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4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.3 GER(AÇÃO) DE FOTOS ONDE O TRABALHO MUDA VIDAS: A OFICINA DE

4.3.2 O segundo encontro no subsolo: curte ou não curte? Faz ou não faz?

4.3.3.3 O que dificulta o trabalho na Geração de Renda

Os aspectos dificultadores do trabalho na Geração estão bastante alinhados com o que precisa melhorar no programa. Embora a questão da dificuldade pudesse ser algo mais pessoal de cada trabalhador, é possível perceber que grande parte do que precisa melhorar na instituição são também as dificuldades dos trabalhadores: falta de material e desorganização. Em contrapartida, novamente a medicação é citada como mais um aspecto dificultador no trabalho. As fotos a seguir retratam um pouco das dificuldades dos trabalhadores no programa.

Figura 10 – O que dificulta o trabalho - Foto Wagner

Figura 12 – O que dificulta o trabalho - Foto Luciana

Figura 13 – O que dificulta o trabalho - Foto Wanda

A Figura 10 foi pensada por seu Wagner. Ele foi até um dos locais onde ficam os materiais e pegou uma pequena “buchinha” onde são inseridas agulhas e falou sobre a dificuldade com a falta desse material.

Pesquisadora: E o que é que dificulta seu trabalho ou impede?

[...]

Wagner: Como as meninas disse (aponta Carla e Zípora). Porque eu tirei

Quando tem é uma agulha fina aí não dá produção, porque a agulha é fininha que enfia, enfia mesmo na mão da gente (faz força e simula com as mãos o enfiar). A gente pra adiantar o serviço aí... a agulha longa não.... A agulha longa a gente faz... Com mais força (joga mão pra frente como se quisesse dizer que caminha a produção).

Pesquisadora: Aí como escolheu tirar esta foto, exclusivamente. Wagner: Escolh...

Pesquisadora: Da-da agulha. Wagner: Por causa da agulha.

Pesquisadora: Por que o senhor escolheu tirar [a foto]? Wagner: Porque eu achei necessário tirar para mostrar.

[...]

Pesquisadora: Sim, o que significa esta foto?

Wagner: Significa o trabalho da gente, né? Aqui né? O trabalho da gente.

Todo mundo aqui só batalha numa tecla só (fala com as mãos explicando) que é material, falta demais de material aqui.

Pesquisadora: E o que que vocês fazem pra poder superar isso?

Wagner: Se a gente tivesse mais material a gente trabalhava mais, progredia

mais, entendeu, não tem material.

Pesquisadora: E sem material o que é que vocês fazem?

Wagner: Faz com o que tem. Vai fazendo devargazinho (sic), pra ocupar a

mente. (demora um pouco) Até chegar material, né?

A partir da sua experiência no trabalho com agulhas, seu Wagner consegue ressignificar esta vivência. Através do imaginar, ele sugere que é necessário mostrar para as pessoas a dificuldade de produzir quando não há material adequado. O que chama atenção no discurso de seu Wagner é que a controvérsia surge conferindo um novo sentido de ação (CLOT, 2007). O que ele usa, falta, e diante disto o objetivo inicial de produzir é transformado em trabalhar para ocupar a mente. O trabalho que deveria acelerar deve ser feito devagarzinho. Mais uma vez o trabalho aparece assumindo o lugar de ocupação do tempo. Pode-se pensar que a ressocialização por meio do trabalho aparece de maneira tímida nesse contexto, pois os trabalhadores não só reaproveitam materiais, mas também reaproveitam o tempo.

Os trabalhadores passam então a recorrer a experiências anteriores, quando havia mais possibilidade de realizar suas atividades, pois não faltavam tecidos e outros materiais para criar um cenário possível de melhoria para a Geração (VIGOTSKI, 1930/2009). Através da observação de traços de sua própria atividade, o trabalho impedido (CLOT, 2010a) é representado nas fotos dos trabalhadores através das imagens do material que falta, como na Figura 11 realizada por dona Érica. A tesoura que não está amolada dificulta seu trabalho e a maneira que os trabalhadores encontram para continuar a atividade é se submetendo a cortar os tecidos usando mais força para superar a falta de eficiência da tesoura, ou então eles devem custear a manutenção ou compra de novos materiais.

Assim como a falta de estrutura, a desorganização também aparece mais uma vez como dificultador no trabalho. Na foto (Figura 12), pensada por Luciana, há o espaço onde ficam os armários da Geração. Luciana traz dois aspectos significativos em sua fala sobre a foto: primeiro, as pessoas precisam ser mais organizadas, e segundo, é preciso que haja melhores condições para guardar os materiais, tanto de espaço físico, como de equipamentos. O que chama a atenção também no discurso de Luciana é o paralelo que ela faz entre sua casa e a Geração. Para ela, inicialmente, os dois ambientes são desorganizados igualmente, mas depois Luciana retoma a fala e diz que a casa dela é pior, pois não tem acesso a nada.

A fala de Luciana parece refletir a sua condição frente ao transtorno. Diferentemente dos outros participantes, Luciana é interditada, ou seja, a família responde legalmente por ela. Inclusive um de seus parentes foi que autorizou sua participação na pesquisa. A fala de Luciana poderia dar algum indício sobre os aspectos socioculturais de interdição atuando sobre seus processos imaginativos (VIGOTSKI, 1930/2009), pois, para criar, ela precisa partir de experiências guardadas em sua memória e, no caso da interdição, sua liberdade, de certa maneira, passa a ser mais controlada à medida que precisa de um curador para reafirmar suas escolhas. E isso pôde-se acompanhar na assinatura do TCLE, quando ela precisou pedir autorização aos parentes. A Geração pode surgir para Luciana como o ambiente onde ela consegue interferir, organizar, mexer, tudo que ela não pode fazer em casa.

Na Figura 13, visualiza-se a foto das mãos de Wanda. Ela pediu para um de seus colegas fotografar as suas mãos. O objetivo de Wanda era mostrar que a dificuldade que tem para realizar as atividades está em suas próprias mãos que apresentam tremores devido aos efeitos colaterais da medicação. É possível perceber uma controvérsia nesta foto, pois observando a trajetória de Wanda até este terceiro encontro, pode-se traduzir que aquilo que dificulta o seu trabalho é o mesmo que a faz produzir: suas mãos.

Nas fotos relacionadas ao que dificulta o trabalho, percebe-se que os aspectos materiais apresentam uma preponderância muito grande sobre o que vem impedindo o trabalho na Geração de Renda. Com exceção de Wanda, os outros participantes fizeram questão de frisar a falta de investimento como algo que repercute significativamente em seus trabalhos, tornando-o mais como distração que um ambiente que gere renda verdadeiramente. Nos aspectos imaginativos dos participantes, é possível perceber que suas histórias com a Geração atuam na maneira como conseguem projetar melhorias para o ambiente, possibilitando, assim, desde o gerar renda até a possibilidade de realizar o trabalho que está impedido (CLOT, 2006a)