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No que diz respeito ao princípio da cooperação judiciária, intrínseco à própria UE, devem os órgãos nacionais cumprir o seu dever de reenvio, “a menos que concluam que a questão não é pertinente ou que a disposição comunitária em causa foi já objeto de uma interpretação por parte do Tribunal de Justiça ou que a correta aplicação do direito comunitário se impõe com tal evidência que não dá lugar a qualquer dúvida razoável”24/25

. A verificação das circunstâncias que podem, nos termos supra mencionados, determinar a faculdade ou a obrigação do reenvio prejudicial, deve ser avaliada tendo em conta as características próprias do DUE, das dificuldades particulares da sua interpretação e do risco de ocorrerem divergências jurisprudenciais no seio da União26. Deve, portanto, presidir ao bom funcionamento do reenvio o espírito de colaboração, o que necessariamente implica que o órgão jurisdicional nacional

24 Cfr. acórdão Intermodal, cit., § 33. Por outras palavras, o TJ só pode recusar-se a responder a uma questão apresentada para sua apreciação por um órgão jurisdicional de reenvio quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal; quando o problema for hipotético ou ainda quando o TJ não disponha de elementos de facto e de direito necessários para oferecer uma resposta útil às questões submetidas. Neste sentido, cfr. nomeadamente, os acórdãos Van der Weerd e o., de 7 de junho de 2007, proc. C-222/05 a C- 225/05; Melki e Abdeli, de 22 de junho de 2010, proc. C-188/10 e C-189/10; Jakubowska, de 2 de dezembro de 2010, proc. C-225/09.

25 Nos termos do disposto no art. 99.º do RPTJ, quando seja submetida ao TJ uma determinada questão a título prejudicial, aquele pode decidir, a qualquer momento, mediante proposta do juiz-relator e ouvido o advogado-geral, pronunciar-se por meio de despacho fundamentado numa das seguintes três hipóteses: a) quando o TJ já se tenha pronunciado ou quando a questão prejudicial for manifestamente idêntica a outra sobre a qual o T já se tenha pronunciado, b) quando a resposta a essa questão possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou c) quando a resposta à questão submetida não suscite nenhuma dúvida razoável. Note-se que esta disposição consagra uma faculdade concedida ao TJ, e não constitui, de modo algum, uma obrigação, pelo que pode o TJ decidir por acórdão caso assim o entenda, ainda que se verifique uma das hipóteses supra referidas. É legítimo questionarmo-nos acerca da possibilidade e das razões que podem conduzir um juiz nacional a colocar questões ao TJ sobre as quais já tenha anteriormente oferecido uma resposta. Ora, entendemos que pode acontecer, por um lado, que o juiz nacional não conheça a decisão anterior do TJ, sendo certo que poderá não estar familiarizado com a abundante jurisprudência deste órgão jurisdicional da União. Por outro lado, pode ainda suceder que o juiz nacional, embora conheça a decisão anterior do TJ, simplesmente não concorde com o seu sentido, e pretenda que seja reconsiderada.

26 Cfr. Ribeiro, Maria Eugénia Martins de Nazaré, Anotação ao artigo 267.º, in Porto, Manuel Lopes e Gonçalo Anastácio (coord.), Tratado de Lisboa Anotado e Comentado, Almedina, 2012, p. 964.

apreenda as funções assumidas pelo TJ, de modo a que o papel do TJ seja o de contribuir para a boa administração da justiça nos EM, e não proferir opiniões consultivas sobre questões genéricas ou ainda hipotéticas27.

Acresce que as questões que o juiz nacional formula ao juiz da União devem ser precisas, porquanto em caso contrário o TJ recusar-se-á a responder. E facilmente se compreende este ónus que recai sobre o órgão jurisdicional de reenvio, na medida em que, caso assim não fosse, seria desprezado o caráter de utilidade que preside à própria figura do reenvio prejudicial. Deste modo, compete ao órgão jurisdicional nacional definir o quadro factual e legal no qual se inserem as questões que formula28, sendo certo que assumirá, a final, a responsabilidade pela decisão jurisdicional tomada29.

O papel do juiz nacional nesta sede é fundamental, na medida em que é ao órgão jurisdicional a quem foi atribuído o litígio principal que compete apreciar tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão, bem como a pertinência das questões que irá apresentar ao TJ. Note-se, porém, e sem prejuízo do referido, que o TJ poderá tomar em consideração normas do DUE às quais o órgão de reenvio não tenha eventualmente aludido nas suas questões, do mesmo modo que poderá reformular as questões que lhe forem submetidas30.

Ora, conforme tem vindo a ser recordado pela doutrina, e na lição de Maria de Nazaré Ribeiro, o reenvio prejudicial “institui um instrumento de cooperação direta entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, através de um processo não contencioso, estranho a qualquer iniciativa das partes e no decurso do qual estas

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Neste sentido, cfr. acórdão Schmidberger, de 12 de junho de 2003, proc. C-112/00. 28

Neste sentido, cfr. acórdãos Telemarsicabruzzo, de 26 de janeiro de 1993, proc. C-320/90 a C-322/90 e

Nemec, de 09 de novembro de 2006, proc. C-205/05.

29 Explica o TJ que “No âmbito do processo prejudicial, incumbe ao Tribunal de Justiça interpretar o direito da União ou pronunciar se sobre a sua validade, e não aplicar este direito à situação de facto que está em discussão no processo principal, o que incumbe ao juiz nacional. Não compete ao Tribunal pronunciar se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre as divergências de opinião na interpretação ou na aplicação das regras de direito nacional” e acresce que “O Tribunal pronuncia se sobre a interpretação ou a validade do direito da União, procurando dar uma resposta útil para a resolução do litígio, mas é ao órgão jurisdicional de reenvio que cabe tirar as consequências dessa resposta, eventualmente afastando a aplicação da disposição nacional em questão”, cfr. Nota Informativa…, cit., §§ 7 e 8.

30 Neste sentido, cfr. acórdãos Pansard, de 16 de janeiro de 2003, proc. C-265/01 e Neukirchinger, de 25 de janeiro de 2011, proc. C-382/08.

apenas são convidadas a apresentar as suas observações, sem qualquer possibilidade de modificação ou de contestação das questões colocadas (…), de submeter questões adicionais (…) ou ainda de invocar a invalidade de um ato que é objeto da questão prejudicial de interpretação suscitada pelo órgão jurisdicional nacional”31.

É nossa opinião, e na senda do já afirmado pelo TJ, que a necessidade de garantir a interpretação e aplicação uniforme do DUE exige que o monopólio da sua interpretação seja confiado a uma única jurisdição32. Acompanhamos aqui Alessandra Silveira, que aponta que “não é particularmente árduo perceber que uma ordem jurídica que aglutina e mantém unidas 27 [atualmente 2833] tradições normativas/doutrinárias/jurisprudenciais, com diferenças por vezes muito vincadas, só resulta se as suas disposições receberem uma interpretação uniforme, independentemente dos contextos nacionais em que tenham de ser aplicadas. Tem de ser assim em nome da própria igualdade dos cidadãos europeus, na medida em que o DUE deve ser aplicado no mesmo momento e com idênticos efeitos em todo o território da União, sem que os Estados-Membros lhe possam opor qualquer obstáculo; tem de ser assim porque a ordem jurídica europeia confere direitos aos particulares que cumpre aos tribunais nacionais salvaguardar – e o reenvio prejudicial oferece ao juiz nacional uma ferramenta útil e efetiva para eliminar os obstáculos que frustrem o pleno gozo daqueles direitos”34

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4. A afinidade entre o reenvio prejudicial e o princípio da tutela jurisdicional