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E A ATUAL CONSTRUÇÃO IMAGÉTICA DO ESPAÇO SERTÃO BRASILEIRO

Considerando o Nordeste como produto da modernidade, e analisando a sua inserção temática como um ponto forte na história do cinema brasileiro, percebemos como os diversos usos das linguagens estéticas marcaram o recorte entre as narrativas clássicas, que caminham pela romantização e manutenção do olhar sobre o espaço nordestino de forma linear, optando consequentemente pela representação da tradição, e as narrativas fílmicas que irão operacionalizar a inversão do fluxo, numa tentativa de ressignificação do sertão nas suas imagens, nos seus discursos e na sua estética.

Não se trata aqui de tentarmos realizar um estudo sobre a genealogia da filmografia sobre o Nordeste brasileiro, mas de verificarmos como o discurso engendrado pelas imagens cinematográficas tem contribuído para a construção e projeção das imagens produzidas hoje, sobre o sertão, o sertanejo e os espaços nordestinos. Como o cinema contemporâneo tem representado essa região? Essa é a questão de que tentaremos brevemente tratar aqui.

O retorno à análise de algumas escolhas estéticas é necessário para evidenciarmos a interferência da memória, da história e de toda imaginação constituída em relação ao Nordeste, que não se esgota no nostálgico espaço agrário, mas que funda uma construção significativa de discursos que apontam para a invenção de novas formas de vida.

Como ocorre com a literatura brasileira, o nosso cinema também é responsável pela difusão do discurso tradicionalista e da afirmação dos mitos em relação à região Nordeste. Na construção da “visibilidade e dizibilidade” regional, como afirma Durval Muniz de Albuquerque Jr.,

O discurso tradicionalista toma a história como lugar da produção da memória, como discurso da reminiscência e do reconhecimento. Ele faz dela um meio de os sujeitos do presente se reconhecerem nos fatos do passado, de reconhecerem uma região já presente no passado, precisando apenas ser anunciada. Ele faz da história o processo de afirmação de uma identidade, da continuidade e da tradição, e toma o lugar de sujeitos reveladores desta verdade terna, mas encoberta. (ALBUQUERQUE J. p. 93, 2011)

No cinema contemporâneo, temos percebido a presença, ou melhor, o retorno às narrativas clássicas, em que a linguagem e a fotografia transformam o sertão em espaço exótico, através da projeção de belas paisagens, assim como temos também evidenciado a presença de narrativas fílmicas que buscam uma releitura ou retomada dos temas, personagens e paisagens do cinema novo, apostando numa espécie de reversão ética desses espaços ou mesmo uma forma de contraposição destes em relação aos espaços urbanos.

Ivana Bentes, em texto intitulado “Derivas desterritorializantes: Rural, urbano, global”,5 tece uma discussão sobre o retorno da representação do sertão a partir da adesão de alguns diretores ao que ela denomina de cinema neoclassicista. A autora desfia a estética proposta pelo Cinema Novo de Glauber e retoma a questão da Estética da Fome para contrapor ao que ela denomina hoje como o surgimento da Cosmética da Fome. Bentes analisa a proposta adotada pelo filme Guerra de Canudos, de Sérgio Resende, contrapondo-a a de Glauber Rocha:

A diferença básica entre os projetos é que Glauber esquece a história e mergulha no imaginário popular, no transe místico, na rebeldia em estado puro de beatos e cangaceiros criando tipos complexos e uma mise-em-scène e narrativas originais que expressam um mundo em convulsão. Enquanto Sérgio Rezende aposta no realismo, na história, com seus fatos, datas, reconstituição de época, abandonando esse imaginário popular (BENTES, 2013, p.116).

Para a autora, é notório o retorno ao folhetim histórico e a uma certa dose do discurso tradicionalista e naturalizante do espaço-sertão pela filmografia contemporânea, com um cinema preocupado em projetar “o ‘belo’ e a ‘qualidade’ da imagem, ou ainda, o domínio da técnica e da narrativa clássica. Um cinema

5

BORGES, Augusto Carvalho e Heloísa Mª Murgel Starling (Org.). Imaginação da terra: memória e utopia no cinema brasileiro. Belo Horizonte. Editora UFMG, 2013. P.94-129.

