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4. O ensino de LE no século XXI: desafios e documentos reguladores

4.2. Descritores e documentos orientadores: das competências linguísticas de base às novas

4.2.1. O QECR: competências para o falante de línguas estrangeiras

O QECR (Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas Estrangeiras - para aprendizagem, ensino e avaliação – Conselho da Europa 2001) é o documento de política linguística elaborado e publicado pelo Conselho da Europa onde estão descritas as linhas orientadoras para o ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras. É uma ferramenta que permite classificar o nível dos falantes de línguas estrangeiras de acordo com 6 níveis de referência: A1 (iniciação), A2 (elementar), B1 (limiar), B2 (vantagem), C1 (autonomia) e C2 (maestria) e seus respetivos descritores para as subcompetências da competência comunicativa que envolvem a compreensão e interação oral, a compreensão da leitura, a produção escrita e oral.

Os utilizadores estão também categorizados de acordo com a seguinte terminologia: o utilizador elementar (A), o utilizador independente (B) e o utilizador proficiente (C). Este quadro permite facilitar o reconhecimento e a comparabilidade no ensino de línguas e assegura a transparência na atribuição de qualificações de competências linguísticas. (Comissão Europeia, Relatório Eurydice, 2017)

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Na sequência das conclusões da secção anterior, em que a competência comunicativa é, de forma direta ou indireta, extremamente valorizada na generalidade das propostas das grandes organizações internacionais devido ao impacto na aquisição e/ou aprofundamento das competências-chave do século XXI, é importante especificar, através do QECR (Conselho da Europa, 2001), o panorama particular do ensino- aprendizagem das línguas estrangeiras numa ótica de futuro, com o propósito de munir os falantes de línguas estrangeiras do nosso século de novos instrumentos que lhes permitam desenvolver as competências do futuro .

Rosa Bizarro (2012), especialista em didática de PLE e educação multicultural, defende que “aquilo que se ensina e aprende numa sala de aula de Línguas (Estrangeiras, Segundas, Terceiras…) passa, essencialmente, pelo saber, pelo fazer e pelo ser/tornar-se.” (Bizarro, 2012:118), visão que vai ao encontro da proposta dos quatro pilares da educação de Delors (1996). Segundo Bizarro, de acordo com o QECR é necessário preparar os aprendentes não só para comunicarem, mas para “agirem em língua estrangeira” e realizarem “ações sociais”:

Deste modo, se os materiais de referência para o ensino das línguas (exemplo do Quadro Europeu Comum de Referência para as

Línguas1 ou do Quadro de Referência para o Ensino Português no Estrangeiro2) defendem uma abordagem comunicativa do ensino das

línguas, o facto é que não se limitam a ela, articulando-a com a defesa da necessidade de preparar os aprendentes para agirem, em língua estrangeira. (Bizarro 2012: 118, sublinhado meu)

Reportemo-nos ao próprio QECR, para verificar de que forma a importância dada aos atos sociais pela autora é valorizada:

A abordagem aqui adoptada é, também de um modo muito geral, orientada para a acção, na medida em que considera antes de tudo o utilizador e o aprendente de uma língua como actores sociais, que têm que cumprir tarefas (que não estão apenas relacionadas com a língua) em circunstâncias e ambientes determinados, num domínio de actuação específico. (Conselho da Europa, QECR 2001: 29)

Tendo em conta os conceitos-chave e construções sociais que vimos na secção anterior, verifica-se que o contexto da “ação” deve estar no centro da definição das

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estratégias de ensino-aprendizagem de língua estrangeira. Cada vez mais se incentiva a utilização de materiais autênticos que ativem as competências necessárias para “produzirem e/ou receberem textos” adaptados aos temas e ao desempenho das tarefas da vida e da realidade. De acordo com o QECR, “o controlo destas acções pelos interlocutores conduz ao reforço ou à modificação das suas competências.” (Conselho da Europa, QECR 2001: 29)

Atividades de ensino-aprendizagem desenquadradas de “ações” concretas e retiradas de contextos acabam por ser exercícios de sintaxe e semântica sem valor pragmático nem comunicativo.

O QECR divide o sistema de competências a desenvolver no

ensino/aprendizagem de Línguas Estrangeiras em competências gerais individuais e competências comunicativas em línguas.

