• Nenhum resultado encontrado

Reconhecendo a importância do debate sócio-antropológico no campo

Tal como colocado, nesta seção serão tratados os trabalhos na área de

Administração que buscaram inserir abordagens sociológicas e/ou antropológicas para melhor compreender a dinâmica das empresas familiares. Essas inserções demonstram-se relevantes na medida em que permitem ao pesquisador entender com maior propriedade o sistema familiar, sua dinâmica, suas características e seus novos formatos. A compreensão desse sistema é fundamental quando se trata de organizações familiares, pois, tal como apresentado ao longo deste trabalho, essas empresas possuem peculiaridades, frutos da integração família-organização. Portanto, ressalta-se a necessidade de compreender os elementos históricos, socioculturais e simbólicos presentes no universo familiar.

Cientes da importância de inserir questões advindas da Sociologia e da Antropologia nos estudos sobre empresas familiares, autores, tais como Belardinelli (2002), Very & Raytcheva (2002), Dyer Jr. (2003), Stewart (2003), Grzybovski & Lima (2004), Jones (2005), Machado (2005) e Posso (2003), buscaram, no campo das ciências sociais, compreender a família, as estruturas e as relações de parentesco, evidenciando como esses elementos próprios do

sistema familiar integram-se com a estrutura empresarial. Nota-se, além disso, que esses trabalhos se concentram em um período recente, demonstrando que o interesse por essas abordagens para o estudo de empresas familiares é emergente e atual, portanto, relevantes de serem explorados.

Dyer Jr. (2003) afirma que a instância familiar é negligenciada no campo dos estudos organizacionais. Para o autor, o surgimento da administração científica e da burocracia no início do século XX permitiu que os pesquisadores visualizassem as organizações familiares com desprezo, pois consideravam a existência de relações familiares como fator impeditivo para a existência de boas práticas nos negócios. Por fim, o autor ainda afirma que incluir a família como uma categoria nas pesquisas, pode reforçar a compreensão dessas organizações e desenvolver teorias com maior densidade e profundidade.

Belardinelli (2002) ressalta a necessidade de assumir a família como instância principal nos estudos, visto que esse sistema é responsável pela socialização primária do indivíduo, capaz de influenciar as diversas atividades humanas, inclusive as relações de trabalho.

Very & Raytcheva (2002) apontam a perspectiva antropológica como um potencial campo para compreender a dinâmica das empresas familiares porque explicam diferentes atitudes dos membros da família empresária ao conduzir os negócios.

Stewart (2003) busca trazer para o campo da Administração discussões antropológicas que podem auxiliar a compreensão das organizações familiares. O autor analisa os custos e os benefícios que as estruturas de parentesco proporcionam a esses empreendimentos. Stewart (2003) indica algumas vertentes dessas influências, como, por exemplo, as razões que levam parentes a trabalhar em empresas familiares e as tensões entre as dimensões morais e táticas do parentesco. Por fim, o autor enaltece o potencial que a teoria

antropológica do parentesco possui para contribuir com os estudos em empresas familiares, ampliando suas fronteiras.

Jones (2005, p. 283) aponta que os empreendimentos familiares outrora foram negligenciados pela corrente central da teoria administrativa. Para entender o universo das empresas familiares, esse autor também se apropria de estudos antropológicos, enfatizando que, por meio das estruturas e princípios de parentesco, poderia emergir uma “Antropologia da Administração” que pudesse contribuir tanto com as pesquisas em Administração como em Antropologia.

Já Machado (2005) exalta a importância de se considerar os novos arranjos familiares nos estudos sobre empresa familiar, visto que as teorias estão essencialmente fundamentadas no modelo familiar patriarcal. A autora afirma que as instituições familiares modificaram-se ao longo dos anos, contudo, os estudos a acerca das organizações familiares desconsideraram as transformações culturais, econômicas e sociais ocorridas nessas instituições. Em seu estudo, a autora resgata diferentes concepções de família e aponta que esses sistemas estão se diferenciando, em termos de tamanho, distância entre gerações e distribuição de poder. Desse modo, a autora enfatiza a necessidade de redimensionar a percepção de empresas familiares, abrangendo a possibilidade de diferentes arranjos familiares.

O conceito de família empregado nas pesquisas sobre empresas familiares é discutido por Grzybovski & Lima (2004). Para os autores, a possibilidade de uma (re)definição da categoria família oferece uma relevante contribuição para a construção apropriada de pesquisas em organizações familiares. Os estudos que abarcam o universo desses empreendimentos possuem uma temática multidisciplinar, portanto, os autores pontuam que seria natural iniciar as discussões resgatando conceitos advindos da Antropologia e da Sociologia, que explicam a vertente da família na sua origem e evolução para, posteriormente, inserir o debate conceitual no campo da Administração.

Posso (2003), averiguando que a instância familiar é capaz de influenciar, sobremaneira, a dinâmica das organizações familiares, aponta a necessidade de melhor se compreender as relações intrafamiliares. Posso (2003) explica que cultivar boas relações no ambiente familiar reflete direta e positivamente nas ações das organizações familiares. Tratando especificamente do processo sucessório, o autor ressalta a necessidade de se investir constantemente na relação daqueles que darão continuidade ao projeto familiar. Ele destaca que o sucesso de muitas organizações familiares está atrelado, em boa parte das vezes, à capacidade de relacionamento pessoal que os irmãos adquiriram em casa, durante a infância. Contudo, verifica-se que, no caso da família empresária, os membros possuem menos tempo para a convivência familiar, pois, geralmente, dedicam-se integralmente à empresa. Diante disso, o autor chama a atenção para uma boa comunicação e um ambiente harmônico, permitindo, assim, melhorar o relacionamento entre os integrantes da família e, consequentemente, o clima organizacional. Posso (2003), finalmente, enfatiza a necessidade de se delimitar os ambientes “trabalho” e “casa”. Para o autor, é muito difícil estabelecer que os assuntos de casa sejam tratados em casa e os assuntos de trabalho sejam tratados no trabalho, ainda mais no caso das organizações familiares. Para ele, o que a família deve estabelecer não é “onde” tratar esses assuntos, mas sim “quando” tratá-los.

Visto que já existe um reconhecimento, por parte dos pesquisadores, de se trabalhar com abordagens multidisciplinares para a compreensão das empresas familiares, com este trabalho pretende-se ceder espaço aos campos da Antropologia e Sociologia, buscando entender a dimensão familiar e as relações de parentesco, de modo que seja possível construir, de forma mais consistente, teorias que possam explicar as peculiaridades das organizações familiares. Esses empreendimentos encontram-se impregnados de problemáticas oriundas do universo simbólico familiar, como relação entre casais, desentendimento entre

irmãos, gestão por parentes que não pertencem à família nuclear (genros, noras, primos, etc.), autoridade dos pais para com os filhos, entre outros. Portanto, comportam códigos, valores, atributos e atitudes que podem ser caracterizados como distintivos quando comparados a empresas não-familiares.