‘internacional popular’ ou ‘globalizado’, cuja fórmula seria um tema local, histórico ou tradicional, e uma estética ‘internacional’” (BENTES, 2013, p. 116.).

Na lista dos filmes que traduzem esse sertão romantizado, segundo a autora, são acrescentados alguns outros filmes como Central do Brasil; Eu, tu, eles; Abril

despedaçado, de Walter Salles Jr., assim como a refilmagem de O Cangaceiro por

Aníbal Massaini. Propondo uma inflexão sobre as análises das estéticas e cosméticas da fome desenvolvidas no texto, a autora também indica três filmes que renovam a iconografia do sertão, apontando para a estética multicultural, sendo eles; O Sertão das

memórias, de José Araújo. Crede-mi, de Bia Lessa e Baile perfumado, de Lírio Ferreira

e Paulo Caldas.

Interessa-nos, com maior afinco, a análise realizada sobre este último, que retrata o aparecimento de imagens de um sertão multicultural, no qual é realizada uma releitura pop do sertão clássico, expondo-se o cruzamento do cangaço com a cultura de massas nascente, do “arcaico com o moderno, num sertão verde e estilizado, virtuoso, embalado pela música pop do recife, o manguebeat, de Chico Science” (BENTES, 2013, p.123). A forma como os diretores investem na estilização da violência e na estética da existência nesse filme será ampliada na produção do filme Árido Movie, de Lírio Ferreira.

É nesse sentido que nos interessa verificar como a cultura pop urbana brasileira se apropria do sertão já tomado como iconografia. É essa discussão tecida no texto de Ivana Bentes que nos dá margem para formular os questionamentos para os espaços sertão projetados pelo diretor Lírio Ferreira em Árido movie, que se volta para a questão da estética que rompe com a tradição, a mimese e a mitificação dos espaços e da cultura da região nordestina. Pois, como veremos no decorrer da análise de Árido movie, o espaço-Nordeste trava uma via de mão-dupla, ou melhor, abre-se de forma rizomática por diversos lugares e regiões brasileiras, provocando incessantes derivas

desterriorializantes entre o que supostamente poderia ser considerado rural-urbano-

global.

As imagens do sertão contemporâneo, que irrompem nos filmes e na literatura brasileira, embora tragam o rompimento com a estética do Cinema Novo e do romance de 1930, o fazem também investindo em outras formas de compreender, pensar e ver o sertão.

Nas décadas de 1950 e 1960 predominaram questões que tiveram como ponto de partida o pensamento sociológico nacional, bem perceptível através da já citada

retomada da tradição literária regional, representada pelos autores como José Lins do Rego, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa, que se tornavam referências diretas em filmes de Glauber Rocha, Humberto Mauro, Nelson dos Santos, entre outros cineastas que fariam das imagens projetadas do Nordeste um espaço mítico para buscar entender a nossa brasilidade, a identidade nacional.

Em 1953, O Cangaceiro, de Lima Barreto, funda o ciclo de um cinema nacional que traz para as telas a sociedade rural do Nordeste, reproduzindo nas imagens a espetacularização da violência, substituindo o caráter sociológico, histórico e econômico que imbricava a condição do cangaço e investindo numa leitura da região como lugar da desordem, da violência e do atraso.

Contrapondo-se ao ciclo do cangaço, temos um exemplo de filme que buscou a ruptura entre as imagens que vinham sendo construídas sobre o Nordeste através deste ciclo, para investir na integração dessa região ao resto do país. Foi o caso de Viramundo (1965), de Geraldo Sarno, que traduzia a chegada de trabalhadores nordestinos à cidade de São Paulo para ocupar as vagas de serviços oferecidas nas indústrias e na construção civil. Nesse período, o cinema insere uma questão sociológica fundamental para se pensar o futuro do país. Aponta a condição indispensável para lidar com a modernidade do Estado brasileiro, não eximindo da responsabilidade de vinculação do mundo rural/agrário ao mundo industrializado que começava a ser construído.

Na atual filmografia brasileira podemos perceber como a retomada de temas e imagens emergem para narrar, sobretudo, o espaço do sertão como lugar político, colocando em jogo a discussão sobre as fronteiras, os deslocamentos e toda formação cultural e identitária que são frutos das práticas sócio-culturais experimentadas pelos indivíduos que vivem nessa região.

