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Foto 2 Foto da Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor Raimundo

1 FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL: IMPLICAÇÕES NO

1.4. ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A FORMAÇÃO PARA A DOCÊNCIA

1.4.1. O professor reflexivo – o paradigma da epistemologia da prática

A concepção de formação, assentada na formação reflexiva de professores e na construção de competências profissionais, sob o enfoque da nova epistemologia da prática, localiza-se originariamente nos estudos sobre educação profissional realizados por Donald Schön, que desenvolve o conceito de formação de profissionais reflexivos a partir da crítica ao modelo de racionalidade técnica de tradição positivista adotado nos currículos das escolas profissionais de seu país Introduz o papel da reflexão procurando suprir as carências deixadas por uma perspectiva de predominância técnica.

Schön (2000) vem propondo uma nova epistemologia, que advém do conhecimento que os profissionais constroem a partir da reflexão sobre as suas práticas, “pensar o que fazem, enquanto fazem”, em situações de incerteza, singularidade e conflito. Parte do pressuposto de que há um dilema entre rigor e relevância na formação profissional e que os educadores estão cada vez mais cientes da existência de “zonas indeterminadas na prática”, as quais, segundo ele, demandam um talento artístico que é obstaculizado, impedido de se manifestar, por causa da adoção, nas escolas profissionais, de currículos normativos. Propõe, então, um ensino prático reflexivo, baseado numa epistemologia da prática que abra espaço para o talento artístico, apresentando outros dois conceitos: conhecimento-na-ação e reflexão-na-ação.

Segundo Alarcão (1996), a fertilidade do conceito de ensino reflexivo vem da atualidade dos temas que contempla, como a necessidade de um professor capaz de atuar em situações complexas, da aproximação entre a teoria e a prática, da proposta da reflexão e da formação para a reflexão. Alarcão (1996) enfatiza ainda que o conceito de reflexão-na-ação proposto por ele teve grande peso na difusão da necessidade de formar o profissional, neste caso o professor, que reflete sobre a sua própria prática e cuja reflexão venha a ser um instrumento de desenvolvimento do pensamento e da ação.

A epistemologia da prática é fundamentada na reflexão do profissional sobre a sua prática, no intuito de encontrar respostas as questões do exercício profissional diário. Schön revaloriza o conhecimento que vem da prática refletida e que instiga os profissionais a seguirem aplicações rotineiras conhecidas, bem como a criar respostas a questões problemáticas, através da invenção de novos saberes Schön citado em Nóvoa (1992).

Há, no entanto, que se observar a tendência dos professores de limitar sua reflexão à sala de aula e ao contexto imediato, o que levaria a um reducionismo do conceito de ensino reflexivo. As críticas Alarcão (1996); Zeichner (1993) a este autor estão centradas, principalmente, no fato de ele desconsiderar a dimensão contextual na qual a atividade reflexiva está ligada. Schön trata a relação dialógica e a reflexão como um processo solitário no qual o professor se mantém em comunicação apenas com a sua situação, sem interagir com os demais profissionais e com o contexto em que ocorre a prática.

Nessa direção, Zeichner apud Geraldi, et al (1998, p. 266) compreende que a reflexão deve envolver a contextualização sociopolítica e que esta manifesta-se entre outros fatores nas condições de trabalho “envolvem desde a falta de habilidades, a má remuneração, a jornada dupla de trabalho, a falta de horário para o preparo das aulas ou de estudos, a classe superlotada a falta de controle sobre as decisões na escola, a burocratização do ensino (...)”. O autor volta seus estudos para a valorização e para a autonomia profissional e acadêmica do trabalho docente, procurando levar os professores a refletirem sobre as dimensões que permeiam a sociedade, sejam políticas, sociais ou econômicas.

Zeichner apud Geraldi, et al (1998, p.245) menciona ainda:

No meu trabalho com os professores, tento ajudar a ampliar a conversa sobre os fatores sociais e políticos, para analisar e examinar o que acontece cotidianamente na sala de aula. Não é uma análise acadêmica abstrata, distanciada da sala de aula. Os professores fazem muitas escolhas e opções todos os dias que afetam a vida, as oportunidades e as chances das crianças e que têm implicações para a igualdade e a justiça sociais.

