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Todos os significados conferidos à categoria dos “direitos fundamentais” revelam a noção de direitos “contidos em dispositivos constitucionais”75. Para a compreensão do fenômeno da constitucionalização dos direitos fundamentais, cumpre rememorar o fato histórico, político, jurídico e filosófico denominado constitucionalismo. Segundo Canotilho,

Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Nesse sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos.76

Desse modo, a investigação proposta no presente tópico, que não deixa de ser histórica, revelará a existência de um vínculo indissociável entre os direitos fundamentais, a Constituição e o Estado de Direito ao longo do tempo. Os primeiros documentos aos quais se conferiu o status constitucional são datados do século XVIII. Na época, a burguesia não estava mais satisfeita apenas com o poder econômico e pretendia apoderar-se igualmente do poder político. A partir de então, para legitimar o poder em suas mãos, propôs a elaboração de uma Constituição entendida como a expressão jurídica do acordo político fundante do Estado77, ou seja, para os liberais a Constituição representava o contrato social. Nesse tocante, de acordo com o ideário liberal-burguês:

O melhor instrumento que pode melhor ordenar os regramentos sobre competências e atribuições, de uma maneira neutra e racional (sob a ótica liberal), é a Lei; entretanto, para que vincule inclusive o Estado ao respeito a mesma, ela deve ter um

status diferenciado, capaz de obrigar a todos os entes políticos: o de Lei

Constitucional.78

Para atingir os objetivos acima atribuídos a esse documento que contém normas supremas e para conferir unidade e coerência à ordem constitucional, o constitucionalismo do século XVIII culminou na elaboração de um documento escrito que contém:



75 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2007. p. 54.

76 CANOTILHO, 2003, p. 51. 77 STRECK, 2010, p. 51.

78 LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas hermenêuticas dos direitos humanos e fundamentais no Brasil. Porto

(1) ordenação jurídico-política plasmada num documento escrito; (2) declaração, nessa carta escrita, de um conjunto de direitos fundamentais e do respectivo modo de garantia; (3) organização do poder político segundo esquemas tendentes a torná- lo um pode limitado e moderado.79

Enquanto elementos fundantes da ordem constitucional, as reflexões em torno da “Constituição” e dos “direitos fundamentais” partiam do pressuposto de que estes dois institutos correspondiam a “manifestações paralelas e unidimensionadas da mesma atmosfera espiritual. Ambas se compreendem como limites normativos ao poder estatal.”80 Além desse caráter limitador, o núcleo material das primeiras Constituições escritas, de molde liberal- burguês, era constituído por alguns dos direitos fundamentais de primeira dimensão e pelo princípio da separação dos poderes. Destaca-se que não obstante os direitos civis e políticos corresponderem à fase inicial do constitucionalismo ocidental, eles “continuam a integrar os catálogos das Constituições no limiar do terceiro milênio, ainda que lhes tenha sido atribuído, por vezes, conteúdo e significado diferenciados.”81

Com a consagração formal desses direitos, a sua concretização passou a ser tarefa permanente do Estado Liberal de Direito que se estruturava e era regido por uma Constituição escrita alicerçada nos direitos fundamental e na limitação do poder estatal82. Streck e Morais sustentam que o Constitucionalismo é o núcleo político-jurídico do liberalismo que se firmou com

[...] o estabelecimento de um documento fundamental acerca dos limites do poder político é crucial para a garantia dos direitos fundamentais dos indivíduos, bem como para traçar os marcos da atividade estatal, não só pela limitação de seus poderes como também pela divisão de suas funções. A Constituição escrita estatui limitações explicitas ao governo nacional e aos estados individualmente e institucionaliza a separação dos poderes de tal maneira que um controla o outro (checks anf balances dos americanos), e o Judiciário aparece como salvaguarda para eventuais rupturas, em particular através do judicial review.83

Em outras palavras, afirma-se que a constitucionalização decorreu e desencadeou a limitação e a sistematização do poder estatal pela lei, como medida imprescindível à garantia dos direitos dos indivíduos. Desse modo, o processo de elaboração das Constituições escritas está intimamente relacionado ao surgimento dos direitos fundamentais e à estruturação de uma nova forma de ordenar o poder político, qual seja, o Estado de Direito.

