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2 CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA

2.5 O SABER CUIDAR NA DIMENSÃO HUMANA

Segundo Bermejo (2008), conceituar humanização em saúde não é algo que se expresse com tanta facilidade devido à complexidade que a etiologia da palavra se apresenta. Humanizar é uma palavra mais moderna que substitui o termo humanar, que é definido como

tornar uma coisa mais humana, menos cruel, menos dura para os homens. O cuidar humanizado deve ir além da preocupação holística3 com o enfermo, mas, assegurar uma preocupação com a pessoa que irá prestar os cuidados, ou seja, o agente da saúde.

Ao tentar caracterizar a profundidade em que o termo se aplica as ações de saúde, iniciou-se com uma referência a unicidade de cada pessoa, aqui compreendido como o estilo próprio de cada um frente à vida, resultando na necessidade de personalizar a assistência em saúde. Em uma reflexão mais profunda, voltada para a unidade hospitalar, estes pensamentos são estendidos à gestão, a concepção do sistema de saúde, funcionamento das estruturas sanitárias, mentalidade das pessoas envolvidas no sistema, competência profissional e com elementos subjetivos como a dor evitada, o sofrimento prevenido, as capacidades recuperadas, o retorno da alegria e outros.

Em termos gerais, Bermejo (2008) traz alguns indicadores de humanização em saúde que vão desde o contexto da cultura, economia, política, estruturas ou ambientes para o cuidado, competência profissional, ética e cuidado com o cuidador.

Nos campos da cultura, dos valores e da ética, a humanização em saúde é observada através de atitudes que respeitam a vida, que não negam o sofrimento do outro, que têm humildade para perceber as limitações, que respeita as descobertas técnico-científicas de forma a harmonizar com o conhecimento comum.

Os aspectos humanizadores inerentes ao âmbito da política e da economia são identificados pela noção de que um sistema político será tanto mais humano quanto mais se distribua de maneira justa os recursos econômicos voltados para a saúde, assim como, quanto mais se proporcione um acesso universal e transparente dos serviços de saúde e das ações da gestão. Do ponto de vista das estruturas e da ambiência onde a assistência em saúde acontece, deve-se priorizar o conforto desde a constituição da planta física, funcionalidade, até o modo como se organiza o trabalho.

Por fim e sem levar em consideração a importância da ordem de apresentação dos campos de atuação da humanização da assistência explicitados até o momento, o espectro deste termo perpassa a preocupação com o cuidador. Esta é ressaltada sob o ponto de vista da atenção às motivações intrínsecas para cultivar o bom grau de valorização e auto-estima até preocupações do âmbito da competência profissional. Neste último eixo, a humanização pode ser percebida e enfatizada desde o início do processo de formação na graduação e se perpetuar

3 Preocupação holística – segundo Bermejo (2008) é entendida como aquela que considera a interdependência entre o corpo, a mente e o entorno.

de forma contínua. Para isto, faz-se necessário incluir no currículo profissional conteúdos das ciências humanas e enfatizar as relações, seja com os usuários ou com a equipe multiprofissional. (BERMEJO, 2008)

Ao compreender que humanizar o cuidado representa a maneira como ocorrem às relações humanas, esta prática envolve o ouvir o que o outro tem a dizer, considerar os princípios bioéticos da autonomia, justiça, beneficência e não maleficência.

A autonomia do indivíduo é compreendida como a capacidade inerente ao homem de elaborar leis para si mesmo, de agir conforme sua vontade a partir de escolhas de alcance pessoal. Embora sabendo dos direitos do paciente, é difícil o enfermeiro permitir a manifestação das vontades do doente em detrimento das normas hospitalares. A justiça está voltada para uma assistência eqüitativa para todos os pacientes, enquanto que, o princípio da beneficência e não maleficência pressupõe ir além de não prejudicar, mas, em fazer ativamente o bem. (BARBOSA; SILVA, 2007)

No estágio hospitalar o saber humano parece confrontar-se com o saber técnico. Os estudantes ao depararem com o sofrimento do paciente despertam a dimensão humana, sendo sensibilizados para o cuidar humanizado. Passam a se identificarem com os problemas do doente e a refletirem sobre seus próprios conflitos e frustrações, reconhecendo a condição humana e percebendo o contexto de vida subjetiva e social embutidos no quadro de doença e hospitalização. Contudo, esta aproximação os torna vulneráveis ao sofrimento. Sentimento de tristeza e preocupação com os pacientes passam a serem situações vivenciadas pelos estudantes que iniciam a prática profissional, inclusive, em situações extra-muros hospitalares, quando as ações do trabalho começam a repercutir na vida pessoal de cada estudante. Além disso, a falta de preparo para o cuidar e para o enfrentamento de experiências marcadas pelo sofrimento apresenta-se como uma dificuldade a ser considerada.