A primeira cena de Árido Movie já traz uma série de imbricamentos que serão expostos ao longo da narrativa fílmica. A primeira imagem do rosto distorcido do personagem invade a tela, e em seguida, alguém, que também não é visualizado nitidamente, abre a porta e afirma: “Jonas, faltam cinco minutos”.

Figura 1: O rosto distorcido de protagonista e imagens do show na cidade de Rocha.

Em contraposição à imagem de Jonas, sem forma e sem rosto diante do espelho do camarim de um estúdio jornalístico na cidade de São Paulo, cenas da festa na cidade de Rocha-PE ao som da banda Renato e seus blue cap’s.

Quando a projeção retorna para o estúdio de TV vemos a nítida imagem da apresentadora do telejornal comentando:

Apresentadora do telejornal: E pelo visto a coisa vai continuar quente em Brasília. Depois da apuração foi constatado que três políticos, cujos nomes não foram divulgados, podem também estar envolvidos na fraude da irrigação. Por falar em tempo quente, como vai ser o dia amanhã, Jonas? Jonas (O homem do tempo do telejornal): É, parece que as coisas não mudam muito! A sexta-feira será de muita chuva na região Sul e Sudeste do Brasil. A grande massa de ar seco que vem causando longo período de estiagem no Nordeste continua estacionada nessa região.

Na projeção dessas imagens é perceptível a escolha do diretor em mostrar com nitidez o rosto da apresentadora e ocultar a imagem do protagonista da narrativa para o público. A estética fílmica traduz para o espectador a condição subjetiva do personagem desde as primeiras cenas. Ao informar a previsão do tempo no estúdio, sua imagem continua sendo deformada para o espectador. Este, só consegue ver de fato quem é Jonas na cena do assassinato do seu pai, que acontece na recepção de um hotel da cidade de Rocha.

Figura 2: Jonas como uma espécie de espectador fantasma do assassinato do pai

Lázaro, pai de Jonas, é assassinado na recepção de um hotel barato da cidade de Rocha, e o filho acaba surgindo na cena como uma espécie de testemunha “ocular” do assassinato. A câmera, no momento em que focaliza o corpo do pai morto caído no chão, também enquadra a televisão sintonizada ao telejornal em que Jonas trabalha, informando diariamente a previsão do tempo.

E pela primeira vez vemos a imagem nítida de Jonas, no exercício de sua profissão. Verificamos aí a forma como o diretor joga com a intrigante relação da presença-ausência, causada pelos veículos midiáticos no cotidiano das pessoas.

Esses são os primeiros seis minutos que antecedem a entrada dos créditos e as imagens das águas dos arrecifes, que surgem ao som da música HDeus, de Otto.

HDeus vinte milhões de faces Rodas de gigas, vidas vividas

Primeira planta no mar, primeira pedra polida Quando as chuvas passaram e o mar se formou Há muito tempo que as águas baixaram Há muito tempo que o mar secou Há muito tempo que eu tô de cara

As águas invadem a tela, e o deslocamento da temática da seca já vem operacionalizado pela apropriação de tomadas que recorrem à estética utilizada por Glauber Rocha (presença fantasmática no nome da cidade onde se passa a história do filme), mas que retornam em diferença, para narrar outro sertão, outro lugar. As questões culturais e políticas continuam sendo problematizadas e evidenciadas nas narrativas fílmicas contemporâneas, mas não acreditamos que se trate de um uso meramente “cosmético”, pois os recursos técnicos contemporâneos permitem leituras

que implodem com a condição de violência exposta pelas imagens, pois na maioria das vezes, o ato mais violento é narrado sem qualquer respingo de sangue na tela.

Figura 3: Longa panorâmica sobre os arrecifes da Capital de Pernambuco abre os créditos do filme

A condição do olhar mais treinado do espectador em relação à estética cinematográfica permite que a narrativa contemporânea invista em novas possibilidades, não se limitando às tentativas frustradas de mimetizar a Estética da fome, quando os aparatos tecnológicos disponíveis permitem outras opções. O ato criativo e a radicalidade do pensamento, sim, deve ser mola propulsora do narrar em qualquer tempo. Árido Movie traz muitas citações dos filmes de Glauber, mas percebemos que se trata de uma narrativa fílmica que não se quer mímese.