 79 CANOTILHO, 2003, p. 52. 80 SARLET, 2011, p. 58. 81 SARLET, 2011, p. 47. 82 SARLET, 2011, p. 59. 83 STRECK, 2010, p. 59-60.

No final do século XIX e início do século XX, as Constituições de molde liberal – que reconheciam apenas os direitos fundamentais de primeira dimensão – já não protegiam satisfatoriamente grande parte da população mundial, que experimentava as consequências da desigualdade crônica característica da época. Nesse momento histórico, exigia-se do Estado uma postura ativa concretizadora de prestações direcionadas à satisfação das necessidades básicas. A existência de desníveis sociais injustos demandava a implementação de uma nova ordem social que assegurasse a todos um nível compatível de proteção com a dignidade humana e na qual todos deveriam receber proteção e ter acesso aos bens sociais.

Em decorrência disso, as Constituições do segundo pós-guerra e diversos pactos internacionais reconheceram a fundamentalidade de novos direitos, de cunho eminentemente social, os quais se distinguem dos clássicos direitos de liberdade e igualdade, pois “nasceram abraçados ao princípio da igualdade, entendida num sentido material”84. Com o reconhecimento dos direitos sociais, a Constituição do Estado Social assume o compromisso de efetivamente concretizar a igualdade pela realização de interferências diretas nas condições de vida dos indivíduos. Esse texto constitucional impõe ao poder público a tarefa de disseminar os benefícios da sociedade contemporânea a todos os grupos sociais. Entretanto, “precisa ser referido que, mesmo sob o Estado social de Direito, a questão da igualdade não obtém solução, embora sobrepuje a sua percepção puramente formal, sem base material.”85

Diante da constatação acima, o Estado Democrático de Direito surgiu também do constitucionalismo do segundo pós-guerra. A Constituição do Estado Democrático de Direito “não é um mero instrumento de governo, enunciador de competências e regulador de processos, mas, além disso, enuncia diretrizes, fins e programas a serem realizados pelo Estado e pela Sociedade”86, ou seja, ela representa um instrumento de garantia jurídica87. A constitucionalização do princípio democrático objetiva a redução das diferenças econômicas e sociais, pois o interesse da maioria somente prevalecerá quando ela dispor de condições concretas de participar da vida social. A partir de então, “a Constituição é colocada no ápice de uma pirâmide escalonada, fundamentando a legislação que, enquanto tal, é aceita como poder legítimo.”88 A CF/88 institucionalizou no Brasil o Estado Democrático de Direito.

Certo é que, independentemente da tendência adotada texto constitucional, no Estado de Direito vige o império da lei, a qual é válida e de necessária observância tanto para os

 84 SARLET, 2011, p. 47-48. 85 STRECK, 2010, p. 97. 86 STRECK, 2010, p. 106. 87 STRECK, 2010, p. 98. 88 STRECK, 2010, p. 100.

cidadãos quanto para as autoridades que estão à frente de um dos poderes estatais, cuja organização e atuação são legitimadas pelo povo, ressaltando daí o seu caráter essencialmente democrático89. É válido ressaltar que, se outra fosse a localização dos direitos fundamentais na ordenação jurídica de um Estado que não na Constituição, eles não passariam de meros enunciados ou aspirações, pois não estariam protegidos de acordo com as especificidades que cercam as normas constitucionais90.

Para concluir, sustenta-se, atualmente, a existência de vários constitucionalismos. Nesse sentido, cada Constituição, além de possuir um núcleo básico que carrega todas as conquistas antes narradas e comuns a todos os países que adotaram formas democrático- constitucionais de governo, também dispõe de um núcleo específico referente às peculiaridades de cada Estado Nacional91, o qual é representado pelo conjunto de direitos sociais-fundamentais consagrados em cada texto constitucional com a finalidade última de transformar a realidade.