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CAPÍTULO 4. O DEBATE ENTRE RICHARD POSNER E RONALD DWORKIN

4.1. O que Richard Posner diz sobre Ronald Dworkin

Para Posner, Dworkin parece fazer a descrição de uma teoria geral, e não uma de abordagem dentre outras do direito. Ali há apenas a defesa de sua maneira particular de ver o mundo jurídico. Dworkin, porém, a intitula de teoria, sem alcançar a pretensão de generalidade que demanda esse adjetivo (POSNER, 2012, p. 182). Para o seu crítico, o problema da teoria da integridade é que os juízes são obrigados, diante dos frequentes casos indeterminados, a fazer uma escolha de valores baseada na própria intuição e experiência pessoal. Essa escolha, diferentemente da escolha feita pelo legislador, tende menos a refletir as pressões dos diversos grupos sociais que convivem em uma determinada sociedade. Dworkin, segundo seu crítico, atribui ao raciocínio jurídico uma natureza demasiadamente determinada, como se fosse possível eliminar as preferências políticas pelo filtro das

79 decisões baseadas em princípios. Posner observa:

O que ele [Dworkin] deveria dizer é que os juízes não deixam de praticar o direito quando proferem decisões políticas, pois o direito e a política se interpenetram. Sob certo aspecto, o direito é simplesmente a ‘atividade’ dos juízes, e essa atividade frequentemente tem uma dimensão política. Não que ‘juiz sem lei’ seja uma contradição em termos. O juiz sem lei é aquele que é político ‘demais’ e por isso deixa de conformar-se à concepção dominante que sua sociedade tem dos limites extremos da liberdade decisória do magistrado. (POSNER, 2012, p. 152).

O ponto central da sua crítica a Dworkin é também um dos pressupostos centrais de sua abordagem pragmática: a ideia de que a jusfilosofia em nada pode ser útil ao juiz, uma vez que é abstrata demais e, ao mesmo tempo, culturalmente localizada em um tempo e em espaço. Dworkin defende que a teoria moral está inextricavelmente ligada ao direito; pode haver nesse argumento, para Posner, uma confusão criada pela coincidência que ocorre entre certas obrigações morais e jurídicas (POSNER, 2012, p. 169). Ambos são métodos paralelos com o fim de propiciar certo grau de cooperação em prol do desenvolvimento na sociedade. Isso ocorre também, pois o direito muitas vezes utiliza vocábulos com alta conotação moral47, com intuito de expressar a busca pela justiça. Mas o direito não respalda a moral. Basta observar que muitas condutas punidas com sanções legais são moralmente indiferentes, tais como, acordos de fixação de preços entre concorrentes, dirigir sem cinto de segurança, romper involuntariamente os termos de um contrato, comércio de títulos baseado em informações privilegiadas. Esses atos são punidos apenas pelo direito, sem que configurem lesões a obrigações morais (POSNER, 2012, p, 171).

Dworkin, assim como a maioria dos teóricos constitucionais, realiza um

4747“O direito usa termos morais em parte por causa de suas origens, em parte para impressionar, em parte para falar uma língua que os leigos, a quem se dirigem os comandos da lei, tem mais probabilidade de entender – e em parte, admito, porque o ‘de fato’ o direito e a moral se sobrepõe em uma medida

considerável.” Posner, alerta, porém, que a sobreposição não é grande o suficiente para que se reduza a um

80 raciocínio jurídico “de cima para baixo”. Nele o intérprete adota uma teoria sobre algum campo do direito e a utiliza para organizar, criticar, aceitar, rejeitar ou distinguir os casos concretos. Justifica-se a decisão com base nessa teoria de forma a buscar um resultado coerente com seus preceitos. O raciocínio “de cima para baixo” reúne em uma teoria abrangente diversos valores políticos, morais e institucionais, de forma a reconhecer e ler os direitos constitucionais a partir dessas premissas genéricas. Para realizar esse tipo de raciocínio de forma coerente é indispensável o apoio de uma filosofia constitucional. Em oposição, temos o raciocínio “de baixo para cima”, em que o juiz partirá do texto da Constituição para tentar localizar tais direitos, procurando clausula por cláusula a melhor interpretação (POSNER, 2009, p. 187- 199). Posner afirma que a abordagem dworkiniana acaba se revertendo nesse raciocínio limitado “de baixo para cima”:

Uma teoria abrangente do direito constitucional contrariará uma infinidade de compromissos profundos, sem, no entanto, conseguir defender-se com argumentos definitivos. É por isso que a situação com respeito à teoria constitucional é de indeterminação prática e leva o jurista cauteloso de volta à abordagem do tipo cláusula por cláusula. É muito mais fácil imputar um propósito a uma determinada cláusula e depois usar esse propósito para gerar e circunscrever o sentido da cláusula [...], do que imputar um propósito à Constituição como um todo e defender essa imputação convincentemente. O problema da abordagem modesta é que ela gera grandes vácuos de proteção constitucional. (POSNER, 2009, 199-200)

Os juízes não precisam tomar partido de questões morais para decidir os casos concretos, de modo que as considerações derivadas da teoria moral são apenas um (dos vários) elemento disponível para o juízo judicial. A rejeição do positivismo não pode criar automaticamente essa imbricação entre direito e moral como necessária. Um dilema moral não precisa ser resolvido somente pela chamada razão moral (POSNER, 2012, p. 177-178). Quando um juiz faz o que Dworkin chama de “ascensão justificatória” e vislumbra todos os campos do saber que de alguma forma toca a questão a ser decidida, ele precisa escolher um princípio dominante

81 que será aplicado ao caso concreto. Dessa forma, segundo Posner, ao chegar em cima, o juiz joga fora a escada que ele foi obrigado a subir. E dada a abstratividade e o caráter etéreo desses princípios, é praticamente impossível escolher sem que se leve em conta sua experiência pessoal (POSNER, 2012, p. 184-185).

Para Posner, Dworkin apresenta apenas um dos estilos possíveis de se praticar direito (e nem é a melhor dentre as existentes). A maioria dos juízes norte- americanos são pragmáticos e não ideólogos. Esse é o ponto alto de um sistema jurídico baseado em precedentes: sua sensibilidade aos aspectos particulares de disputas judiciais específicas. Isso impede supergeneralizações e “educa” o magistrado em boas decisões. Dworkin, porém, traz em sua teoria uma carga altamente politizada de direitos constitucionais, o que leva esse autor a trabalhar com tipos ideais de direitos (POSNER, 2012, 186-189). Logo, há na teoria da integridade um profundo caráter retórico e um nível demasiadamente profundo de alegações filosóficas que se distanciam da prática dos tribunais e exige do magistrado uma postura irreal. Dworkin e sua teoria materializam a crítica feita por Posner sobre o moralismo acadêmico: a integridade está situada no universo acadêmico, distante da prática profissional, como repudia a abordagem pragmática.