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CAPÍTULO 3 A POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

3.1. O procedimento para abertura de novas vagas

O item anterior demonstrou que todos os anos o Município abre novas vagas em instituições de ensino infantil. Essas novas vagas podem ser criadas de três maneiras: (1) por meio de convênios com instituições particulares que já possuam o espaço físico para a escola; (2) pela construção de novas escolas pelo Município, que irá efetuar convênios para sua administração; ou ainda (3) por meio da construção de novas escolas e administração direta pelo Município.

No caso dos convênios com instituições que já tenham o aparelho físico para a escola, o procedimento é um pouco mais rápido. Aqui, cabe apenas à Municipalidade escolher as entidades conveniadas e verificar se atendem aos critérios de qualidade da Prefeitura. Vale lembrar que os convênios são acordos de interesse mútuo feitos entre a Administração e uma instituição privada que não pode ter fins lucrativos31.

Muitas vezes, todavia, a entidade conveniada não possui imóvel para a prestação do serviço. Neste caso, é necessário que a Prefeitura loque o imóvel. O maior problema neste ponto é encontrar imóveis que atendam aos requisitos de qualidade, principalmente nas áreas mais vulneráveis da cidade. Caso não seja possível encontrar um imóvel para a locação, a Prefeitura precisa construir o imóvel.

No caso da construção de novas escolas pela Prefeitura, o primeiro passo é identificar o imóvel no qual a escola de educação infantil será construída. Para tanto, é feita uma investigação na região onde há demanda por vagas. O maior gargalo aqui é que, segundo representante da Secretaria de Educação, são justamente as regiões que mais precisam da creche, ou seja, as regiões mais carentes da cidade, que têm

31DECRETO Nº 6.170/07

“Art. 1º, inciso I - convênio - acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento que discipline a transferência de recursos financeiros de dotações consignadas nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União e tenha como partícipe, de um lado, órgão ou entidade da administração pública federal, direta ou indireta, e, de outro lado, órgão ou entidade da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, ou ainda, entidades privadas sem fins lucrativos, visando a execução de programa de governo, envolvendo a realização de projeto, atividade, serviço, aquisição de bens ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação;”

menos terrenos vagos, geralmente são mais próximas aos mananciais, raramente são planas e são mais difíceis de desocupar. O terreno ou prédio a ser desapropriado deve possibilitar uma construção ou instalação de escola de ensino infantil que atenda às diretrizes de qualidade.

Uma vez detectado o imóvel, abre-se um processo administrativo no qual é elaborada uma Planta, seguindo os parâmetros mencionados no tópico anterior, e um Decreto de Utilidade Pública emitido pelo Prefeito. Depois de publicado esse Decreto, os autos do processo administrativo são encaminhados à Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras – SIURB, que efetua o procedimento preparatório, conforme estipulado pelo Decreto Municipal no 53.799/201332. Caso o expropriado concorde com o valor proposto pela Prefeitura e o imóvel estiver totalmente desocupado de coisas e pessoas, poderá ser efetuada a desapropriação extrajudicial, mas, como isso raramente ocorre, a Administração Municipal promove a desapropriação judicial por utilidade pública, regida pelo Decreto-Lei 3.365/41.

Na fase de desapropriação judicial por utilidade pública, a Prefeitura ajuíza a ação e deve indicar já na petição inicial a oferta de preço pelo imóvel. O processo de desapropriação é distribuído e então o juiz emite despacho nomeando perito, para que faça a avaliação do imóvel, e fixando honorários. A ação segue o rito ordinário, no qual o réu é citado e tem prazo para contestar.

A Prefeitura então deve efetuar o pagamento dos honorários e juntar aos autos os comprovantes. O perito é intimado acerca do pagamento dos honorários e realiza a vistoria do imóvel, a partir da qual junta o laudo aos autos judiciais.

Neste momento a Prefeitura deve indicar judicialmente a ciência sobre o valor da avaliação provisória e encaminhar a ordem de pagamento à Secretaria interessada, para transferência dos recursos necessários à complementação da oferta. Em seguida, caso a Secretaria disponibilize o valor, ocorre o empenho, liquidação e depósito da complementação por desapropriação e a juntada do comprovante da complementação da oferta nos autos.

A Prefeitura então realiza o requerimento da imissão na posse do imóvel (feita com a juntada do comprovante da complementação da oferta nos autos). Pode ser feito pedido de urgência pela Prefeitura para que haja imissão imediata na posse,

desde que o valor seja previamente depositado. Uma vez deferida, o juiz expede o mandado de imissão na posse, que é enviado à Central de Mandados da Fazenda Pública, onde é designado o oficial de justiça responsável pelo cumprimento do mandado. Neste momento, o oficial de justiça realiza a constatação das condições do imóvel e faz um levantamento dos meios necessários ao cumprimento do mandado. Então o juiz fornece os meios para o cumprimento do mandado, inclusive força policial se necessário, e lavra o auto de imissão na posse. Somente após a imissão na posse a Prefeitura fica autorizada a licitar a obra. Segundo o relato da Secretaria de Educação, os processos de desapropriação duram no mínimo 24 meses e, em algumas ocasiões, chegam a durar oito anos.

