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Outro importante conceito para Hilbert foi de Decidibilidade ou Entscheidung. Conceito que exigia um procedimento de decisão para responder se um determinado problema tem solução ou não. Pode-se supor que nem a fórmula A nem B podem ser demonstradas. O sistema está incompleto, mas o interessante é que pode existir um procedimento de decisão capaz de analisar as fórmulas A e B e chegar exatamente à mesma conclusão, ou seja, que não podem ser provadas. O procedimento de decisão existiria mesmo que o sistema não estivesse completo. Tal procedimento de decisão identificaria A ou B como verdadeiras, mesmo que nenhuma delas possam ser comprovadas no sentido de serem deriváveis dos axiomas.

Cabe observar que um procedimento de decisão seria mais interessante não sobre a determinação da não demonstrabilidade, mas sim sobre o que se conjectura como verdade.

Hilbert comentou pela primeira vez sobre a ideia de um procedimento de decisão em seu discurso em Paris 1900 relacionando com problemas das equações diofantinas citadas anteriormente. Em 1917 em Zurique sobre "Pensamento Axiomático" Hilbert também abordou o problema da decisão de uma questão matemática em um número finito de operações. De todos os aspectos dos sistemas axiomáticos, segundo ele, a Decidibilidade é o mais conhecido e mais discutido, pois ele passa sobre a essência do pensamento matemático.

Não se sabe muito bem ao certo quando Hilbert veio a utilizar em documento as palavras

Entscheidung composta com Problem pela primeira vez, mas o primeiro uso registrado da palavra

composta foi feito por um de seus assistentes, Heinrich Behmann (1891-1970), em uma conferência para a Sociedade Matemática de Gottingen em 10 de maio de 1921, intitulado

Entscheidungsproblem und Algebra der Logik39.

It is of fundamental importance for the character of this problem that only mechanical calculations

according to given instructions, without any thought activity in the stricter sense, are admitted as

tools for the proof. 40

No ano letivo de 1922, Hilbert ministrou um curso nomado como Fundamentos Lógicos da

Matemática e também começou a usar a palavra Entscheidungsproblem. Este foi o ano em que o

assistente de Hilbert Wilhelm Ackermann (1896-1962) o ajudou a reunir as aulas do curso em um livro curto publicado sob o título. Grundzuge der Theoretischen Logik (traduzido como Principles

of Mathematical Logic), um livro que hoje é conhecido como “Hilbert & Ackermann”.

Hilbert & Ackermann não chegaram a aprofundar o escopo do Principia Mathematica. O livro abrangeu apenas os fundamentos da lógica matemática, além de qualquer teoria de lógica definida. No entanto, Hilbert & Ackermann provaram ser bastante influentes para além das 120 páginas publicadas no livro. No núcleo do livro havia uma explicação de cálculo funcional restrito, mais conhecido hoje sob o termo lógica de predicado de primeira ordem, que incluiu questões relativas à completude e decisão.

Um dos leitores de Hilbert & Ackermann sobre as questões de fundamentos era um estudante de matemática austríaco de Viena chamado Kurt Godel (1906-1978).

Whether the axiom system in complete, at least in the sense that all logical formulas that are

correct for every domain of individuals can be derived from it, is still an unresolved question.41

Esta passagem está se referindo a fórmulas da lógica de primeira ordem que são verdadeiras

39 Reid, Hilbert, 152. 40 Reid, Hilbert, 158.

Tradução: É de fundamental importância para o caráter deste problema que somente cálculos mecânicos de acordo com instruções fornecidas, sem qualquer atividade de pensamento no sentido mais estrito, sejam admitidos como ferramentas para a prova.

independentemente da interpretação das funções proposicionais conceito hoje conhecido como predicados. Todas essas formas universalmente válidas, suas fórmulas são deriváveis dos axiomas? Godel tomou o desafio e apresentou em sua tese de doutorado de 1929 que a lógica do predicado de primeira ordem estava completa nesse sentido. Isto ficou conhecido como Teorema da Completude

de Godel.

A completude da lógica de predicados de primeira ordem foi um resultado importante. Ele mostrou que os axiomas e os mecanismos de prova eram adequados para derivar todas as declarações que fossem válidas dentro do sistema. No entanto, a lógica matemática não existe por si só. Um dos principais propósitos da lógica de predicados foi fornecer uma estrutura sólida e fundamental para os números e a aritmética. Para que essa realização fosse bem-sucedida seria necessário adicionar axiomas ao sistema lógico para estabelecer a teoria dos números. Esse foi o principal objetivo de Principia Arithmetica. Depois de adicionar esses axiomas, a lógica de predicados de primeira ordem estará completa em um sentido muito mais profundo, sendo cada asserção ou negação demonstráveis no sistema. Este foi o problema abordou por Godel em seguida.

Em 7 de setembro de 1930, Godel anunciou que havia mostrado que os axiomas adicionados à lógica de predicados de primeira ordem que permitiam a derivação da aritmética (incluindo adição e multiplicação) deixaram o sistema incompleto. Ele derivou desse sistema uma fórmula e sua negação. Se a aritmética for consistente, então essas declarações devem ser verdadeiras. No entanto, elas não podem ser demonstradas.

