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3.3 Instrumentos de Medida e de Coleta de Dados

3.3.3 O processo de observação da discussão dos grupos

Uma forma adicional de coleta de dados deste trabalho foi a observação dos grupos, visto que ela possibilitou uma análise mais aprofundada das características e dos aspectos da discussão, bem como uma complementação da análise quantitativa. Esta complementação de métodos é sugerida por Vieira (2008), aconselhando que o problema de pesquisa deve ser analisado a partir de visões qualitativas e quantitativas, utilizando, assim, a triangulação metodológica. Segundo o autor, isso enriquece demasiado o conhecimento acerca do problema que está sendo pesquisado. Essa possibilidade de aliar os dois tipos de pesquisa demonstra que elas não são, na sua essência, dicotômicas, mas como afirma Martin (1990,

apud Vieira, 2008), podem caminhar juntas, pois pertencem a um continuum, como métodos

mistos no ponto médio da escala.

Selltiz et al. (1974) salientam algumas vantagens das técnicas de observação, tais como o fato de permitirem o registro do comportamento da forma como ele ocorre e a possibilidade de registrar os acontecimentos simultaneamente com sua ocorrência espontânea. Entretanto, nem todos os fatos podem ser percebidos ou observados (KLEIN, 1965), dadas as limitações intrínsecas do observador.

O procedimento observacional realizado neste trabalho, conforme a caracterização de Friedrichs (1973 apud FLICK, 2009), pode ser classificado como (a) observação pública, visto que os observados têm conhecimento da presença do observador; (b) observação não- participante, pois o observador não é um componente ativo no campo observado; (c) observação sistemática, dada a aplicação de um sistema de observação mais ou menos padronizado; (d) observação em situação artificial, pois o processo analisado será realizado em um laboratório de informática e não em uma situação real/natural; e (e) observação dos outros ao invés de auto-observação, visto que o observador manterá distância dos eventos observados, a fim de evitar ao máximo influenciá-los.

Ainda, todo pesquisador que realiza um estudo observacional deve responder a quatro questões amplas, conforme ressaltam Selltiz et al. (1974): (1) O que deve ser observado? (2) Como registrar as observações? (3) Que processos devem ser usados para garantir a exatidão das observações? (4) Que relação deve existir entre o observador e o observado, e como é

possível estabelecer tal relação? Cada uma dessas perguntas é respondida nas sub-seções a seguir.

3.3.3.1 O que deve ser observado?

A primeira indagação, “O que deve ser observado?”, está relacionada à problemática de pesquisa e aos objetivos do trabalho. Neste caso, a observação recaiu sobre o comportamento de decisão do grupo, especificamente, o conteúdo da discussão do grupo para chegar a uma decisão referente à tarefa proposta. Ao observador coube analisar quais as pistas citadas, com que freqüência elas apareciam na discussão e a importância delas para a tomada de decisão do grupo. Ainda, foram observados e anotados comentários interessantes dos participantes não relacionados às pistas do mistério, como sobre o sistema de coleta de dados, do próprio experimento, da facilidade/dificuldade de compreensão das pistas e da tarefa, da presença do observador, etc. A forma como o grupo decide também foi analisada pelo observador.

3.3.3.2 Como registrar as observações?

Como a observação aplicada nesta pesquisa será sistemática, o pesquisador, de antemão, sabe quais são os aspectos da atividade do grupo significativos para contemplar seus objetivos, portanto pode criar um plano específico, antes da coleta de dados, para a realização e os registros de observações (SELLTIZ et al., 1974). Desta forma, o segundo questionamento, “Como registrar as observações?”, remete a elaboração de um instrumento de avaliação baseado em um esquema estruturado, claro, ordenado, facilitando a análise dos observadores. Isso representa uma tentativa consciente de classificar informações sobre os acontecimentos do grupo de modo que possa ser usada comparativamente ao dos outros observadores. Conforme ressalta Klein (1965), quanto mais ordenado o esquema, tanto mais facilmente será lembrado pelo observador, adaptando-se assim as finalidades da pesquisa.

A planilha de observação encontra-se no Apêndice E. Todos os observadores receberam instruções, por escrito, sobre o preenchimento desse instrumento. Conforme as instruções, inicialmente, eles deveriam completar os dados de identificação, que abrangem a caracterização do observador e do grupo observado, como a cor e o número dos cartões dos participantes. Cada cor foi convertida em um código, traduzido pela inicial da mesma, a fim

de facilitar a codificação da observação, por exemplo: Rosa (R), Amarelo (A) e Verde (V). Após, registrava-se o horário de início da discussão do grupo. A etapa seguinte deveria ser preenchida durante a seção de discussão, pois está relacionada às pistas discutidas pelo grupo. A Figura 29 demonstra como foi elaborada a planilha de observação, para que os observadores descrevessem as pistas discutidas.

Figura 29 - Exemplo da planilha de observação sobre a discussão das pistas Fonte: Elaborado pela autora.

Na planilha de observação, todas as pistas do Mistério forma numeradas e tiveram os aspectos mais importantes grifados em negrito, a fim de facilitar a orientação do observador. A dinâmica de preenchimento dessa planilha foi a seguinte: cada vez que alguém mencionava uma determinada pista, o observador anotava o comentário nas colunas laterais da planilha, sempre na vertical e na ordem como são faladas. Toda vez que uma pista era citada, ela deveria ser anotada. Para tanto elaborou-se também um código de observação, que resume-se à: se alguém FALOU alguma coisa, utiliza-se a letra “F”; se alguém CONCORDOU com esta afirmação, utiliza-se a letra “C”; e se alguém DISCORDOU, utiliza-se a letra “D”.

