• Nenhum resultado encontrado

O processo de estruturação da cidade e o planejamento na política urbana local

A geografia da cidade hoje é reflexo e produto de ações que se deram no passado. Como nos aponta Milton Santos, é preciso estar atento às rugosidades, pois essas são produtos de tempos e espaços passados, que se revestem de conteúdos com significados e histórias. Ignorá-las é esquecer e perder o seu sentido.

A região da Alta Sorocabana, na qual está inserida Presidente Prudente, foi uma região de expansão cafeeira no Estado.

Esse aspecto é importante, pois foi o demarcador de algumas das características fundamentais que hoje reveste o processo de urbanização da cidade, visto que a ocupação do espaço urbano foi diferenciada refletindo as características de seus fundadores: o Coronel Francisco de Paula Goulart e o Coronel José Soares Marcondes. A colonização empreendida pelo Coronel Francisco de Paula Goulart foi marcada pelo pioneirismo, pelo individualismo e pela ausência de capital financeiro investido, a não ser a própria terra herdada, como afirma Abreu. A colonização empreendida pelo Coronel José Soares Marcondes apresentava um caráter empresarial e suporte financeiro, representando “a fase da especulação capitalista, das grandes companhias de colonização”. (Ibid., p.80)

As diferentes formas empreendidas na ocupação da cidade resultaram em reflexos na configuração espacial de Presidente Prudente, consolidando formas de produção e apropriação do espaço diferenciada. Por tais razões, Sposito (1983:69) afirma que “a bipolaridade da origem urbana de Presidente é uma herança que até hoje se manifesta na expansão territorial da cidade”.

Apoiando-se em estudo da mesma autora, podemos estabelecer alguns marcos temporais, situando os eixos de expansão da cidade. Na década de 1930, o crescimento da cidade é orientado em função do espigão ocupado pela ferrovia; nas décadas de 1940 e 1950, essa tendência se manteve. A segunda metade da década de 1950 foi marcada por uma paralização no processo de implantação de loteamentos. Na década de 1960, alguns loteamentos estabeleceram-se, mas foi especificamente na década de 1970 que Presidente Prudente teve um impulso sem precedentes em sua expansão territorial.

Estudos do sítio urbano do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado, efetuados pela equipe de trabalho do Centro de Pesquisa e Estudos Urbanísticos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, também corroboram essa posição ao afirmarem que “durante tôda a evolução, o crescimento do tecido urbano deu-se sempre por agregação de loteamentos às áreas urbanizadas”. (Plano Diretor, 1969, p.300)

Utilizando a pesquisa de Sposito (1983), apontaremos algumas características básicas no processo de implantação de loteamentos em Presidente Prudente.

O expressivo número de implantação de loteamentos irregulares na cidade foi a característica mais marcante até a década de 1970, devido, em grande parte, às particularidades de que se revestia o poder público local na forma personalista de administrar a cidade. A partir da década de 1970, com uma administração pública empresarial e legalista, adota-se uma nova postura quanto à prática de

implantação de loteamentos na cidade, passando às incorporadoras imobiliárias. Essas medidas, segundo Sposito, foram determinantes no processo de acentuação da segregação sócio-espacial na cidade, visto que estimulou a introdução do capital imobiliário na cidade, através da implantação de loteamentos regularizados, elevando-se os preços dos terrenos, assim como a expansão do perímetro urbano ao incorporar essas novas terras, beneficiando o grande capital imobiliário em detrimento dos pequenos proprietários de terras.

Outra característica marcante diz respeito à proliferação de loteamento sem benfeitorias e ao aumento de aquisições de terras urbanas para fins de investimentos, ou seja, como valor de troca.

O que podemos apreender dessa primeira análise do processo de estruturação urbana de Presidente Prudente é que houve dois processos paralelos de ocupação de terras urbanas, com reflexos na configuração espacial. O processo de estruturação deu-se a partir da implantação de loteamentos urbanos, caracterizando-se em cada fase um eixo de expansão com particularidades próprias.

Neste sentido, a pesquisa de Melazzo (1993) assinala a presença marcante do mercado fundiário no processo de estruturação do espaço intra-urbano prudentino, confirmando que os negócios imobiliários estão centralizados no elevado número de transações com terrenos, em oposição ao de casas e apartamentos. Outra conclusão relevante trata que a demanda por terra não significa, necessariamente, uma demanda por habitação, ou seja, o processo de expansão territorial e de estruturação intra-urbana em Presidente Prudente está fortemente ancorado no processo especulativo, processo característico de um mercado capitalista.

