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O rato d’água Nectomys squamipes

No documento katiabatistadoamaral (páginas 35-40)

1.2.6 Reservatórios Silvestres

1.2.6.1 O rato d’água Nectomys squamipes

-A espécie Nectomys squamipes:

Nectomys squamipes é um roedor silvestre pertencente à família Cricetidae, subfamília Sigmodontinae, sendo encontrado especialmente na Mata Atlântica, do estado de Pernambuco ao norte do Rio Grande do Sul, nas bacias dos rios São Francisco, Paraíba do Sul e Paraná e em pequenas bacias do leste do Brasil. Os animais adultos pesam entre 100 e 420 g e medem, em média, de 165 a 245 mm (cabeça e corpo) (Fig.6) (BONVICINO et al., 2008). A idade dos animais em estudos de campo pode ser estimada a partir de uma curva de crescimento de tamanho corporal obtida para N. squamipes criados em laboratório (D'ANDREA et al., 1996).

A espécie possui hábitos semi-aquáticos, vivendo em estreito contato com coleções de água doce, como córregos e riachos. Suas fezes são normalmente depositadas nas margens ou diretamente nas águas, fato que contribui para o ciclo de transmissão do parasito S. mansoni, caso os animais se encontrem infectados (REY, 1993). As principais adaptações morfológicas à vida semi-aquática são as membranas interdigitais presentes nas patas traseiras (ERNEST e MARES, 1986) e a pelagem resistente à absorção de água (SANTORI, 2008).

Segundo LIMA (2009), N. squamipes distribui sua movimentação igualmente entre os ambientes de água e terra ao exercer suas atividades de forrageamento, busca por parceiros sexuais, locomoção e utilização de abrigos. Além disso, apresenta limitada área de exploração do habitat, sendo considerado um animal sedentário (REY, 1993). Alimenta-se principalmente de frutas, sementes, insetos e artrópodes, obtidos no ambiente terrestre, e caramujos, girinos e peixes, encontrados na água.

Em estudo realizado na bacia do rio Águas Claras, situada no estado do Rio de Janeiro, foi observada a ausência de um período de real escassez de alimentos para este animal, pois, nos momentos em que ocorreu falta de recursos no ambiente terrestre, N. squamipes intensificou a busca por presas aquáticas, as quais pareceram ser menos influenciadas pela sazonalidade climática, reproduzindo-se o ano todo (LIMA, 2009).

Sua atividade é crepuscular e noturna (ERNEST e MARES, 1986). N. squamipes possui dimorfismo sexual (D'ANDREA et al., 1996) e um sistema de acasalamento promíscuo (BERGALLO e MAGNUSSON, 2004). A reprodução é desencadeada pela maior disponibilidade de recursos, de acordo com os padrões de precipitação; entretanto, a espécie pode se reproduzir o ano todo (GENTILE et al., 2000).

Figura 6: Espécime de Nectomys squamipes (Brants, 1827), capturado em afluente do rio Paquequer, em Sumidouro, Rio de Janeiro, Brasil. A armadilha é do tipo Tomahawk, usada para captura de mamíferos vivos de pequeno porte, colocada nas margens de pequenos cursos d’água.

- A participação de N. squamipes no ciclo de transmissão do S. mansoni:

O primeiro encontro de espécimes do roedor N. squamipes infectados pelo parasito S. mansoni foi feito por AMORIM (1953). A partir de então, vários estudos foram realizados para compreender a participação do rato d’água no ciclo de transmissão do S. mansoni.

Observou-se que N. squamipes foi capaz de completar o ciclo de transmissão do S. mansoni sem a presença humana (Fig.7) (ANTUNES et al., 1971; PICOT, 1992), podendo eliminar ovos viáveis nas fezes em grandes quantidades durante todo o seu tempo de vida (COSTA-SILVA, 2000). Este roedor é considerado o mais importante reservatório silvestre do Schistosoma mansoni no Brasil, participando

ativamente da transmissão do parasito nos ecossistemas naturais (Fig.7) (GENTILE et al., 2010).

Figura 7: Ciclo de vida do Schistosoma mansoni em Nectomys squamipes. O rato d’água mantém o ciclo do parasito no meio natural, promovendo a contaminação dos ambientes aquáticos com os ovos do parasito.

Sua elevada suscetibilidade à infecção por S. mansoni (SOUZA et al., 1992; MALDONADO JR. et al., 1994; D’ANDREA et al., 2000), sua suscetibilidade às diferentes cepas do parasito (MARTINEZ, 1998; COSTA-SILVA, 2000), além da sua capacidade de manter populações permanentes e de tamanhos consideráveis (GENTILE et al., 2000) e de tolerar bem a presença humana, podendo habitar em regiões de peridomicílio (D’ANDREA et al., 1999) confirmam seu potencial para atuar como reservatório natural do parasito em áreas endêmicas.

