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O Protocolo de Cartagena e o Princípio da Precaução

CAPÍTULO 3. O CENÁRIO ATUAL DA COMERCIALIZAÇÃO DE TRANSGÊNICOS

3.1. O Protocolo de Cartagena e os Acordos da OMC

3.1.1. O Protocolo de Cartagena e o Princípio da Precaução

Muito embora a abordagem feita nos capítulos precedentes, é preciso analisar alguns aspectos de referido instrumento: o principal na regulamentação internacional de organismos geneticamente modificados. Após intensas negociações, foi aprovado em 2000 como o primeiro acordo suplementar da Convenção de Diversidade Biológica e entrou em vigor em 2003.

O Protocolo tem por objetivo “assegurar um nível adequado de proteção no campo da transferência, da manipulação e do uso seguros dos organismos vivos modificados resultantes da biotecnologia moderna que possam ter efeitos adversos na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica, levando em conta os riscos para a saúde humana, e enfocando especificamente os movimentos transfronteiriços”. 139 No entanto, os riscos mencionados não estão previamente definidos, exigindo-se uma análise particular de cada um dos casos.

Importante mencionar, ainda, que o Protocolo não cuida de todos os tipos de OGMs. Não estão abrangidos pelo Protocolo os fármacos produzidos a partir de técnicas de biotecnologia moderna, tampouco alimentos produzidos a partir de OGMs, que não tenham passado por tecnologia de modificação genética. Isso se deve ao fato de que os transgênicos são definidos de forma diferente pelo mesmo, que, como dito no início do trabalho, se refere a organismos vivos modificados e não aos geneticamente modificados.140 Vale relembrar a problemática da rotulagem nesse caso, pois alimentos que utilizam a soja GM como insumo não são objeto do Protocolo. Por exemplo, o óleo, a margarina, dentre outros. 141

139

Artigo 1º do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança da Convenção de Diversidade Biológica.

140

Artigo 3º UTILIZAÇÃO DOS TERMOS Para os propósitos do presente Protocolo:

(g) por "organismo vivo modificado" se entende qualquer organismo vivo que tenha uma combinação de material genético inédita obtida por meio do uso da biotecnologia moderna;

141

De acordo com o Insitituto para Responsabilidade Tecnológica, existem alimentos que podem conter algum tipo de modificação genética invisível. A lista atualizada com esses ingredientes é extensa e inclui alimentos como: Aspartame, fermento em pó, óleo de canola, leite condensado, açúcar de confeiteiro, derivados do milho, frutose, leite em pó, shoyu, derivados da soja e muitos outros. A lista completa está disponível em: http://nongmoshoppingguide.com/brands/invisible-gm-ingredients.html Acesso em 12.12.2013.

Merece destaque o também já mencionado Princípio da Precaução, consagrado no Protocolo de Cartagena:

Artigo 10.6. A ausência de certeza científica devida à insuficiência das informações e dos conhecimentos científicos relevantes sobre a dimensão dos efeitos adversos potenciais de um organismo vivo modificado na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica na Parte importadora, levando também em conta os riscos para a saúde humana, não impedirá esta Parte, a fim de evitar ou minimizar esses efeitos adversos potenciais, de tomar uma decisão, conforme o caso, sobre a importação do organismo vivo modificado em questão como se indica no parágrafo 3º acima.

Artigo 11.8. A ausência de certeza científica devida à insuficiência das informações e dos conhecimentos científicos relevantes sobre a dimensão dos efeitos adversos potenciais de um organismo vivo modificado na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica na Parte importadora, levando também em conta os riscos para a saúde humana, não impedirá esta Parte, a fim de evitar ou minimizar esses efeitos adversos potenciais, de tomar uma decisão, conforme o caso, sobre a importação do organismo vivo modificado destinado ao uso direto como alimento humano ou animal ou ao beneficiamento.

Trata-se de forte princípio ambiental, que muitas vezes é interpretado como barreira comercial. À luz desse princípio, as Partes são autorizadas a não permitir uma importação de OGM, diante da incerteza quanto aos potenciais efeitos adversos para a saúde e para o meio ambiente.

