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CAPÍTULO VI – IMPLICAÇÕES DA CONDIÇÃO DO ELSJ: A POSIÇÃO DOS

2. Processos cujas questões que revelem do ELSJ e simultaneamente questões

1. Implicações do indeferimento da tramitação prejudicial urgente por exclusão do domínio do ELSJ

Como vimos, se o litígio não incidir sobre o ELSJ não poderá ser submetido à TPU, pelo que determinar o domínio a que pertence o caso em apreço, e consequentemente as questões prejudiciais a submeter ao TJ, constitui uma tarefa primordial do juiz nacional.

Caso se verifique que o litígio não incide sobre o ELSJ, o pedido de tramitação urgente será liminarmente indeferido pelo TJ, o que se verificou nomeadamente no caso

Pontini228.

Neste processo, sucedeu que na sequência de investigações iniciadas em 2004 a pedido da Procura della Repubblica di Treviso, foi instaurado um processo no Tribunale di Treviso (Tribunal de Treviso) contra L. Pontini e o., com base nas disposições pertinentes do Código Penal italiano, pela prática dos crimes de associação criminosa e de burla agravada e continuada em prejuízo da Comunidade Europeia. Segundo a acusação, durante os anos de 2002 a 2004, os arguidos receberam indevidamente subvenções comunitárias, a saber, prémios especiais para os bovinos machos e pagamentos por extensificação previstos, respetivamente, nos art. 4.º, n.º 1, e 13.º do Regulamento (CE) n.º 1254/1999 do Conselho, de 17 de maio de 1999, que estabelece a organização comum de mercado no sector da carne de bovino 229.

O juiz nacional de reenvio interroga-se sobre se, no que diz respeito aos requisitos de concessão de subvenções financeiras comunitárias como as em causa no processo principal, o Regulamento (CE) n.º 1254/1999 previu requisitos estritos, não derrogáveis pelos EM, ou se estabeleceu um quadro geral de referência, remetendo para

228 Cfr. Acórdão Pontini, cit.

as competentes autoridades nacionais a necessária aplicação e a regulamentação dos detalhes.

O órgão jurisdicional de reenvio acompanhou a sua questão prejudicial de um pedido ao TJ de aplicação da tramitação urgente, em conformidade com o então art. 104.º-B do RPTJ, considerando que a questão exigia uma resposta urgente do TJ, pelo facto de o processo penal contra os arguidos estar pendente desde 2004 e de, entretanto, a autoridade nacional competente ter suspendido a concessão de todas as subvenções comunitárias aos arguidos. Sucedeu que por decisão de 21 de agosto de 2008, a Terceira Secção do TJ indeferiu esse pedido, dado que o pedido de decisão prejudicial não abrange um domínio coberto pela tramitação urgente prevista nos art. 23.º-A do Protocolo (n.º 3) relativo ao ETJUE e então 104.º-B do RPTJ e que, de qualquer forma, não tem a urgência exigida para a aplicação da referida tramitação. A título subsidiário, e pelas mesmas razões, o órgão jurisdicional de reenvio pediu ao TJ que submetesse o presente reenvio prejudicial à tramitação acelerada, nos termos do anterior art. 104.º-A, § 1, do RPTJ. Todavia, e por despacho de 29 de setembro de 2008, o presidente do TJ indeferiu este pedido, por considerar não estarem preenchidos os requisitos previstos naquela norma. Este processo foi concluído em praticamente 26 meses230.

Perante aquela posição do TJ, é legítimo questionarmos a rejeição de aplicação da tramitação prejudicial urgente num caso que não incida sobre o título V da parte III do TFUE, mas que revele tanta urgência quanto um caso que incida sobre o ELSJ. Esta limitação leva-nos a concluir que poderão existir litígios cujas questões prejudiciais sejam eventualmente menos sensíveis que as do ELSJ, mas cujo caso possa revelar mais urgência e não ser ainda assim submetido a uma tramitação urgente ou acelerada.

2. Processos cujas questões relevem do ELSJ e simultaneamente questões excluídas desse domínio

Como sabemos, num reenvio prejudicial, os órgãos jurisdicionais nacionais podem colocar ao TJ várias questões prejudiciais, pelo que pode surgir a hipótese de, no mesmo caso, serem simultaneamente colocadas ao TJ questões prejudiciais que relevem do ELSJ e questões excluídas desse domínio. É certo que uma tal situação seria muito

230 O pedido de decisão prejudicial deu entrada no TJ em 18 de agosto de 2008, e o acórdão foi proferido em 24 de junho de 2010.

rara. Não obstante, dada a diversidade casuística dos processos, não podemos deixar de abordar esta questão.

Conforme sublinha Paolo Iannuccelli231, uma tal situação levanta dúvidas acerca da tramitação processual que deve ser aplicada ao processo, e mais concretamente se devem as questões ser desassociadas a fim de somente as referentes ao ELSJ serem respondidas pelo TJ sob a tramitação urgente, ou se deve ser aplicada a tramitação prejudicial urgente à globalidade das questões.

