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O problema da efetivação do direito à saúde no Brasil – principais entraves

Com a promulgação das Leis n.º 8.080/90 e n.º 8.142/90, pode-se dizer que houveram inúmeros avanços na construção do Sistema Único de Saúde brasileiro.

Segundo o Ministério da Saúde (2002), destacam-se entre esses a descentralização da gestão, de modo a conferir maior legitimidade e realismo às decisões e permitindo celeridade nas respostas às demandas populacionais; criação e desenvolvimento dos Fundos de Saúde nas três esferas do governo; fortalecimento da rede pública de serviços de saúde em todos os níveis de complexidade, especialmente nos referentes a Saúde Básica; criação e funcionamento de Conselhos de Saúde em todos os Estados, Distrito Federal bem como na maioria dos municípios, entre outros.

Não se pode deixar de consignar ainda, o lembrado por Figueiredo (2007, p.215):

[...] a efetivação do direito à saúde tem passado pela implementação de políticas públicas de redução de custos dos remédios, inclusive daqueles chamados de “última geração”, de forma a facilitar o acesso da população, em termos de qualidade e quantidade das prestações materiais alcançadas.

No entanto, mesmo com todas estas melhorias e respaldo constitucional, no qual a saúde é posta como direito de todos e dever do Estado, ainda existe um

longo caminho a percorrer para que se tenha a real efetividade desse direito tão fundamental e essencial.

Ainda que a política do SUS seja muito boa e disponibilize listas com o rol de medicamentos que englobam sua atuação, atualmente, grande parte da população acaba não tendo acesso ao tratamento de saúde que realmente precisa.

Na maioria das vezes, isso ocorre porque a forma administrativa dos entes públicos, não contêm ou mesmo não possui em estoque os fármacos que o sujeito necessita. Tal condição de ausência se dá tanto por falta de orçamento público, como também pelo fato de alguns medicamentos não estarem contemplados nas listas do SUS.

Neste sentido, importante trazer à tona o fato de a medicina ter avançado nos últimos anos, fazendo com que medicamentos que até pouco tempo eram recomendados para tratarem certas enfermidades, já não o são mais, o que cria uma elevada discrepância entre o que está sendo receitado pelos médicos e o que consta na lista do SUS.

Como já salientado, o direito fundamental à saúde é um dever do Estado, estando seus governantes obrigados a se responsabilizarem de tal forma, não interessando quais são os elementos imprescindíveis para a concretização da tarefa, uma vez que a Constituição Federal é de caráter vinculativo e dirigente também aos Poderes Públicos.

Esta questão prática, de aplicação e execução das políticas públicas, merece deste modo, ser mais trabalhada pelos Entes Federativos.

Verifica-se, de todo o exposto, que na atualidade há uma grande violação ao artigo 196 da Constituição Federal, como disserta Germano Schartz (2001, p. 148):

Há um flagrante desrespeito e uma facciosa não-aplicação do artigo 196 da CF/88, o direito à saúde como dever do Estado e direito de todos. Como direito social e processo sistêmico que é, a saúde depende de ação positiva estatal, de um Estado Intervencionista em sua mínima complexidade – garantidor da vida -, esbarrando em

sistemas sociais jurídicos, burocráticos, econômicos, políticos entre outros, para sua efetivação, bem como das próprias decisões derivadas de ditos sistemas.

Concernente a estes fatos, a limitação financeira é um dos principais motivos da não efetivação do direito à saúde. No entendimento de Schwartz (2001, p. 148): “Por motivos vários, os recursos destinados à saúde são insuficientes para atender à demanda da população. Os governos optam pelo ajuste das contas públicas em detrimento dos gastos sociais. ”

Consabido a isso, disciplina Maria de Fatima Ribeiro (2015): “Com isso, é necessário verificar a possibilidade de aplicar os dispositivos constitucionais pertinentes, com vistas às ações do Estado, deliberadamente em políticas públicas, considerando a costumeira escassez de recursos. ”.

No bojo de fazer valer a pretensão obrigacional, tornando-a eficaz, não se pode, segundo Germano A. Schwartz e Ricardo Jacobsen Gloeckner (2003), aceitar a resposta de que é necessária uma dotação orçamentária prévia ao exame do caso, sob pena de estar se afetando o direito à saúde e consequentemente, mostrando uma despreocupação para com as pessoas e seus direitos humanos, de forma que para eles (2003, p.95):

Primeiramente, o Estado instituiu o mecanismo do tributo, em especial, da CPMF, destinado exclusivamente à melhoria do sistema sanitário nacional. Volvendo aos preceitos atinentes ao Direito das Obrigações, a prestação a ser adimplida pelos solvens corresponde a uma prestação sanitária, não pecuniária.

Se o Estado tem a tarefa de organização, não pode se esquivar de seu cumprimento sob o pretexto de que não existem recursos alocados em orçamento prévio, pois assim fazendo, estará infringindo os ideais de justiça social e distributiva altamente veiculados ao Estado Democrático de Direito (SCHWARTZ; GLOECKNER, 2003).

Nota-se que por consequência, o orçamento público acaba sendo o principal instrumento de efetivação das políticas públicas.

Nesta perspectiva, surge o princípio da reserva do possível, no qual os direitos sociais a prestações materiais estão contemplados sob a reserva da capacidade financeira dos Entes. A respeito do referido princípio Mariana Filchtiner de Figueiredo dispõe (2007, p.133) que:

A reserva do possível, no que se refere ao orçamento público impõe restrições em dois sentidos: por um lado, trata da escassez dos recursos financeiros existentes, ou seja, da limitação à efetividade dos direitos sociais a prestações materiais diante da carência ou insuficiência de verbas públicas destinadas ao atendimento dessas prestações; de outro ângulo, a reserva do possível traz a lume a discussão acerca dos limites da intervenção judicial na efetivação dos direitos sociais a prestações materiais, notadamente dos direitos originários a prestações, uma vez que as decisões alocativas, pela incidência do princípio da separação dos poderes, estão precipuamente afetas à esfera de competência do Legislativo.

A reserva do financeiramente possível acaba sendo um entrave a efetividade dos direitos fundamentais. Isso porque, seria necessário respeitar as decisões orçamentárias realizadas pelo legislador, atentando-se a escassez de recursos disponíveis e a concretização desses direitos.

Segundo o artigo 36, da Lei nº 8.080/90, o processo de planejamento e orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS) compatibilizará “as necessidades da política de saúde com a disponibilidade de recursos em planos de saúde dos Municípios, dos Estados, do Distrito Federal e da União. ” (BRASIL, 2015).

Maria de Fatima Ribeiro (2015) refere que no orçamento público devem estar especificadas as políticas públicas das esferas do Executivo, de modo que tanto este quanto o Legislativo devem ser partes presentes por meio do processo orçamentário, que inclui tanto a elaboração do plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias e a lei orçamentária anual:

E, nesse contexto, destaca-se que o orçamento é o palco no qual devem estar explicitadas as políticas públicas de um Estado em um determinado momento. E, nele, o Estado, conjuntamente as funções Executiva e Legislativa devem se fazer presente via processo orçamentário, desde a elaboração do plano plurianual, passando pela lei de diretrizes orçamentárias, e com a lei orçamentária anual.

Schwartz (2001), por sua vez, explica que o percentual de aplicação de recursos públicos na área da saúde não vem aumentando, sendo que a maioria da população ainda depende muito do Sistema Único de Saúde – SUS.

Seguindo esta temática, Schwartz (2001, p.150) ainda ensina que:

Embora legalmente injustificável, visto que as operadoras privadas de saúde devem obedecer às diretrizes do SUS, e, também, moralmente questionável, as instituições privadas recusam-se (ou procuram desculpas para tanto) a internar pacientes que não tenham seguros de saúde privados, pois é certeza de déficit devido à baixíssima contraprestação governamental.

Importante relatar também que os hospitais públicos acabam deixando os sujeitos sem alternativas, de modo a provocar imensas filas de atendimentos, sem contar os pacientes que não raramente são internados nos corredores. Tais fatos, acabam se agravando conforme o tamanho da cidade; a regra é de que quanto maior a cidade, pior o quadro (SCHWARTZ, 2001).

Ademais, conforme ensina Swchartz (2001, p. 153):

Outra realidade é a de que há remédios aos quais somente a casta de maior poder aquisitivo tem condições de compra. Isso agride a pretendida justiça social, pois não é novidade que há cidadãos que veem sua saúde prejudicada porque não possuem os meios para bancar o necessário tratamento, especialmente no que toca à compra de remédios, excessivamente caros em nosso país quando comparado ao preço dos mesmos e outras nações.

A alternativa que resta ao cidadão, frente a este quadro, é a busca de seu direito constitucionalmente garantido, através do ingresso de uma demanda na via judicial.