Sem embargo, apesar da prioridade dada à questão ambiental, no preâmbulo do Protocolo, fica determinado que as Partes devem conciliar os compromissos com os demais acordos internacionais. Trata-se da fórmula de apoio mútuo já citada:

Reconhecendo que os acordos de comércio e meio ambiente devem se apoiar mutuamente com vistas a alcançar o desenvolvimento sustentável,

Salientando que o presente Protocolo não será interpretado no sentido de que modifique os direitos e obrigações de uma Parte em relação a quaisquer outros acordos internacionais em vigor,

No entendimento de que o texto acima não visa a subordinar o presente Protocolo a outros acordos internacionais (...). 142

Antes mesmo do Protocolo, o Princípio da Precaução constava da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. 143 Já existia, de outra forma em realidade, como Principio da Prevenção, constante da Declaração de Estocolmo de 1972. 144 Independentemente das diferenciações existentes entre o Princípio da Prevenção e o da Precaução ou da origem do documento que consagra a Precaução, a questão mais problemática ainda existente é a dificuldade em defini-lo, principalmente definir a existência ou não de absoluta certeza científica quanto à inexistência de riscos para uma atividade humana, como é o caso do uso da biotecnologia moderna para a produção de alimentos geneticamente modificados.

Recém-celebrados dez anos da entrada em vigor do Protocolo de Cartagena, apesar das dificuldades encontradas na efetivação de medidas protetivas ao meio ambiente, a visão é positiva, segundo Nota de Imprensa emitida pela CDB:

Nos últimos 10 anos, muito progresso tem sido feito na implementação do Protocolo. Hoje, mais de 100 países desenvolveram quadros jurídicos nacionais e sistemas administrativos projetados para lidar com aplicações e facilitar a tomada de decisão relativo à exportação e importação de

142

Preâmbulo do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança.

143

Princípio 15: Com a finalidade de proteger o meio ambiente, os Estados deverão aplicar amplamente o critério de precaução conforme suas capacidades. Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para que seja adiada a adoção de medidas eficazes em função dos custos para impedir a degradação ambiental.

144

Princípio 1 - O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem- estar e é portador solene de obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras.

Princípio 2 - Os recursos naturais da Terra, incluídos o ar, a água, o solo, a flora e a fauna e, especialmente, parcelas representativas dos ecossistemas naturais, devem ser preservados em benefício das gerações atuais e futuras, mediante um cuidadoso planejamento ou administração adequada.

OVMs. Estes sistemas exigem que se realizem avaliações de risco para informar qualquer decisão sobre importação de OVMs. As Partes Contratantes no Protocolo de Cartagena também desenvolveram sistemas para assegurar que os OVMs são manipulados, embalados e transportados através da fronteira com segurança. Na esfera internacional, um mecanismo robusto de troca de informações sobre OVMs, o Centro de Intercâmbio de Informação sobre Biossegurança, é completamente funcional e é usado como uma fonte de informação segura sobre OVMs.

Outra conquista importante foi em 2010, com a adoção do Protocolo de Nagoya Kuala Lumpur sobre a Responsabilidade e Compensação suplementar ao Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança Biotecnologia. O protocolo suplementar estabelece normas e procedimentos internacionais de responsabilidade e compensação por danos potenciais resultantes da exportação e importação de OVMs. 145

Por último, cabe destacar que, de acordo com o Artigo 24 do diploma, o alcance de suas disposições vai até os países não signatários, o que atinge diretamente o comércio internacional de transgênicos.146 Ainda que a tendência de adesão ao Protocolo e aos compromissos ambientais em geral seja crescente, vale lembrar que há países importantes que, embora o tenham firmado, não o ratificaram até o momento, como é o caso do Chile.147

145

CDB. COMUNICADO DE PRENSA. Tratado internacional sobre Seguridad de la Biotecnología cumple su décimo aniversario. Disponível em: http://www.cbd.int/doc/press/2013/pr-2013-09-10-bs-es.pdf?dowload Acesso em 01.12.2013.

146

Artigo 24 - NÃO-PARTES

1. Os movimento transfronteiriços de organismos vivos modificados entre Partes e não-Partes serão compatíveis com o objetivo do presente Protocolo. As Partes poderão concluir acordos e arranjos bilaterais, regionais e multilaterais com não-Partes sobre esses movimentos transfronteiriços.

2. As Partes encorajarão as não-Partes a aderir ao presente Protocolo e a contribuir informações apropriadas ao Mecanismo de Intermediação de Informação sobre Biossegurança sobre os organismos vivos modificados liberados ou introduzidos em áreas sob sua jurisdição interna, ou transportados para fora delas.

147

O Chile ainda não ratificou o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança em função da sua aliança com os EUA através do Grupo de Miami.

Nesse sentido, Bachelet afirmou que o País ainda não fez uma análise aprofundada sobre esta questão o que demonstra a carência nas definições sobre política ambiental. “Neste caso deve se implementar uma política específica para biossegurança; se houve inconsistências, no caso de assumir o Governo, uma das prioridades que solicitarei à Comissão Nacional de Meio Ambiente será a de determinar uma política clara em matéria de