Pensando num conceito mais tarde denominado como numeração de Godel42, ele utilizou a aritmética desenvolvida dentro do sistema para associar cada fórmula e todas as provas como um número. Então desenvolveu uma fórmula auto afirmativa da sua própria falta de demonstrabilidade. Essa formulação elaborada por Godel assemelha-se ao paradoxo do mentiroso - tudo o que eu digo

é uma mentira, incluindo esta afirmação, A fórmula não confirma absolutamente nada sobre sua

42 Stanford Encyclopedia of Philosophy, “Kurt Gödel,” Stanford Encyclopedia of Philosophy, https://plato.stanford.edu/entries/goedel

verdade ou sua falsidade, mas sim que não é demonstrável. Se a aritmética for consistente, essa fórmula não pode ser demonstrada, isso porque levaria a uma contradição. A fórmula deve ser verdadeira - mas verdadeira apenas no sentido matemático porque a verdade não é um conceito do próprio sistema lógico - o que significa que ele realmente não é demonstrável.

O artigo de Godel foi publicado no ano seguinte sob o título On Formally Undecidable

Propositions of Principia Mathematica and Related Systems I.43 O número romano indica que

Godel pretendia colocar em seu artigo informações adicionais, embora este artigo já trouxesse um impacto imediato e de forma negativa contrariando as expectativas da comunidade matemática.

Uma premissa crucial para o Teorema da Incompletude é que a aritmética seja consistente. Como corolário, Godel também mostrou que a prova de consistência para a aritmética dentro do sistema também era inviável. Como certas fórmulas não podiam ser demonstradas nem refutadas, era possível que essas fórmulas fossem inconsistentes. Isso não significa que a aritmética e a teoria elementar dos números sejam inconsistentes. O problema é que a consistência não pode ser demonstrada de dentro e apenas com recursos do próprio sistema. Isso já afeta praticamente todos os pilares do programa hilbertiano (Independência, Consistência e Completude)

Ao descobrir sobre o Teorema de Incompletude de Godel, David Hilbert teve uma reação de não aceitação das suas descobertas logo de imediato. Ele estava um tanto desacreditado, mas aos poucos ele começou a incorporar as descobertas de Godel em seu programa. O resultado foi tão estonteante que muitos matemáticos envolvidos com o programa de fundamentação simplesmente perderam interesse pela lógica matemática.

Russel começou a perseguir outros interesses, como escrever sobre filosofia, política e questões sociais. Ele ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1950 em reconhecimento de seus variados escritos em que ele defende ideais humanitários e liberdade de pensamento. Nesta época, muitas pessoas até se esqueceram que ele era originalmente um matemático.

43 Godel, On Formally Undecidable Propositions,

https://monoskop.org/images/9/93/Kurt_G%C3%B6del_On_Formally_Undecidable_Propositions_of_Principia_Mat hematica_and_Related_Systems_1992.pdf

O matemático húngaro John von Neumann (1903-1957), que estava em Göttingen em meados da década 1920, também abandonou a lógica (termos teóricos) após Godel.

Para aqueles matemáticos que continuaram a explorar a lógica matemática restavam ainda problemas a serem resolvidos. Na edição de 1928 de Hilbert & Ackermann afirmaram de forma destacada que, o problema de decisão, era chamado de o principal problema da lógica matemática. A Teoria da Incompletude de Godel não implicou que um processo de decisão também não pudesse existir, ao contrário isso significava que tal processo de decisão não poderia determinar a verdade de qualquer fórmula arbitrária. Poderia, na melhor das hipóteses, determinar a demonstrabilidade de uma fórmula.

Nove páginas de Hilbert & Ackermann foram dedicadas ao problema de decisão em lógica de predicados de primeira ordem, e quase metade dessas páginas discutiram soluções do Problema de Decisão de casos especiais. Para diversos tipos de fórmulas em lógica matemática, os processos de decisão já tinham sido desenvolvidos. Nada indicava que um processo de decisão geral também não seria possível.

Porém em 1936, o matemático norte americano Alonzo Church (1903-1995) chegou a conclusão que “The general case of the Entscheidungsproblem of the engere Funrtionenralrul -

first-order predicate logic - in unsovable.”44. Trabalhando paralelamente a Church e utilizando ou

outro tipo de metodologia, Alan Turing chegou à mesma conclusão, quando ele afirma no início de seu artigo que o problema de decisão de Hilbert não pode ter solução, conforme será detalhado no próximo capítulo.

Quando Church e Turing publicaram seus documentos, Hilbert já estava com 74 anos. Estes foram os seus últimos anos. Ele morreu em 1943. No ápice de Hilbert em Gottingen utilizou as palavras. “Nós devemos conhecer. Nós temos que conhecer”, entretanto atualmente, quando as pessoas lêem estas palavras, imediatamente o que podem pensar é sobre as teorias de Godel,

44 Jstor, “A Note on the Entscheidungsproblem,” Jstor,

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