27 Maria Augusta Lima Cruz, ob. cit., pág 125, citando Alfonso Danvila in Filipe II y El Rei Don Sebastián de Portugal, Madrid, Espasa-Calpe, 1954, págs. 136/137

e o respeito pelos limites do Império – recorda-se que a Inglaterra, ao recusar a autoridade do núncio de Roma, prontamente declarou não reconhecer o Tratado de Tordesilhas por não dever obediência ao Papa – tudo aconselhava à celebração de bodas cristãs com países cristãos.

Com D. Manuel inicia-se um ciclo de abertura a Castela, com a celebração do seu casamento com D. Isabel de Aragão, oriunda da casa real dos Trastâmaras. Com este passo, a dinastia de Avis inicia uma política de alianças com o vizinho espanhol que seria aprofundada posteriormente ao celebrar vários casamentos entre os Avis e os Habsburgos. Contudo, esta era uma necessidade política incontornável, dado que ao Portugal sub-populado e disperso pelo mais vasto império até então visto, não era possível manter uma reserva de braços para pegar em armas, caso o vizinho irrompesse em hostilidades – esta política de alianças com Castela através de matrimónios sucessivos traduzia o assumir de um risco mais ou menos calculado: tratava-se de garantir uma indispensável não-agressão na retaguarda, para assegurar a capacidade de manobra nos mares e nas áreas recém-adquiridas e tudo estaria bem desde que os sucessivos casais reais portugueses garantissem um herdeiro para a coroa.

Se é facto que isto tornava o reino português vulnerável a uma pretensão espanhola pela via pacífica, não é menos verdade que isso só poderia acontecer caso por cá ocorresse algum problema de sucessão. E ela (a sucessão), sempre periclitante devido à elevada mortandade que afectou as sucessivas gerações da linha sucessória, acabou por ser rompida quando ela mais parecia assegurada.

A D. Manuel sucedeu seu filho João, que reinou como o terceiro do nome em Portugal. Dando continuidade à política apaziguadora com Castela, D. João III trocava alianças com Catarina de Áustria, irmã de Carlos V do Sacro-Império Germânico (Carlos I de Espanha) – a casa de Habsburgo apertava um nó corredio que apenas a continuidade sucessória dos Avis poderia afrouxar.

Seguindo a política iniciada com o pai, D. João III casa a infanta D. Maria com o herdeiro de Carlos V – Filipe – e o seu único filho sobrevivo – também João – com Joana de Áustria, de quem era primo direito (Joana era filha de Carlos V, o qual, como se viu, era tio direito do príncipe herdeiro). A inexistência de outros herdeiros (todos mortos, ou à nascença ou ainda em tenra idade) obrigava a colocar todas as apostas na continuidade sucessória sobre a capacidade reprodutiva do casal João e

Joana, porque a saúde habitual do príncipe não inspirava grande segurança – é a tomada desta consciência que origina o cognome de “o desejado”: para a garantia da independência de Portugal, era imperioso que estes dois gerassem e os receios da queda sob a dominação espanhola tornaram esta a mais desejada das crianças.

In extremis, a natural futura rainha concebe e já em fim de gestação o príncipe João cai doente, doença que o levará à morte. Não é certa qual foi a doença28,

mas extingue-se desta forma o último dos 9 filhos de D. João III e Catarina de Áustria – a sucessão fica assim dependente da boa conclusão da gravidez de D. Joana de Áustria, da esperança que do parto saísse varão e da sobrevivência deste até ele mesmo, por sua vez, procriar. Quis a fortuna que dezoito dias depois, em dia de S. Sebastião, a rainha desse à luz um varão!

Com a morte do príncipe – que estaria destinado a governar como o quarto João de Portugal – Carlos V chama de regresso a Espanha a enviuvada princesa: nos termos dos acordos nupciais (usuais para a época, sublinhe-se), podia fazê-lo, visto que a viuvez libertava a consorte de todos os compromissos nupciais, e o rei seu pai fê-lo argumentando com a sua necessidade de se ausentar de Espanha e a necessidade de a nomear como regente. Outras correntes afirmam que o verdadeiro motivo teria raiz em inconvenientes inclinações pró-portuguesas atribuídas a D. Joana, pelo que seria preferível afastá-la da corte lusitana.

Carlos V podia mandar recolher D. Joana, mas quem ele não podia retirar de Portugal era o recém-nascido Sebastião, o qual ficava então aos cuidados dos avós paternos, D. João III e D. Catarina de Áustria, irmã de Carlos V e vista como excessivamente próxima de Espanha.

A morte de D. João III abre caminho à regência de D. Catarina, a qual pode assim influenciar a educação do futuro rei português e o país fica então refém de um futuro varão que este pudesse vir a gerar, ou tornava-se mais que previsível que cairia sob a coroa espanhola – é a consciência desta possibilidade que pode estar na génese de algumas atitudes posteriores do Rei de Espanha, quer no que respeita às iniciativas

28 Segundo Maria Augusta Cruz, “Tudo indica, à luz de conhecimentos posteriores, que D. João padeceria, na realidade, de diabetes juvenil” in D. Sebastião / Maria Augusta Lima Cruz. - Temas e Debates, 2009 – pág. 26

matrimoniais a partir de Lisboa, quer no que respeita a comprometimentos militares em apoio da coroa portuguesa…

Quem cresce no meio de intrigas, ou as ignora ou as encara com naturalidade… desde que tenha consciência delas. É isto que também não é certo, mas tudo leva a crer que, nem que fosse apenas numa fase posterior, D. Sebastião saberia (pelo menos) de parte delas.

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