Faz-se necessário entender aqui a teoria e a prática como partes de um mesmo objeto, a construção do conhecimento. Essas partes são inseparáveis, “pois não existe teoria sem prática e nem prática alguma sem teoria”, porém, entendemos, com base em Zeichner (1993), que aquela não é necessariamente a produzida por pesquisadores acadêmicos, antes pode ser a teoria originada nas considerações de professores na pesquisa de suas práticas cotidianas. Dessa forma, a teoria não possuiria a exclusividade de “iluminar” a prática, mas poderia resultar em uma produção de teoria. Olhando sob esse enfoque, a reflexão sobre a prática pode trazer soluções para os problemas no cotidiano da sala de aula numa articulação entre problemas práticos e proposta de solução, clareando os objetivos, os princípios e as

estratégias docentes que devem ser levadas àprática.

Assim como indicado por Paulo Freire (1997, p. 32), “faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa”. Freire, no contexto de uma prática reflexiva

crítica, chama a atenção para a importância do profissional, como sujeito histórico-cultural, que produz uma prática pedagógica rica e significativa e que considera valores como “amorosidade, respeito aos outros, tolerância, humildade, gosto pela alegria, gosto pela vida, abertura para o novo, disponibilidade à mudança, persistência na luta, recusa aos fatalismos, identificação com a esperança, abertura à justiça” Freire (1997, p. 36). Esses são importantes saberes, produtos de ações pedagógicas, cultivados no espírito democrático e não apenas saberes produzidos com ciência e técnica.

O caminho aberto pela necessidade de reflexão, como modelo de formação, propôs uma série de intervenções que tornou possível, ao nível teórico e prático, um novo modo de ver, perceber e atuar na formação dos professores. Com todas as críticas e acréscimos que se façam à proposta feita por Schön, é inegável a sua contribuição para uma nova visão da formação. A grande crítica que se coloca contra Schön não é tanto a realização prática de sua proposta, mas seus fundamentos pragmáticos. A questão que parece central é que o conhecimento pode e vem também da prática, mas não há como situá-lo exclusivamente nela. É decorrente desta redução que se faz da reflexão situada nos espaços limitados da sala de aula que se situa a crítica ao conceito de professor reflexivo.

Entendemos que essa crítica é exclusiva à razão técnica, pois a racionalidade técnica consiste numa epistemologia da prática que deriva da filosofia positivista e se constrói sobre os próprios princípios da investigação universitária contemporânea Schön (1992). A racionalidade técnica defende a idéia de que os profissionais solucionem problemas instrumentais mediante a seleção dos meios técnicos. Para Schön (1992) os profissionais da prática que são rigorosos resolvem problemas instrumentais bem estruturados mediante a aplicação da teoria e a técnica que derivam do conhecimento sistemático. O questionamento a este tipo de profissionalização é que quando se esgota o repertório teórico e os instrumentos construídos como referenciais, o profissional não sabe como lidar com a situação. É diante disto que se justifica a proposta de Schön; o impasse foi ele ter reduzido a reflexão, como proposta alternativa para a formação, ao espaço da própria técnica.

Schön concebe que o conhecimento não se aplica somente à ação, mas está imbricado nela, porém isso não quer dizer que seja exclusivamente prático. Se assim o fosse estaríamos reduzindo todo saber a sua dimensão prática e excluindo sua dimensão teórica. O conhecimento é sempre uma relação que se estabelece entre a prática e as nossas interpretações da mesma; é a isso que chamamos de teoria. A reflexão sobre a prática constitui o questionamento da prática, e um questionamento efetivo inclui intervenções e mudanças. Para isto há de se ter, antes de tudo, a capacidade de questionamento e de

autoquestionamento - pressupostos para a reflexão. Esta não existe isolada, mas é resultado de um amplo processo de procura que se dá no constante questionamento entre o que se pensa (enquanto teoria que orienta uma determinada prática) e o que se faz.

A importância da contribuição de Schön consiste no fato de ele destacar uma característica fundamental do ensino: é uma profissão em que a própria prática conduz necessariamente à construção do conhecimento específico e ligado a ação, que só pode ser adquirido através do contato com a prática, pois trata-se de um conhecimento tácito, pessoal e não sistemático.