A atividade de planejamento, como uma sistemática e um método de ação no âmbito da administração pública de Presidente Prudente, não se constitui em uma tradição. Marisco (1997), a partir da análise histórica do papel desempenhado pelo planejamento municipal especificamente nas décadas de 1960 e 1970 (1960-1973), no que se refere à política de desenvolvimento urbano local, concluiu que essa prática não foi usual e nem incorporada pelo poder público. As primeiras tentativas referiram-se à aprovação de dois planos de caráter setorial, ambos elaborados na administração do prefeito Watal Ishibashi (1965-1968).

O primeiro tratou-se do PLAME (Plano Mínimo de Educação), a partir da aprovação da Lei no. 1.153, de 16 de setembro de 1966. Teve por objetivo a definição de uma política educacional para o município. O segundo foi o Plano Sanitário e de Promoção Social (Lei No. 1.340, de 12 de dezembro de 1968), e teve por objetivo promover políticas públicas municipais no atendimento da área da saúde e assistência social. Os planos foram implantados apenas em parte devido à mudança administrativa não foi dada continuidade aos mesmos.42

No âmbito das políticas de desenvolvimento urbano, podemos afirmar que inexistia em Presidente Prudente, até a década de 1960, um órgão que cuidasse dessa questão, seja no nível público (da Prefeitura Municipal) ou privado (empresa de assessoria e ou consultoria). Será somente na década de 1960 que se tem conhecimento das primeiras tentativas por parte do poder público local de elaboração de um instrumento capaz de propor diretrizes de desenvolvimento urbano, pautado em ações sistematizadas e de regulação urbanística – o Plano Diretor.43

O que permeou a elaboração do primeiro Plano Diretor da cidade foi a política de descentralização industrial relacionada à “criação de pólos de desenvolvimento”, promovida pelo governo federal. Esta política tinha como objetivos promover e estimular uma urbanização em sentido oposto ao das metrópoles brasileiras, agora no sentido do interior. Com isso, acreditava-se, estimularia processos migratórios e o desenvolvimento para outros espaços e regiões do país.

Pesquisas de Joseph Lebret (1954) e Ernesto Groth (1968) apontam os objetivos dessa política regional e o papel da CIBPU - Comissão Interestadual da Bacia Paraná-Uruguai, que constituiu o elemento principal para entender a implantação do Distrito Industrial de Presidente Prudente e a elaboração do Plano Diretor.

É a partir dos estudos efetuados da elaboração do Plano (na fase de diagnóstico) e na fase de diretrizes de implantação, que é elaborada a primeira proposta de Lei de Zoneamento de Uso e Ocupação do Solo para a cidade. Até então, as práticas usuais de uso e ocupação do solo estavam ao sabor dos proprietários fundiários e empreendedores imobiliários, desvinculado de uma Lei que regulasse essa ocupação e uso.

Alguns trechos da entrevista concedida pelo ex-prefeito municipal, Sr. Walter Lemes Soares (1973-1977) atestam como era esse processo: “(...) o que se fazia em Presidente Prudente estava fora, quer dizer crescia a cidade, a prefeitura aprovava projeto aleatoriamente, (...) aprovava-se um loteamento distante um, dois Km as vezes do último núcleo habitacional e não havia exigência nenhuma pro loteador” (informação verbal). O Sr. Alfredo Morishita, integrante da equipe técnica da prefeitura municipal, à época de aprovação do Plano Diretor reitera o acima exposto quando afirmou: “(...) Os próprios políticos aprenderam a andar na linha, como se diz, não da maneira que eles achavam que devia ser. (...) O plano diretor foi uma linha de muita importância para a cidade, os políticos, para toda a cidade. Porque o povo tava (sic) mal acostumado também. Queria fazer um salão de discoteca, num bairro residencial. (...) A partir da aprovação desse plano diretor, as pessoas passaram a respeitar mais a cidade” (informação verbal).

43 Em Marisco (1997), encontra-se detalhadamente o processo histórico de constituição e elaboração do primeiro Plano

Das constatações expostas, podemos aferir que as características que marcaram o processo de ocupação da cidade, a atuação do poder público local através de medidas intervencionistas no espaço urbano, ou ainda como mediador de interesses locais diversos, o papel exercido pelo capital imobiliário local e a ausência de uma cultura de planejamento urbano no âmbito da administração são fatores determinantes na configuração espacial da cidade e de seu processo de reestruturação.

A seguir, procuraremos identificar o papel dos diversos agentes responsáveis no processo de expansão e reestruturação urbana e desdobramentos sócio-espaciais para as décadas de 1970 e