Corroborando com isso, ainda existem obstáculos a serem transpostos para ter-se um efetivo acesso ao justo também frente ao Poder Judiciário. Entre estes, pode-se citar as custas judiciais, a possibilidade das partes, qualidade dos serviços jurisdicionais, tempestividade da tutela pleiteada de forma processual e a sua real efetividade.

A esse respeito, leciona Cândido Rangel Dinamarco (2009, p.117):

Mesmo quando se reduza ao mínimo suportável a chamada litigiosidade contida (Kazuo Watanabe), restam ainda dificuldades inerentes à qualidade dos serviços jurisdicionais, à tempestividade da tutela ministrada mediante o processo e à sua efetividade. Isso significa que não basta alargar o âmbito de pessoas e causas capazes de ingressar em juízo, sendo também indispensável aprimorar internamente a ordem processual, habilitando-a a oferecer resultados úteis e satisfatórios aos que se valem do processo. Um eficiente trabalho de aprimoramento deve pautar-se por esse trinômio, não bastando que o processo produza decisões intrinsecamente justas e bem postas mas tardias ou não traduzidas em resultados práticos desejáveis; nem sendo desejável uma tutela jurisdicional efetiva e rápida, quando injusta.

Partindo de tal premissa, insta entender que não basta expandir o campo das possíveis causas para ajuizamento de uma ação, pois se e se somente assim fosse, o problema que atualmente enfrenta-se não seria de tamanha grandeza e abordagem.

É indispensável assim, a aprimoração dos meios e procedimentos para a efetivação da tutela jurisdicional, de modo que ofereçam resultados mais úteis, imediatos e satisfatórios aos que buscam a efetivação do direito à saúde.

Como explanado por Dinamarco (2009), de nada adianta decisões judiciais bem justas e postas que se dão de tardiamente e da mesma forma, decisões injustas que possuem uma célere tramitação processual.

Ou seja, visto que o bem de grande relevância aqui é o direito à vida, muitas pessoas não podem aguardar muito tempo para terem a efetivação do que almejam, mesmo que a decisão no final seja a de provimento. Na maioria das vezes, as pessoas que ajuízam uma ação judicial, na qual, por exemplo, estão buscando a efetiva prestação de um medicamento por parte do ente público, necessitam de tal alcance o mais breve possível, tendo em vista que a saúde se encontra em risco e esta não espera.

Dessa forma, o acesso à justiça deve ser considerado como acesso à uma ordem justa. Não obtém esta justiça substancial quem não consegue o exame de

suas pretensões pelo Poder Judiciário da mesma proporcionalidade que quem recebe soluções atrasadas, retardatárias ou mal formuladas. Assim, nas palavras de Dinamarco (2009, p.118): “Todas as garantias integrantes da tutela constitucional do processo convergem a essa promessa-síntese que é a garantia do acesso à justiça assim compreendido. ”

Ademais, outros fatores não podem deixar de passar despercebidos. Conforme instrui Daniel Wei Liang Wang (2009), por vezes, uma das principais linhas de pensamento que bate de frente com a justiciabilidade dos direitos sociais é aquela segundo a qual faltaria conhecimento e informação aos juízes para intervir nas políticas públicas que efetivam os direitos sociais.

Esta tese de argumentação defende que a concretização dos direitos sociais não se faz pela sua mera adjudicação, mas sim através de políticas públicas e por meio do gasto de recursos escassos (WANG, 2009).

Com isso, um Poder Judiciário que obrigue os Entes a realizarem uma política pública, estaria determinando o modo como parte dos recursos públicos escassos deveria ser gasta. No entanto, não foi e nem está treinado para tal encargo de tal forma a poder avaliar os critérios que ali estão em jogo (oportunidade e conveniência de uma política pública). (WANG, 2009).

A consequência disso, é que os juízes acabam decidindo as causas mesmo sem saber muito sobre a política pública, a condição das finanças e dos recursos governamentais (WANG, 2009).

Desta forma, para os que defendem esta corrente, a alocação de recursos escassos é ônus do processo político, que é quem tem maior clareza no tocante as prioridades para efetivá-las.

Sobre o ponto da judicialização assim, faz-se necessário refletir sobre sua equidade distributiva. Isso porque, o Judiciário é visto como a via institucional por meio da qual os sujeitos menos favorecidos podem lutar em busca do seu direito, no entanto, a atual realidade mostra que não é bem assim o que ocorre.