Deferido o pedido de imissão na posse do bem, o artigo 13 do Decreto Municipal no 53.799/2013 indica que as providências necessárias ao cumprimento do mandado correspondente ficarão a cargo da Secretaria de Educação, com o apoio da Secretaria Municipal de Coordenação das Subprefeituras e da respectiva Subprefeitura.

Uma vez terminado o processo judicial e a Prefeitura estando na posse do imóvel, o Município deve realizar licitação para as obras e fazer o devido acompanhamento de sua execução, conforme manda a Lei 8666/93 (Lei de Licitações). Resumidamente, as licitações para a execução de obras são convocadas a partir de um edital que traga o projeto básico e projeto executivo. A execução da obra deve ser fiscalizada e aprovada pela Administração em cada uma das etapas previstas no edital.

Outro gargalo importante nestes procedimentos é que muitas vezes, entre a efetiva desapropriação e o início da construção das escolas, o imóvel é ocupado irregularmente por pessoas que lá estabelecem suas moradias ou que a utilizam para algum fim na comunidade, sendo necessária a desocupação do terreno. Por vezes essa desocupação ocorre em mais de uma ocasião. O representante do Ministério Público entrevistado, todavia, crê que a criação do Comitê de Monitoramento da sentença das Apelações GTIEI teria potencial para que a própria comunidade comece a zelar pela área, uma vez que ela terá ciência de que o imóvel terá uma destinação para uso comunitário, sendo interesse de todos a construção das escolas de ensino infantil.

O relato da Secretaria de Educação indica que uma obra para construção de equipamento de ensino infantil dura pelo menos mais 24 meses. Uma vez pronto o

espaço físico da escola, a Administração se põe a escolher entidades da sociedade civil organizada sem fins lucrativos que tenham tradição em ensino infantil, para firmar convênios.

Também neste ponto, existe um entrave que está relacionado à dificuldade de encontrar entidades com história e vocação na área de educação no Município. Conta a Secretaria de Educação que no último ano foi preciso denunciar muitas entidades, totalizando a perda de 4 a 5 mil vagas porque as entidades conveniadas tinham baixa qualidade na ação educacional, improbidades trabalhistas, improbidades com relação ao fisco e com relação à prestação de contas do dinheiro que recebeu. Isso depende de constante fiscalização, o que também gera gasto público, e atrasa significativamente a ampliação do número de vagas.

No caso da prestação direta do serviço feito pela Prefeitura, é preciso realizar concurso público para a contratação de professores e funcionários qualificados. Aqui também existe um gargalo importante, já que muitas vezes, nas regiões mais necessitadas, não existem professores qualificados e suficientemente interessados na vaga. Em algumas ocasiões, após a realização do concurso, mesmo que sejam chamados com aprovação para o cargo, professores não tomam posse por terem sido aprovados em outros cargos (em geral estaduais ou federais) com remuneração superior. Na Prefeitura de São Paulo, segundo informa a Secretaria de Educação, isso ocorre menos porque o Plano de Carreira é melhor, mas ainda é uma realidade recorrente. Isso aumenta o tempo entre a realização do concurso e a efetiva posse dos funcionários para que a instituição possa funcionar.

Abaixo se encontra uma demonstração gráfica que resume as etapas para a ampliação do número de vagas no âmbito das três possibilidades acima descritas:

1) Convênios com entidades que já possuam imóveis

2) Construção do equipamento para realização de convênios com entidades

3) Construção do equipamento para administração direta

Conclui-se, portanto, que os principais gargalos para a política pública de educação infantil, apontados pelos atores entrevistados, são (i) o próprio Poder Judiciário e sua lentidão no que diz respeito aos processos de desapropriação; (ii) a inexistência de entidades qualificadas para que a Prefeitura realize o conveniamento; (iii) o desinteresse comum aos cargos de magistério infantil; (iv) a falta de terrenos apropriados para a construção de creches e (v) a demora dos procedimentos que

possibilitem essa construção. Neste ponto, pode-se mencionar também uma crítica feita ao Poder Executivo pelos atores litigantes, no sentido de que a Prefeitura não calcula os custos da política e, principalmente, não realiza um planejamento público de longo prazo por meio de um Plano Municipal de Educação, que estabeleça prazos e metas claras para a criação de novas vagas, como determinado pela legislação.

Todas as entrevistas feitas com pessoas vinculadas à Prefeitura ressaltaram especialmente a questão dos limites dos recursos públicos. Algumas entrevistas informam que a Prefeitura já inicia o ano orçamentário com déficit em função do pagamento de dívida pública e precatórios e precisa respeitar os limites orçamentários para gastos públicos. Outras indicaram que hoje é possível aumentar o número de vagas porque a construção de novos equipamentos está apoiada em parcerias com o Governo do Estado e com o Governo Federal, mas que, se a qualquer momento essas parcerias fossem descontinuadas, a situação seria inviável.

Conforme será verificado adiante, nenhuma dessas questões é considerada pelo Poder Judiciário nas decisões que condenam o Município à concessão de vagas ou à criação delas. Os gargalos da política pública fazem parte da racionalidade política e parecem não estar no âmbito de apreciação pelo Poder Judiciário, mesmo no que se refere àquelas ocasiões em que seus próprios procedimentos atrasam a criação de novas vagas, como é o caso dos processos de desapropriação, que, segundo a Secretaria da Educação, chegam a durar cerca de oito anos.