Na narrativa de Árido Movie, quando vemos a questão da seca e do racionamento de água ser deslocada do interior para o litoral, instaurando a possibilidade de reflexão sobre o presente, percebemos que o recorrer ao passado não passa de uma tentativa de investimento na rasura, configurando-se, através das imagens uma espécie de abalo sobre a nossa compreensão do real, na medida em que proporciona ao espectador novas possibilidades de leitura.

Após os créditos iniciais de Árido Movie, vemos as cenas em que Jonas encontra- se em Recife, dentro de um táxi, a caminho da casa da mãe. No diálogo entre o protagonista e o taxista, a citação de um verso do poema de João Cabral de Melo Neto surge como uma metáfora-síntese do filme:

Jonas: Dá para o senhor abaixar o rádio um pouquinho, por favor? Obrigado!

Nossa, Recife tá mais quente ou é impressão minha, hein?

Taxista: É por conta do mormaço, doutor! Esse mormaço no final do dia você tá um nada. É, tem mais a frescura da água viu? É foda mesmo,

desculpe a expressão viu? Mas é que é foda mesmo, tem que racionar água. Eu não entendo uma coisa, Recife é no meio da água e não tem água. E fico com a gota serena por causa disso.

Jonas: Mesmo “sol de dois canos”.

O sol de dois canos faz referência a Sol de Pernambuco, poema em que João Cabral de Melo Neto, em sua escrita cortante, de faca, mandacaru e fuzil, rompe com uma estética mimética da realidade nordestina para, a partir da forma e da dureza do que lhe é concreto, refletir sobre a realidade da condição do homem dessa região:

O sol em Pernambuco leva dois sóis, sol de dois canos, de tiro repetido; o primeiro dos dois: o fuzil de fogo. incendeia a terra: tiro de inimigo. O sol ao aterrissar em Pernambuco, acaba de voar dormindo o mar deserto; mas ao dormir

se refaz, e pode decolar mais aceso; assim, mais do que acender incendeia, para rasar mais desertos no caminho; ou rasá-los mais, até um vazio de mar por onde ele continue a voar dormindo. (...)

A citação do verso do poema de João Cabral indica o investimento na narrativa cerebral, no exercício da engenharia da linguagem em prol da recriação da realidade na narrativa. Nesse sentido, o filme explode o sertão e vem nos revelar a sua multiplicidade. Os seres migram, mas em rumos incertos, sem o traçado do destino final dos personagens. A diferença entre a questão da migração no filme Viramundo (1965) e em Árido Movie (2006) encontra-se no aspecto pontual do deslocamento pelo espaço, que neste último acontece para garantir aos personagens a projeção de mudanças internas.

Analisando o caráter multifacetado de filmes como Árido Movie e outras filmografias contemporâneas que focalizam as imagens dos espaços sertão, a historiadora Meize Regina de Lucena Lucas, em artigo intitulado “Por entre paisagens cinematográficas: O sertão no cinema contemporâneo,” afirma:

Na cinematografia recente o ambiente aparece multifacetado: O sertão não existe sem seu par, a cidade e seu espaço urbano, e aliás ele próprio não é só o campo; a água corre com a vegetação, pois a seca não é sua única configuração, e a falta dela encontra seu reverso na abundância que, igualmente, é um problema; o moderno e sua tecnologia andam com antigas sociabilidades e objetos; o feminino e o masculino não se estreitam nos

papéis formais de homem e mulher; as personagens pertencem ao litoral e ao rural. Tal densidade se torna possível, entre outras razões, pela dimensão histórica. (...) As alusões ao passado e as experiências cosmopolitas e contemporâneas das personagens compõem a matéria-prima do enredo da obra. Os objetos culturais existem e são vivenciados em campos de constante reconfiguração, além de trocas e compartilhamentos (LUCAS, 2011, pg. 216- 217)6.

Em Árido Movie vemos o retorno das projeções imagéticas que incidem em temáticas antigas sobre o sertão, como a seca, o coronelismo, o messianismo, ou seja, temas que se mesclam aos mais atuais, como a questão das drogas e o interesse cultural- artístico pelas manifestações e hábitos culturais do espaço-Nordeste.