Conforme preceituado por Wang (2009, p. 41):

Primeiramente porque o acesso à Justiça no Brasil, um direito fundamental constitucionalmente garantido, é restrito a uma parcela pequena da população, o que, consequentemente, faz do Judiciário uma instituição em grande parte excludente para os mais pobres também em relação à tutela da saúde. Além disso, a forma como os juízes decidem questões envolvendo direito à saúde no Brasil ignora diversos aspectos importantes para uma política pública, não dialoga com os outros poderes e, por isso, não só colabora pouco para a melhoria nas políticas de saúde para toda a população, como possivelmente traz inúmeras dificuldades para a gestão da política.

Nos dias atuais, essa problemática da equidade distributiva pode ser atribuída a falta de informação dos sujeitos das classes mais baixas e a deficiência que por vezes existe na assistência judiciária gratuita (WANG, 2009).

Ou seja, atualmente mesmo existindo o instituto da assistência judiciária gratuita para os que dela fizerem jus, as partes acabam não possuindo as mesmas condições no que toca ao alcance dos seus direitos, muitas vezes até mesmo porque nem ao mesmo têm conhecimento deles.

Assim, a cada dia que passa, os sujeitos que necessitam de um efetivo e, por vezes, rápido alcance a tal direito fundamental, passam a ter, de modo mais convicto e forte, indagações concernentes sobre qual é o custo, para quem os sistemas jurídicos realmente funcionam, o tempo de espera por sua possível concretização e até que ponto vale a burocrática busca pelo que se almeja.

Isso porque, por diversas vezes, os cidadãos se veem diante de situações muito delicadas no que toca a sua saúde, de forma que mesmo existindo todo um amparo constitucional, a fim de proteger e garantir esse direito fundamental, não alcançam de forma efetiva seu direito. Ou seja, quando mais necessitam, acabam não encontrando uma justa prestação jurisdicional, seja porque a forma judicial vem se tornando cada vez mais burocrática, por vezes faltando até mesmo celeridade processual, ou até mesmo porque a prestação a eles é inacessível.

Em outros termos, os sujeitos, usuários do SUS, primeiramente não almejam o tratamento de que necessitam pela forma administrativa. Após, socorrendo-se ao Judiciário, enfrentam novos entraves na postulação por seu direito.

Cappelletti e Garth (1988) ressaltam que a luta pelo acesso à justiça, partindo de tais questões, contempla um enfoque e dimensão que passa por todas as áreas de atuação do direito, seja por juízes, advogados, juristas, promotores ou qualquer outro tipo de sujeito diretamente ou não relacionado para com a ordem jurídica.

Tal constatação deve-se ao notório fato de que com a revelação do nosso atual funcionamento do sistema jurídico, críticas e tal indagação passam à análise de outras ciências sociais, que podem contribuir e muito para essa incansável luta pelo “acesso à justiça”.

Concernente a todas essas questões, a Defensoria Pública, insculpida nos artigos 134 e 135 da Constituição Federal, vem ganhando um espaço fundamental e de extrema importância na vida de todas essas pessoas. Por meio de tal Instituição, sujeitos de classes mais pobres podem e conseguem ter acesso ao que antes terminava sendo uma justiça desleal, de modo a alcançarem gratuidade no sistema judicial.

Destarte, consoante o exposto e conforme o entendimento de Dinamarco (2009), para a plenitude de uma justiça mais acessível é indispensável o aperfeiçoamento interno do sistema jurisdicional, para que se torne mais rápido e mais eficaz a fim de oferecer soluções mais efetivas e justas.

Por fim, insta referir o mencionado por Vial (2007, p. 217):

A justiciabilidade do direito à saúde, como se depreende apenas dos

problemas envolvidos na discussão do fornecimento de

medicamentos e da prestação de tratamentos pelo Sistema Único de

Saúde – SUS, está longe de encontrar uma solução

aprioristicamente definitiva. Pode-se afirmar, contudo, a existência de um dever de maximizar as possibilidades de reconhecimento de um direito subjetivo originário, e, portanto, passível de exigibilidade imediata em juízo, relativo às prestações materiais em saúde pública.

Assim, com isso quer-se dizer, que para alcançar melhores resultados, ou seja, a plenitude de uma justiça à saúde mais eficiente, é necessário o remanejamento de alguns fatores fundamentais. Estes compreendem desde vontade política, exercício da cidadania e carga orçamentária (falta de recursos), como também uma participação mais efetiva da sociedade, de modo a exigir dos Entes Públicos respostas mais responsáveis, levando em consideração o aperfeiçoamento interno do sistema jurisdicional, visando resultados mais úteis, céleres e justos.

2.2 Estudo dos dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre a

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