Por um lado, caso se concluísse pela necessidade de dissociação das questões, a secção de urgência do TJ trataria sob a tramitação urgente apenas as questões do âmbito do ELSJ, e as restantes sob a tramitação processual ordinária. Poderia eventualmente aplicar-se a tramitação acelerada para estas últimas.

Todavia, defendemos que esta não seria a melhor solução porquanto, desde logo, é possível prever que desse origem a problemas de diversas ordens, designadamente a circunstância de o mesmo processo ser fracionado em diferentes formas processuais, o que causaria certamente dificuldades às partes, prejudicando a sua defesa. Acresce que certas questões são dificilmente dissociadas umas das outras, pelo que a teoria poderia não acompanhar com a prática. Isto implicaria, ainda, a necessidade de o TJ analisar previamente quais as questões suscetíveis de serem dissociadas umas das outras, e de se realizar no âmbito do mesmo processo duas vezes as fases escrita e oral.

Defendemos, assim, que uma tal hipótese seria suscetível de, a nosso ver, colidir com o princípio da boa administração, consignado no art. 41.º da Carta232. O direito fundamental a uma boa administração consagra um relevante conjunto de direitos e garantias de todas as pessoas que se relacionem com a Administração, “evidenciando a

231

Cfr. Tizzano, Antonio e Paolo Iannuccelli, “La procédure préjudicielle…”, pp. 128 e 129.

232 Dispõe aquele artigo que “1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições e órgãos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável. 2. Este direito compreende, nomeadamente: o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente, o direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito dos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial, a obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões. 3. Todas as pessoas têm direito à reparação, por parte da Comunidade, dos danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das respetivas funções, de acordo com os princípios gerais comuns às legislações dos Estados-Membros. 4. Todas as pessoas têm a possibilidade de se dirigir às instituições da União numa das línguas oficiais dos Tratados, devendo obter uma resposta na mesma língua”.

conceção da União como uma comunidade de direito e o reforço da cidadania europeia”233. A disposição desta norma determina um âmbito de aplicação adequado porquanto abarca todas as pessoas, físicas e coletivas, independentemente da sua nacionalidade e residência ou sede social, e que estabeleçam uma relação com a Administração. Por outras palavras, trata-se de um princípio reconhecido a todos os que estabeleçam uma relação com a Administração num procedimento que diga respeito ao DUE. É, assim, suscetível de ser exercido relativamente às instituições, órgãos e organismos da EU, bem como relativamente aos EM quando apliquem o DUE, ou seja, as entidades administrativas nacionais, regionais e locais, por força do art. 51.º da Carta, supra analisado.

Acompanhamos Cláudia Viana quando afirma que se trata de um “direito de conteúdo complexo, que assenta na conceção da União como comunidade de direito, e que é indutor de um conjunto de princípios e deveres a respeitar pela Administração (quer organicamente europeia quer funcionalmente europeia), sempre que esteja em causa a aplicação do direito da União”234.

O dever de boa administração exige um tratamento imparcial, equitativo e em prazo razoável, estando indissociavelmente ligado ao dever de diligência. Note-se que, e com relevância para o presente estudo, esta norma alude ao “prazo razoável” que constitui, como tivemos oportunidade de ver, uma aplicação do princípio da tutela jurisdicional efetiva.

Acresce que, conforme já referimos, a TPU é uma tramitação excecional, derrogatória do regime geral, pelo que a sua aplicação, efetivamente apenas deve aplicar-se ao domínio previsto para o efeito no art. 107.º do RPTJ.

Poderá, por outro lado, defender-se que a globalidade das questões prejudiciais deve, naquelas hipóteses, ser submetida à tramitação prejudicial urgente, o que permitirá uma maior segurança e coesão processual. Não ignoramos, todavia, que esta solução acarreta também certas dificuldades.

O regime processual da tramitação prejudicial urgente é, repita-se, excecional e derrogatório do regime ordinário, sendo as suas condições de aplicação restritas e previstas na legislação. Isto significa que para aplicar a TPU a questões que não

233 Cfr. Viana, Cláudia, Anotação ao artigo 41.º: direito a uma boa administração in Silveira, Alessandra, e Mariana Canotilho (coord.), Carta dos Direitos Fundamentais…, p. 483.

preenchem as condições de aplicação desse mesmo regime, ter-se-ia que recorrer a uma interpretação amplificada de uma norma que é, de per si, uma exceção235. Ademais, o objetivo da tramitação prejudicial urgente é que o caso seja decidido nos prazos mais curtos quanto possíveis.

Posto isto, devendo o TJ apreciar um litígio cujas questões prejudiciais não relevem todas elas do ELSJ, deverá o TJ adotar uma posição e criar jurisprudência num ou noutro sentido.