No filme, a videomaker Soledad, ao oferecer carona a Jonas para que ele chegue mais rápido ao enterro do pai, fala sobre o trabalho que está desenvolvendo na viagem feita de São Paulo até Pernambuco:

Soledad: E é mais ou menos isso, eu tô, eu tô desenvolvendo a partir de um lugar específico, no caso o vale do Rocha, uma leitura sobre as consequências e embates criados pela água. Pela falta d’água na sociedade. E dentro desse universo sertanejo eu consegui identificar vários pontos dessas nuâncias. Por exemplo, em Rocha eu vou encontrar o discurso mítico e político da água. De que maneira é distribuída a pouca água da região, seu uso político, sua ocupação(...)

Soledad, assumindo o papel de interventora de arquivos vivos, utiliza a arte da fotografia e do documentário apostando na construção da memória. A videomaker, como uma espécie de arcontes pós-moderno, realiza, como sugere Rachel Esteves Lima, “a compilação dos anais da desordem”, o ato de filmar e entrevistar aqueles que participam ativamente da formação cultural da região, promove a construção de um arquivo que pode jogar com a construção de uma memória contra-hegemônica considerando os novos meios de comunicação de massa. Como afirma a autora,

Imunes ao conservadorismo, o trabalho de reciclagem cultural não pode prescindir da atuação nos espaços propiciados pelo desenvolvimento dos novos meios de comunicação de massa, como o rádio, a televisão, o cinema, a internet etc., pois não se pode mais desconsiderar o fato de que, menos do que destruição, eles promovem um reaproveitamento da tradição, sob novos parâmetros. (LIMA In SOUZA, 2011, p.34)

6

LUCAS, Meize Regina de Lucena. Por entre paisagens cinematográficas: O sertão no cinema contemporâneo. In: MEDEIROS, Fábio Henrique Nunes e Taiza Mara Moraes. (Org.) Salve o cinema II. Joinville, SC. Editora da Univille, 2011.

A “Poética das águas” definida pelo líder religioso “Meu Velho”, reforça a perspectiva de que a água transpassa por toda a filmografia, contrastando com o título e a reversão da fruição do mesmo, quando o termo árido é distorcido pelas imagens das águas que vão inundando a narrativa fílmica. Desde o início, a abertura do filme projeta os arrecifes (Recife) contrapondo imagens do rio Tietê, com sua água escura, parada, instaurando um ar melancólico que é contrastado pelo brilho das águas do mar de Recife.

Antes do encontro com o líder religioso “Meu Velho”, Soledad entrevista um senhor que utiliza a forquilha para encontrar água na região e vai ampliando o seu material filmográfico e a sua pesquisa para elaboração da instalação artística que desenvolverá em São Paulo.

Figura 4: Soledad e o senhor que pratica a busca da água na prática da forquilha.

Senhor: É, água qui tá difícil mesmo. A gente só tem que contar só com a sorte e com Deus. Os dois sempre tem que vim juntos, viu? E a sorte que é uma benção divina se manifesta na própria natureza. É ela que é a cara de meu Deus aqui na Terra. Bom, como eu tava dizendo, então eu pego minha forquilha e caminho por essas terras toda. Já achei muita água para muita gente, gente importante, gente pobre, até político.

Soledad: Mas qualquer pessoa pode fazer isso? Por exemplo, se eu pegar uma forquilha e sair por aí eu também posso encontrar água?

Senhor: ôxen, minha filha, pode nada. Se assim fosse existia falta d’água coisa nenhuma! Ó, primeiro tennha a fé, que é o querosene da alma. Depois o dom, tem gente que tem, tem gente que não tem. Quem tem o dom da palavra tem o pensamento, quem tem o dom da força, tem a fazenda, Quem tem o dom da forquilha, tem a água.

Soledad: Mas aqui ainda tem água para ser achada? Senhor: Mas minha filha, aqui num tem água não.

Soledade: Tudo bem, não tem problema nenhum. Era só para ter o senhor mostrando um pouco da sua arte.

A posse da terra, do poder ideológico e político sobre o controle de distribuição