As competências gerais individuais incluem:

‒ o conhecimento declarativo (saber), “entendido como um

conhecimento que resulta da experiência (conhecimento empírico) e de uma aprendizagem mais formal (conhecimento académico).” (Conselho da Europa,

QECR, 2001:32);

‒ a competência de realização (saber-fazer) “quer se trate de guiar um carro, tocar violino ou presidir a uma reunião, dependem mais da capacidade para pôr em prática procedimentos do que do conhecimento declarativo.” (Conselho da Europa, QECR, 2001:32);

‒ a competência existencial (saber-ser e saber-estar), que “pode ser entendida como a soma das características individuais, traços de personalidade e atitudes que dizem respeito, por exemplo, à visão do indivíduo sobre si e sobre os outros e à vontade de estabelecer um relacionamento social com eles.” (Conselho da Europa, QECR, 2001:32);

‒ a competência de aprendizagem (saber-aprender), que “mobiliza a competência existencial, o conhecimento declarativo e a competência de realização, e apoia-se em competências de diferentes tipos. A competência de aprendizagem pode ser concebida como “saber como ou estar disposto a descobrir o outro”, quer o outro seja outra língua, outra cultura, outras pessoas quer sejam novas áreas do conhecimento” (Conselho da Europa, QECR, 2001:33).

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Competências linguísticas, ou seja, os conhecimentos e as capacidades

lexicais, fonológicas e sintácticas, bem como outras dimensões da língua enquanto sistema, independentemente do valor sociolinguístico da sua variação e das funções pragmáticas e suas realizações;

Competências sociolinguísticas, referente às condições socioculturais do

uso da língua;

Competências pragmáticas, relacionada com o uso funcional dos

recursos linguísticos (produção de funções linguísticas, actos de fala) e com o domínio do discurso, da coesão e da coerência, à identificação de tipos e formas de texto, à ironia e à paródia… (Conselho da Europa, QECR, 2001:35)

Transversais a estes dois grandes grupos de competências existem: as atividades linguísticas, incluindo a receção, a produção, a interação e/ou a mediação; os domínios de natureza pública, privada, educativa e profissional; e a realização de tarefas que implicam a competência comunicativa aplicando estratégias de comunicação e estratégias27 de aprendizagem e textos (autênticos ou fabricados) para a sua

concretização. (Conselho da Europa, QECR, 2001: 37)

Uma vez que este trabalho tem como objetivo aliar a educação para o desenvolvimento sustentável com o ensino de PLE, os temas de comunicação, um dos domínios do ensino-aprendizagem da língua, são uma das questões centrais a incluir na construção das propostas a apresentar no último capítulo. O ensino formal da língua aliado à exploração e problematização do conteúdo será aliás tratado nas secções seguintes sobre metodologias ativas (CLIL). De acordo com o QECR, a definição dos temas pode ser feita incluindo os próprios alunos, no entanto, o professor de língua poderá orientar e circunscrever a escolha das opções de acordo com as prioridades estratégicas a nível nacional e internacional:

Os utilizadores do QECR – incluindo, quando possível, os próprios aprendentes – tomarão as suas decisões baseados na sua avaliação das necessidades, motivações, características e recursos dos aprendentes no(s) domínio(s) relevante(s) para as finalidades da sua aprendizagem. Por exemplo, a aprendizagem de línguas orientada para fins específicos (vocationally-oriented

27 De acordo com o QECR, 2001: “As estratégias são consideradas como uma charneira entre os recursos

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language learning – VOLL) poderá desenvolver temas da área profissional relevantes para os estudantes envolvidos. Os estudantes do Ensino Secundário podem explorar temas científicos, tecnológicos, económicos, etc., com alguma profundidade. O uso de uma língua estrangeira como meio de instrução implica necessariamente uma atenção ao conteúdo temático da área ensinada. (Conselho da Europa, QECR, 2001:84)

As tarefas são outra das “peças” referidas no QECR para pôr em prática estratégias de uso da língua, e devem ser pensadas em termos de: tipos de tarefa, fins, elementos fornecidos (por ex. materiais), produtos da própria tarefa, sejam tangíveis (ex. textos, documentos, objetos linguísticos) ou na sequência da própria aprendizagem (ex. melhoria de competências, tomada de consciência), atividades, papéis de cada participante na tarefa, controlo e avaliação do êxito da tarefa.