Segundo Alarcão (1996), a difusão das idéias de Schön contribuiu para que se produzisse a imagem de um professor mais ativo, crítico e autônomo, livre para fazer escolhas e tomar decisões, contestando aquela imagem do profissional cumpridor de ordens que emanam de fora das salas de aula.

Contudo, embora os estudos de Schön tenham contribuído para a construção da prática pedagógica reflexiva do docente, opondo-se ao modelo teórico da racionalidade técnica, esses estudos têm sofrido algumas críticas, dentre elas, aquelas apontadas por Zeichner: o reducionismo e a excessiva valorização do professor de forma individual como agente capaz de identificar e interpretar as situações problemáticas que perpassam sua prática. Outro ponto é quanto a limitação da abordagem de Schön em relação ao processo de reflexão à prática imediata, desconsiderando as implicações sociais e políticas que interferem na prática educativa. A esse propósito corroborando as preocupações de Zeichner, numa ampliação à perspectiva de profissional reflexivo, explorado por Schön, Giroux (1997) apresenta a idéia de professor como intelectual crítico, intelectual transformador. Segundo Giroux (1992, p.161-163):

Ao encarar os professores como intelectuais, podemos elucidar a importante idéia de que toda a atividade humana envolve alguma forma de pensamento. Nenhuma atividade, independente do quão rotinizada possa se tornar, pode ser abstraída do funcionamento da mente em algum nível. Este ponto é crucial, pois ao argumentarmos que o uso da mente é uma parte geral de toda a atividade humana, nós dignificamos a capacidade humana de integrar o pensamento e a prática, e assim destacamos a essência do que significa encarar os professores como profissionais reflexivos. [...]

Num sentido mais amplo, os professores como intelectuais devem ser vistos em termos dos interesses políticos e ideológicos que estruturam a natureza do discurso, relações sociais em sala de aula e valores que eles legitimam em sua atividade de ensino. Com esta perspectiva em mente, gostaria de concluir que os professores deveriam se tornar intelectuais transformadores se quiserem educar os estudantes para serem cidadãos ativos e críticos.

Para Giroux (1997, p. 163), portanto, o professor como intelectual crítico transformador transcende a figura do professor reflexivo da prática, proposto por Schön. Em sua perspectiva, os intelectuais transformadores têm o papel de articular a linguagem da crítica e a linguagem da possibilidade, tendo como implicação a tarefa da manifestação contra as injustiças econômicas e sociopolíticas dentro e fora da escola.

Contreras (2002, p. 162), numa análise comparativa entre intelectual crítico e o professor reflexivo, diz que “Giroux representa o conteúdo de uma nova prática profissional para os professores, mas não expressa as possíveis articulações com as experiências concretas dos docentes”. O paradigma do professor reflexivo expressa essas articulações com a prática, mas não indica uma orientação finalística para a prática. Daí propõe a concepção de reflexão crítica, baseando-se, principalmente, nas proposições de Stephen Kemmis.

Para Contreras (2002, p. 162), numa paráfrase ao pensamento de Kemmis, “a reflexão crítica não se refere apenas ao tipo de meditação que possa ser feita pelos docentes sobre suas práticas e as incertezas que estas lhes provoquem, mas supõe também “uma forma crítica” que lhes permitiria analisar e questionar as estruturas institucionais em que trabalham”.

Contreras (2002, p. 163) complementa dizendo que:

[...] a reflexão crítica não se pode ser concebida como um processo de pensamento sem orientação. Pelo contrário, ela tem um propósito muito claro de definir-se diante dos problemas e atuar conseqüentemente, considerando como situações que estão além de nossas próprias intenções e atuações pessoais, para incluir sua análise como problemas que têm uma origem social e histórica.

O que se pode depreender, fundamentalmente, é que pelas janelas da reflexão abertas por Schön, entraram idéias da pesquisa junto ao trabalho do professor e dele próprio que se vem trazendo grande fertilidade em torno da figura do professor na produção acadêmica em defesa da formação do professor numa perspectiva crítica e social. Nesse contexto de produção científica há um conjunto de idéias implícitas quanto ao que seja o conhecimento, a pesquisa, a reflexão, a tarefa do professor, numa perspectiva qualitativa.

Esses conceitos, bastante caros à formação docente têm sido ressignificados voltados para a efetividade da reflexão e produção do conhecimento profissional do educador e, em especial, de valorização das práticas escolares, na formação docente.