Também já foi observado que N. squamipes desenvolve baixas cargas parasitárias (em torno de 10%) quando infectado experimentalmente, independentemente da cepa do parasito ou da via de inoculação utilizadas.

Provavelmente, este roedor consegue tolerar bem os schistosomas e, durante o curso da infecção, elimina parcialmente sua carga parasitária (RODRIGUES-SILVA et al., 1992).

O rato d’água apresenta forte adaptação ao parasitismo (MACHADO-SILVA et al., 1994), desenvolvendo patologia extremamente branda (SILVA e ANDRADE, 1989). A este respeito, CARVALHO (1982) observou que a maioria dos animais não apresenta lesões graves devidas à infecção, sugerindo alta compatibilidade na relação parasito-hospedeiro. Estudos histopatológicos mostraram que N. squamipes apresenta eficiente modulação das lesões peri-ovulares (RODRIGUES-SILVA, 1988; SILVA e ANDRADE, 1989).

Além disso, um estudo bioquímico mostrou não haver alteração no conteúdo de glicogênio do fígado dos animais naturalmente infectados por S. mansoni em relação aos animais não infectados. Entretanto, as glicemias divergiram, sendo que N. squamipes infectados apresentaram níveis séricos de glicose 25,27% maiores do que nos roedores não infectados (COSTA-NETO et al., 2013). Estes resultados sugerem que este roedor pode apresentar adaptações fisiológicas à infecção por S. mansoni.

Para uma melhor compreensão sobre a participação do N. squamipes na transmissão da esquistossomose mansônica, foi desenvolvido um projeto multidisciplinar no município de Sumidouro, estado do Rio de Janeiro, considerado região endêmica desta parasitose, durante quinze anos, pela Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil (D’ANDREA et al., 2000; GIOVANELLI et al., 2001; D’ANDREA et al., 2002; GENTILE et al., 2006; MALDONADO JR et al., 2006; BONECKER et al., 2009; PERALTA et al., 2009; GENTILE et al., 2012).

Estes estudos foram realizados em localidades da área rural de Sumidouro, caracterizadas pela presença de pequenas propriedades rurais, entrecortadas por cursos d’água, onde a população humana utiliza as fontes d’água presentes principalmente para irrigação, captação de água para consumo doméstico e lazer. Os roedores visitam estes locais diariamente em suas atividades de deslocamento e de forrageamento (Fig.8).

Figura 8: Curso d’água localizado na área rural de Sumidouro, RJ, em região peridomiciliar. Trata-se de uma região endêmica de esquistossomose mansônica humana (A) onde são capturados exemplares de N. squamipes durante trabalhos de monitoramento (B).

A partir dos dados obtidos, sugeriu-se que este roedor pode potencializar a transmissão desta parasitose nas áreas endêmicas, sendo também capaz de transportar o S. mansoni para locais onde não há transmissão, criando novos focos e dificultando o controle da doença (D'ANDREA et al., 2000); além disso, pode ser utilizado como um indicador biológico de focos naturais de transmissão (GENTILE et al., 2006).

Nos estudos realizados em Sumidouro, foi observada a ocorrência de um pico crepuscular de emissão de cercarias, coincidente com o período de atividade do roedor, sugerindo a possibilidade de um processo adaptativo do S. mansoni a este hospedeiro (D'ANDREA et al., 2002).

Em relação à helmintofauna presente em N. squamipes, MALDONADO JR. et al. (2006) encontraram neste roedor os nematódeos Physaloptera bispiculata, Hassastrongylus epsilon, Syphacia venteli, Litomosoides chagasfilhoi, o cestódeo Raillietina sp. e os trematódeos S. mansoni e Echinostoma paraensei. Também observaram não existir interação antagônica ou sinérgica entre o S. mansoni e as outras espécies de helmintos, sendo este parasito considerado um helminto bem estabelecido na comunidade natural do rato d’água.

Em relação ao parasitismo pelo S. mansoni, observou-se que este não afeta a sobrevivência do roedor nem reduz sua capacidade reprodutiva ou sua movimentação (D’ANDREA et al., 2000).

Em suma, o entendimento da dinâmica populacional do N. squamipes e dos fatores que a influenciam parece ser de fundamental importância para a tomada de decisões no que diz respeito ao controle da esquistossomose, visto que esta é uma

espécie de grande interesse epidemiológico, por ser um importante reservatório silvestre do S. mansoni em várias regiões brasileiras (GENTILE et al., 2012).

No documento katiabatistadoamaral (páginas 35-40)