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O professor universitário e o professor formador

4. A FORMAÇÃO DOCENTE E O PROFESSOR FORMADOR

4.3. O professor universitário e o professor formador

Nossa discussão sobre o professor universitário seguirá por duas direções: o professor da universidade pública e o professor da universidade privada; não nos prenderemos na discussão sobre as diferenças entre as universidades, pois seria certamente uma discussão muito complexa. Nosso objetivo é discutir a formação dos professores que ensinam Estocástica e, para isso, buscamos uma reflexão sobre a atuação dos professores formadores em termos gerais.

O professor que atua na universidade pública vive o conflito entre a pesquisa e a docência, deixando na maior parte das vezes a docência para o segundo plano. Zabalza (2004; p.154), com relação ao dilema entre a formação para a docência e a formação para a pesquisa, afirma:

Isso faz com que, embora possa soar contraditório, a docência transforme-se em uma atividade marginal dos docentes. Na realidade, são muitos, e de muito poder no organograma das universidades, os que defendem que, para ser um bom professor universitário, o mais importante é ser um bom pesquisador. Eles entendem que “pesquisar” constitui um nível de desenvolvimento intelectual superior, uma capacidade para ver as coisas de forma mais rigorosa e sistemática, um maior conhecimento dos assuntos que transitam nesse campo científico, etc.

Nossa própria experiência12 nos aponta que a licenciatura em algumas universidades públicas é tida como um apêndice do bacharelado; os professores que nela atuam, muitas vezes, são pouco reconhecidos pelos próprios colegas pesquisadores. A disciplina de Estatística dentro dos diversos cursos de graduação é ministrada por um

Estatístico, justamente por haver tal departamento dentro da Universidade. Desconsidera-se a possibilidade de a pesquisa também ser integrada aos cursos de licenciatura. Essa postura acabou sendo reforçada nas diretrizes curriculares para o curso de Matemática, que prevêem a pesquisa apenas para o bacharelado, relegando à licenciatura “visões” sobre os conteúdos do curso. Como destacado no documento (BRASIL, 2001, p. 3):

Nesse contexto um Curso de Bacharelado deve garantir que seus egressos tenham:

• uma sólida formação de conteúdos de Matemática

• uma formação que lhes prepare para enfrentar os desafios das rápidas transformações da sociedade, do mercado de trabalho e das condições de exercício profissional.

Por outro lado, desejam-se as seguintes características para o Licenciado em Matemática:

• visão de seu papel social de educador e capacidade de se inserir em diversas realidades com sensibilidade para interpretar as ações dos educandos.

• visão da contribuição que a aprendizagem da Matemática pode oferecer à formação dos indivíduos para o exercício de sua cidadania.

• visão de que o conhecimento matemático pode e deve ser acessível a todos, e consciência de seu papel na superação dos preconceitos, traduzidos pela angústia, inércia ou rejeição, que muitas vezes ainda estão presentes no ensino-aprendizagem da disciplina.

Mesmo quando esses pesquisadores se dispõem a trabalhar com as licenciaturas, muitas vezes, acabam imprimindo um caráter acadêmico às disciplinas que ministram, tal como analisam Moreira e David (2005; p. 103):

a formação matemática na licenciatura, ao adotar a perspectiva e os valores da Matemática Acadêmica, desconsidera importantes questões da prática docente escolar que não se ajustam a essa perspectiva e a esses valores. As formas do conhecimento matemático associado ao tratamento escolar dessas questões não se identificam – algumas vezes chegam a se opor – à forma com que se estrutura o conhecimento matemático no processo de formação. Diante disso, coloca-se claramente a necessidade de um redimensionamento da formação matemática na licenciatura, de modo a equacionar melhor os papéis da Matemática Cientifica e da Matemática Escolar nesse processo.

Quanto ao professor da universidade privada, pelas condições de trabalho, pode ser considerado um “dador de aulas” e, sem tempo para a pesquisa, deixa de inserir o

futuro professor no universo da pesquisa, embora essa inserção esteja prevista nas diretrizes curriculares para a formação do professor da Educação Básica. Muitas vezes, o professor em formação necessitará assumir uma série de disciplinas para as quais não detém o saber específico. Prevalece, segundo Zabalza (2004, p. 147), “a antiga idéia de que ‘se aprende a ensinar ensinando’”. Para esse autor, as duas funções, docência e pesquisa, necessitam de formação. Enquanto a incorporação ao mundo da pesquisa é mais regulada — pelos programas de pós, pelas agências de fomento, pelos grupos de pesquisa —, “a incorporação à docência é um processo muito mais desacompanhado e irregular. Enfrentamos sozinhos, apenas com as nossas forças, um grupo de alunos, muitas vezes, pouco antes de acabar o curso, sem nenhuma preparação específica para fazê-lo” (Ibidem, p. 155).

O autor considera ainda que não existe, no interior das universidades, a preocupação com a formação dos professores universitários. A tarefa passa a ser de exclusividade do próprio professor. Muitos deles estão muito distantes das questões educacionais, das discussões sobre práticas docentes e sobre processos de avaliação, dentre outras.

Poucos professores universitários assumem seu compromisso profissional como docentes de fazer (propiciar, facilitar, acompanhar) com que os alunos aprendam. Eles não desejam assumir essa responsabilidade, nem se sentem preparados para fazê-lo. Como resultado disso, esse dilema concentra sua energia no pólo do ensino, ou seja, assume-se que ser bom professor é saber ensinar bem: dominar os conteúdos e saber explicá-los claramente. Se os alunos aprendem ou não, depende de outras variáveis (motivação, capacidade, tempo dedicado ao estudo, estratégias de aprendizagem) que ficam fora do controle dos docentes. (ZABALZA, 2004, p.123)

Em se tratando de cursos de licenciatura, a questão fica mais grave ainda, visto que esse professor universitário será formador e, portanto, precisa estar preocupado não apenas com a aprendizagem dos seus licenciandos, mas também em possibilitar a

análise e a reflexão sobre modelos de práticas docentes que lhes propiciem a apropriação de saberes para o exercício da profissão.

Embora nosso foco não seja a constituição do professor formador, entendemos que este também deva possuir um repertório de saberes, incluindo principalmente os saberes pedagógicos do conteúdo e os saberes curriculares. Somente de posse desses saberes conseguirá contribuir para a formação do futuro professor de Matemática e, no caso deste estudo, daquele que irá ensinar Estatística. Esse formador também precisará deter conhecimentos sobre a formação do pensamento estatístico, de forma que os licenciandos, futuros professores, vivenciem experiências que lhes sejam ricas e, conseqüentemente, lhes dêem segurança para que possam trabalhar nessa perspectiva com seus alunos da Educação Básica.

Com os pressupostos teóricos discutidos até aqui, realizamos a nossa pesquisa de campo com professores da Escola Básica e com professores formadores. Assim, a partir do próximo capítulo apresentaremos a pesquisa em seus procedimentos de coleta de dados, a constituição da documentação das informações e sua análise.

5. CONSTITUIÇÃO DO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO E