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O respeito familiar no espaço organizacional

8 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE AS RELAÇÕES DE

8.1 Parentesco como “integração social” e mecanismo de manutenção da

8.1.3 O respeito familiar no espaço organizacional

A análise das narrativas dos diferentes sujeitos entrevistados permitiu a construção de um terceiro significado, que reforça a representação do parentesco como integração social – o respeito entre os integrantes do grupo Alfa.

A construção deste trabalho fundamenta-se, o tempo todo, na interação família/empresa, como principal atributo das organizações familiares. Esse atributo permite compreender que, nesses empreendimentos, comportamentos

próprios do ambiente familiar são transferidos para a esfera organizacional. Assim, a construção desta significação partiu do pressuposto de integração família/empresa, pois, por meio das análises, foi possível interpretar que o respeito que existe entre familiares é exercido nas relações empresariais do grupo Alfa.

Essa significação relaciona-se também ao sistema de atitudes (Silva, 1999), visto que os estudos que empregam essa abordagem teórica tratam de revelar quais condutas e obrigações estão embutidas nas relações entre irmãos, primos, marido/esposa, enfim, nas diversas estruturas parentais. Portanto, o respeito associa-se a essa ideia, pois, dependendo da posição hierárquica na família, o sujeito deve respeito aos seus familiares ou, o contrário, os familiares lhe devem respeito.

Esse significado atribuído às relações de parentesco foi identificado na análise das narrativas dos dirigentes e apenas de um funcionário. Talvez, isso esteja relacionado ao fato de os dirigentes possuírem laços parentais, e, por isso, vivenciarem mais intensamente essa questão do respeito.

8.1.3.1 O respeito familiar no espaço organizacional, na concepção dos dirigentes

A interpretação das narrativas dos dirigentes evidenciou situações específicas que expressam a transposição do respeito familiar para o espaço organizacional. A primeira situação trata da permanência no fundador nas organizações Alfa, mesmo idoso.

“Quando ele (fundador) saiu mesmo da empresa, foi trinta dias antes dele falecer. A gente criava uns horários para ele. Meu pai tinha oitenta e dois anos. Nós criávamos horário para ele, tinha as funções, ele tinha obrigação também dentro da empresa. Você não pode isolar uma pessoa que viveu tantos anos dentro de uma coisa (D2)”.

O entrevistado revela que, mesmo o Sr. Francisco estando idoso, impossibilitado de trabalhar ativamente na organização, ele não foi afastado dos negócios familiares. Isso se dá não apenas pelo carinho e apego do fundador com a organização, mas, sobretudo, por ele possuir uma posição de patriarca, idealizador do negócio, tornando delicado excluí-lo das atividades e obrigações organizacionais. Assim, ele permaneceu atuando, de forma esporádica, no grupo Alfa, até trinta dias antes de falecer.

Outra situação que revelou o respeito entre os familiares no espaço organizacional refere-se ao ingresso de D4 no grupo empresarial.

“E quando eu cheguei aqui, eu pensei: “vou ter que chegar meio devagar’, porque há 3 anos atrás eu tava com 21 anos. Imagina eu chegar com 21 anos, menino, já querendo cantar de galo. Eu com o meu irmão são nove anos de diferença [...] Aqui é questão de afetividade de irmão, de pai. Então, eu não posso chegar, brigar com ele, mandar ele embora ou ele me mandar embora, não vai ter esse negócio, você tem que saber como lidar” (D4).

A historiografia organizacional demonstrou que, no processo sucessório, esse indivíduo sofreu forte resistência do seu irmão mais velho, D5. No entanto, por possuir uma diferença de nove anos de idade, sentiu que devia respeitar a postura e certas opiniões de seu irmão, já que este atuava há alguns anos na organização. Esse fato revela que a manutenção do respeito familiar no espaço organizacional pode atenuar, ou até mesmo evitar, maiores conflitos empresariais.

8.1.3.2 O respeito familiar no espaço organizacional na concepção dos funcionários

A análise das narrativas dos funcionários revelou apenas um depoimento que expressa a transferência do respeito familiar para o ambiente empresarial.

“Talvez por ser familiar, eles têm aquele respeito. Tipo, ‘mamãe (Sra. Estela) não vai gostar disso’. Até certo ponto, ajuda” (F5).

A narrativa revela que existe uma preocupação entre os irmãos em não desapontar a matriarca, Sra. Estela, com desavenças empresariais. Isso denota a integração da família/organização, pois, apesar de a Sra. Estela não atuar no grupo Alfa, os dirigentes evitam maiores conflitos em respeito à figura materna.

A análise das narrativas permitiu constatar que os dois grupos, tanto de dirigentes, quanto de funcionários, compartilham dessa significação. Embora as situações narradas sejam distintas, é observável a convergência para um único ponto: o respeito aos integrantes mais velhos da família. Portanto, o respeito entre parentes, praticado no espaço familiar, é transferido para o espaço organizacional, independendo da hierarquização dos cargos empresariais.

Outro aspecto que merece destaque e que reforça o respeito familiar no espaço organizacional, e consequentemente a representação do parentesco como integração social, é a figura da matriarca. Ela apresenta-se como uma peça chave para a manutenção do respeito e da união entre os irmãos. As narrativas denotam que Sra. Estela, apesar de não atuar no grupo Alfa, exerce forte influência na dinâmica organizacional, na medida em que tenta mediar os conflitos empresariais. Ela busca desempenhar, dentro das práticas organizacionais, o mesmo papel que desempenha no âmbito familiar: de manter o bom relacionamento entre seus filhos, evidenciando, mais uma vez, a simultaneidade de papéis, tratada por Silva & Oliveira (2008) no referencial teórico deste trabalho. Algumas narrativas expressam claramente a importância da matriarca, na tentativa de integrar os dirigentes do grupo Alfa.

“A minha família, hoje, ela ainda é toda centralizada na minha mãe. A minha mãe é viva. Então, minha família é toda centralizada ali. A minha mãe, ela ainda é o pivô de tudo. Os filhos são obrigados a ir lá.... Aí, falam...aí, aquela história, um queixa do outro. Então, ela harmoniza

Sra. Estela ocupa um lugar central na família. Por meio da convivência direta com os filhos, a matriarca passa a se inteirar dos assuntos organizacionais, inclusive das relações conflituosas. Diante disso, preocupa-se em harmonizar, “obrigando” a convivência entre os irmãos, conforme demonstrado no seguinte relato:

“Eu acho que o fato da mamãe tá viva, por exemplo, ainda segura muito,

entendeu? É, porque obriga uma convivência. Lá em casa, por exemplo, a mamãe faz muita questão, nas festas de final de ano, aniversário. Eu com as minhas filhas vamos lá e almoçamos no sábado. Aí, outros irmãos vão com os filhos. Sempre um encontro forçado, isso cria uma convivência” (TC5).

O informante, por fazer parte da família, nota que a matriarca ainda faz questão de manter as reuniões familiares, a fim de harmonizar e permitir o maior convívio familiar. Os dirigentes organizacionais, preocupados em respeitar a vontade de Sra. Estela, mantêm, apesar das desavenças, um relacionamento no espaço doméstico.

Esse papel de “integradora familiar”, desempenhado pela Sra. Estela, repercute diretamente nas ações organizacionais. O grupo Alfa já vivenciou diversas crises e conflitos que acarretaram, inclusive, no desdobramento das empresas. Entretanto, apesar das desavenças, é verificável a prática solidária entre os integrantes da família empresária, como foi demonstrado. Esse fato associa-se à tentativa de união e manutenção do bom relacionamento familiar, desempenhado por Sra. Estela. A interferência da matriarca nos negócios permite a atenuação de muitos conflitos organizacionais. No período em que ocorreu a grande crise, no ano de 1990, as organizações Alfa poderiam ter sofrido uma separação não apenas administrativa, como foi o caso. No entanto, o grupo manteve uma única marca, a utilização de um único software, os mesmos

convênios e a decisão conjunta do direcionamento estratégico. O grupo empresarial não foi desfeito; o que ocorreu foi uma divisão das gestões. Talvez o não desmembramento do grupo esteja atrelado à busca pela integração familiar.