• Nenhum resultado encontrado

O Relatório de Transição sobre Segurança Alimentar e Nutricional

CAPÍTULO III. ANTECEDENTES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

3.8 O Relatório de Transição sobre Segurança Alimentar e Nutricional

O Relatório da Transição sobre Segurança Alimentar e Nutricional (Brasil, 2002), coordenado por José Graziano da Silva, aborda os seguintes tópicos: Implantação de uma Política Nacional de Segurança Alimentar; Proposta de um programa de ações emergenciais para o período janeiro/março de 2003; e Mudanças Legais Necessárias.

No item sobre a Implantação da Política de Segurança Alimentar, o documento apresenta como objetivos gerais:

Viabilizar as condições necessárias para garantir o compromisso com o Direito Humano à Alimentação no governo Lula e a meta Fome Zero; Promover uma ampla mobilização popular; e Envolver governos federal, estadual, municipal, ONGs e sociedade civil.

(Brasil, 2002: 2)

Os instrumentos definidos para pavimentar a consecução dos objetivos gerais desta política são assim apresentados:

1.Fortalecimento do Fórum Interministerial (Conselho de Governo – Pacto Interministerial; 2. Recriação do CONSEA – Conselho Nacional de Segurança Alimentar; 3. Criação da Secretaria de Estado da Segurança Alimentar e Combate à Fome; 4. Implantação de um Plano Piloto no 1º semestre de 200324; 5. Regulamentação das fontes de recursos do Fundo de Combate à Pobreza (doações, adicional sobre importação de supérfluos etc; e 6. Amplo processo de mobilização popular.

(Brasil, 2002: 3)

24 O enunciado deste item fala de uma implantação no 1º semestre de 2003, mas na página 23, do Relatório da Transição sobre Segurança Alimentar e Nutricional, o detalhamento da Estratégia de implantação do Projeto Piloto, marca seu início para dezembro de 2002.

Em relação à Implantação de um Plano Piloto no 1º semestre de 2003 é apresentado um novo programa, o Cartão Alimentação (também tratado no texto como cupom de alimentação)

como complementação da renda das famílias que recebem o Programa Bolsa-Renda nas regiões atingidas pela seca e ao Programa Bolsa-alimentação. (Brasil, 2002: 5-9). Assim, o

Cartão Alimentação, em sua versão piloto, já tem uma abrangência geográfica previamente definida (áreas atingidas pela seca) e uma parceria previamente estabelecida, o Programa Bolsa Alimentação do Ministério da Saúde.

O plano piloto para o Cartão Alimentação também define que será utilizado o Cadastro Único (assim abre a possibilidade para os demais programas de transferência) e ainda manifesta a intenção de estabelecer parcerias com Estados e Municípios, estabelece o valor do benefício e introduz dois novos temas ausentes dos demais programas de transferência: monitores e comitê gestor

O Plano Piloto voltado para a distribuição de um “CARTÃO ALIMENTAÇÃO” funcionaria inicialmente em escala piloto, em parceria com estados e municípios interessados em compartilhar os gastos de um programa desse tipo. A proposta é a distribuição, a famílias cadastradas, de um “cartão alimentação”, por meio do qual essas famílias poderão efetuar aquisições de alimentos junto a varejistas credenciados. A proposta é complementar o valor atual de R$ 30,00 com um valor inicial de R$ 50,00 por família, para compra de alimentos locais, totalizando R$ 80,00. Pressupõe-se que os governos estaduais compartilhariam 10 % dos recursos, enquanto as prefeituras assumiriam os encargos relativos ao custeio dos monitores e à instalação dos comitês gestores.

(Brasil, 2002: 5-9)

A parceria com Estados e Municípios estava condicionada à possibilidade de imprimir velocidade na implantação do Plano Piloto: “selecionar municípios-piloto chave em Estados chave, com Prefeitos comprometidos, que possam operacionalizar rapidamente o projeto”. (Brasil, 2002: 5-9).

Este plano piloto de implantação do cupom de alimentação destacava três diretrizes:

1.Vinculação dos gastos à compra de alimentos – Paralelamente, deverá ser realizado um grande mutirão para ingresso de novas famílias nestes Estados/Municípios selecionados.

(Brasil, 2002: 5-9).