Assim, o procedimento de anotação das pistas seguiu uma ordem de codificação, baseada no número da pista, no código da observação e no código da cor do participante. Por exemplo, se o participante Verde falou alguma coisa sobre a pista 5, o observador deverá anotar “5 F V”, sendo 5 igual ao número da pista, F referente à ação de “falar” e V de verde, a cor do participante.

No final da planilha de observação ainda havia um espaço destinado ao observador, para que ele complementasse a análise pontual realizada anteriormente, caso necessário, ou descrevesse informações extras discutidas pelo grupo. Klein (1965, p. 23) apóia essa dinâmica de observação e anotação, destacando que “anotar, simplesmente, quem fala a quem, e por quanto tempo, é uma técnica surpreendentemente frutífera”.

Após a discussão do grupo, quando os membros retornavam aos seus computadores para cumprir com a segunda etapa da tarefa, os observadores finalizavam o preenchimento da

Pistas Observações

BILL

1 Bill e a vítima jogavam golf todos os sábados as 7:00 hs da manhã. 2 De acordo com registros policiais a vítima havia acusado Bill de fornecer

peças defeituosas para a sua empresa.

3 Em uma entrevista, a mulher de Bill disse que seu marido teve uma breve discussão com a vítima por telefone na manhã do assassinato.

4 Bill deixou a sua casa, de carro, no sábado do assassinato as 6:20 hs da manhã.

planilha, completando as questões abertas e realizando observações que não puderam ser feitas no decorrer da discussão.

3.3.3.3 Quais os processos utilizados para garantir a exatidão das observações?

A terceira indagação abrange os processos usados para garantir a exatidão das

observações. Processos corretos e coerentes na elaboração do instrumento de avaliação

aumentam a precisão da observação, supondo-se que os observadores tenham sido treinados para interpretar de forma semelhante suas instruções e tenham competência para classificar os registros adequadamente (SELLTIZ et al., 1974). Assim, um método importante para aumentar a precisão das observações é o treinamento cuidadoso dos observadores.

Neste experimento, os dois aspectos mencionados foram trabalhados de maneira cautelosa. Quanto ao primeiro, referente à elaboração do instrumento de avaliação, optou-se por apresentar grande parte das pistas que deveriam ser observadas e assinaladas de maneira objetiva, minimizando, assim, a sobrecarga de informação para o observador. Igual cuidado foi tomado no treinamento dos observadores, que aconteceu durante uma manhã e reuniu todos os observadores (seis) e a pesquisadora. Com relação aos observadores, todos tiveram participação voluntária, e caracterizaram-se como 5 mulheres, dentre elas 4 estudantes de graduação e uma estudante de pós-graduação; e 1 homem, estudante de pós-graduação.

A primeira etapa do treinamento consistiu na apresentação dos objetivos da pesquisa e uma breve explanação sobre a mesma. Após, os observadores foram convidados a realizar a tarefa experimental, no sistema desenvolvido para tal finalidade, para que eles conhecessem o funcionamento do experimento. Antes de iniciarem, a pesquisadora leu as instruções para a realização da tarefa e distribuiu um questionário individual para a avaliação da tarefa, do sistema, das instruções e das pistas (Apêndice D).

Quando todos os observadores terminaram a realização da tarefa e responderam ao questionário, foi feita uma seção de discussão sobre a tarefa experimental. Dessa discussão, surgiram algumas observações importantes quanto a alguns ajustes no sistema de coleta de dados e nas pistas do mistério.

A etapa posterior consistiu na explanação, por parte da pesquisadora, de como deveria ser conduzido o processo de observação. Para tanto, os observadores receberam as planilhas de observação e foram instruídos a como utilizá-las. Alguns exemplos foram dados para facilitar a compreensão do preenchimento das mesmas.

Na realização do pré-teste do experimento, junto a 15 alunos de graduação de uma instituição privada, os observadores realizaram a primeira observação dos grupos, a fim de treinar para as aplicações oficiais da tarefa. Após esse exercício, todos reuniram-se com a pesquisadora para passar um feedback da experiência e sugerir melhorias no processo. Dessa reunião, ficou resolvido que todas as discussões dos grupos seriam gravadas para que o observador conseguisse preencher as planilhas de forma mais completa ao final de cada seção. Ainda, eles deveriam focar, durante a discussão, nas pistas que estavam sendo ditas e em quem as falava, além de anotar aspectos relativos ao comportamento do grupo.

3.3.3.4 Qual a relação entre observador e observados?

Finalmente, em resposta a última pergunta, “Que relação deve existir entre o

observador e o observado, e como é possível estabelecer tal relação?”, salienta-se que

buscar-se-á manter neutralidade quanto ao papel do observador, seguindo os conselhos de Selltiz et al. (1974), de que, sempre que possível, os pesquisadores tentam criar a impressão de um observador como uma pessoa neutra, psicologicamente invisível. Durante o treinamento dos observadores, aspectos como a postura deles perante os observados foram ressaltados. Ademais, os observadores não deveriam emitir opinião, nem mesmo falar com os observados durante a discussão do grupo. Essa questão é a que traz maior limitação quando se utiliza o método observacional, visto que o ato da observação pode influenciar os observados (FLICK, 2009), acarretando em mudanças de comportamento das formas mais imprevisíveis (AAKER, KUMAR e DAY, 2004).