A obrigatoriedade dos recursos do Cartão Alimentação serem destinados exclusivamente à compra de alimentos introduziu uma alteração na lógica dos programas de transferência de renda, pois, até então, os titulares dos benefícios decidiam quais gastos seriam realizados e, nas avaliações dos programas, inclusive aqueles de âmbito municipal, a maior

parte dos recursos era destinada à alimentação. Essa mudança provocou muitos protestos oriundos de diversos lugares: da Pastoral da Criança (Zilda Arns), da parte do senador Eduardo Suplicy, entre outros, por considerarem essa obrigatoriedade inadequada às exigências, bem como, a dificuldade de operacionalização deste controle.

2.Comitê Gestor (tirar negrito)– Será instituído um Comitê Gestor do Programa no nível municipal, constituído por membros dos Conselhos Municipais já existentes, como são os casos dos de Assistência Social, da Saúde, da Criança e do Adolescente, do Idoso e o do Desenvolvimento Rural. Em cada Estado, será designado pelo menos um técnico do programa que fará o acompanhamento das atividades dos comitês gestores. As prefeituras municipais, por meio de convênios, designarão os técnicos monitores que farão o acompanhamento e orientação das famílias beneficiárias, atuando na razão de um monitor para cada 50 famílias. Caberá a esse profissional o encaminhamento de membros das famílias para a realização de cursos de alfabetização, qualificação profissional, freqüência a postos de saúde e à escola, bem como ao trabalho comunitário associado à capacitação. Estes programas deverão ser desenvolvidos em parcerias com Governos Estaduais e municípios. A proposta é identificar os setores econômicos locais (produção alimentar, comercialização) vulneráveis e vinculá-los aos benefícios, fazendo com que os recursos permaneçam no espaço local/regional.

(Brasil, 2002: 5-9). Nesta versão do plano piloto, o Comitê Gestor do Programa seria constituído por membros de Conselhos já existentes (da Assistência Social, do Idoso, da Criança e Adolescentes). Mais duas outras inovações: um técnico, pelo menos, por Estado, para acompanhar as atividades realizadas pelos Comitês gestores; e um monitor designado pelas Prefeituras (por meio de convênios) para o acompanhamento de cada grupo de 50 famílias.

Finalmente, a terceira diretriz se refere à educação alimentar e a alfabetização de adultos:

3. Programa de educação alimentar conjugado com a alfabetização de adultos. (tirar negrito) Desenvolver programas de orientação alimentar junto às famílias beneficiadas com estímulo ao consumo de alimentos regionalizados, com equipes de saúde e de nutricionistas. Desenvolver também os programas junto à rede pública de ensino juntamente com o programa de alimentação escolar.

Observa-se, neste momento de transição de governo, que a proposta formal era de constituição de uma Secretaria Especial de Estado vinculada e subordinada à Presidência da República. Segundo José Graziano da Silva (2010), esta mudança ocorreu nos últimos dias da transiçãodevido à basicamente três elementos:

a) A “herança maldita” era pior do que se esperava, ou seja, a descoordenação na área de políticas sociais no governo Fernando Henrique era absoluta: cada ministério tinha o seu programa, os seus critérios, a sua lista e não havia nenhuma coordenação entre eles. b) Essa desorganização dificultava muito a unificação e acabou nos

convencendo que a gestão do fome zero precisava ter algum poder de coordenação sobre os ministérios e isso não seria possível através de uma secretaria.

A figura jurídica que nos foi apresentada pela futura assessoria da Casa Civil e da Procuradoria Geral, foi de Ministério Extraordinário, que já havia existido em várias situações no Brasil, principalmente na área de planejamento e que tinha este papel coordenador vinculado a Presidência. Nós queríamos duas coisas: vinculação à Presidência para garantir a alta prioridade e que tivesse alguma ascensão sobre os ministérios setoriais; e

c) Existência de grande oferta de ajuda internacional tanto financeira como técnica e para recebê-la era necessário a realização de convênios. E a faculdade para a realização de convênios internacionais exigia ter uma estrutura ministerial. (Silva, 2010)

Ainda segundo José Graziano (2010), ele foi procurado por Ana Fonseca no final de 2002, que lhe entregou o relatório elaborado por ela, dizendo: “olha aqui, isto (a unificação dos programas de transferência de renda) deve ir para dentro do MESA”. Ele assim respondeu para ela: “Ana, eu já tenho 61 programas/ações que estamos dispostos a interferir [...], mas, o processo de unificação deve ser conduzido pelo Presidente da República, pois os ministros setoriais não estavam dispostos a abrir mão das suas marcas e seus programas. Ele afirmou ainda que “o PCA seria uma ação de emergência que entrava para substituir o Bolsa Renda e que mais adiante se integraria na unificação conduzida pelo presidente.” (Silva, 2010).