A ansiedade pelo aprender torna-os mais observadores e gera situações de conflitos pessoais ao identificar atitudes inadequadas dos profissionais, que ferem aos princípios éticos e humanos. Uma forma de exemplificar este pensamento está na observação da postura profissional que agrega um fazer mecânico e frio, entre outros. Estas atitudes deslocam o eixo para a humanização e valorização da autonomia do paciente durante a execução de um procedimento técnico, onde, muitas vezes, os pacientes não são questionados em relação às suas opiniões. Estes fatos convergem para a falta de formação dos profissionais de saúde para o lado subjetivo do enfrentamento do cuidar, considerações estas que reforçam a necessidade de mudanças na estrutura curricular da equipe de saúde. (CASATE; CORRÊA, 2006)

Ao retomar a concepção de humanização como saber e correlacionando à realidade hospitalar como espaço para aprendizado que proporciona os saberes ditos da experiência, observa-se uma relação direta com a interação entre as pessoas, tais como: melhor capacidade de comunicação, falar e escutar, procurando reduzir a assimetria entre linguagem técnica e popular, aprender a se relacionar e compreender o outro, perceber que a população tem seus próprios saberes, gerir situações que ocorrem no cotidiano do trabalho, resolver problemas criativamente, atentar para uma prática profissional humanizada, compreender de forma mais ampla as possibilidades da formação profissional. Contudo, estes aprendizados não são tão valorizados pelos estudantes que iniciam a prática profissional com o desejo de aprender os procedimentos técnicos ou a clínica em saúde. (FAGUNDES; BURNHAM, 2005)

Frente à complexidade que envolve o humanizar a assistência em saúde, dilemas entre o público e o privado, as belíssimas alíneas que descrevem o SUS e a necessidade da aplicação de conceitos humanizadores tão falados e que por ora se apresentam como pouco vivenciados, foi criado a Política de Humanização da Atenção e da Gestão para o SUS, também chamada de PNH ou Humaniza SUS. Uma iniciativa do Ministério da Saúde que visa qualificar práticas de gestão e de atenção em saúde para o SUS. Seu foco converge para a perspectiva da produção de novas atitudes por parte dos trabalhadores, gestores e usuários, da percepção de uma nova ética para superar os problemas e desafios no cotidiano do trabalho. É abraçada por uma produção da discursividade moral que se assemelha ao modo “certo” de se fazer a assistência em saúde. Sua abordagem metodológica parte do pressuposto de treinar trabalhadores ou corrigi-los em atitudes consideradas (des) humanas. A criação desta Política expressa a magnitude atribuída a este saber para a saúde. Utiliza para isto a adoção de práticas inclusivas e direcionadas para as ações da gestão, do cuidado e da capacitação dos profissionais. Porém, não se torna expressiva no tocante da integração com as escolas de formação e Instituições de Ensino Superior em saúde, carecendo de uma proposta que possa estreitar os laços desta importante Política com o processo educacional formal do país. (PASCHE; PASSOS, 2010)

Entendendo o currículo como um dos norteados para esta ação formativa, há de se considerar uma forte preocupação com os passos que levam à fragmentação do mesmo. Muitas das ações que conduzem à redução do poder curricular podem ser expressas, entre outras, pela falta de integração com as demais disciplinas e com o mundo. Tornando-o voltado para reforçar a visão quase que puramente tecnicista e instrumental, engessada no processo de formação profissional. (SÀ, 2010)

Considerando o saber sobre humanização e o currículo do curso de enfermagem, ao comparar um estudo feito por Garcia e Fagundes (2010) com o pensamento de Macedo (2004) pode-se exemplificar o distanciamento e diferenciações existentes entre o currículo formal e currículo moral.

O estudo de Garcia e Fagundes (2010) teve por objetivo procurar identificar de que forma o estágio, na condição de espaço para aprendizado, contribuía para a formação. Em seus achados, ao classificarem as aprendizagens decorrentes do estágio, as cinco mais citadas foram: entender a diversidade e as relações de poder no contexto do trabalho, escutar, ser solidário e desenvolver atitudes de articulação no trabalho e com a equipe. Embora os sujeitos do referido estudo – estudantes do curso superior em enfermagem – tenham citados aprendizados que incorporavam o conceito de saber sobre humanização, nenhuma alusão sobre este tema havia sido proferida na programação do referido estágio, realizados pelos mentores do curso. (GARCIA; FAGUNDES, 2010) Desta forma, a programação do curso é caracterizada como currículo formal e a noção de currículo moral estaria exemplificada na classificação dos cinco aprendizados mais citados pelos sujeitos, ou seja, embora o saber sobre humanização não fosse descrito nos programas de disciplinas, assim o foi oportunamente durante a construção do aprendizado no estágio. (MACEDO, 2004)

Para finalizar as contextualizações teóricas, reuni na secção a seguir desfechos sobre o saber, a autonomia e a reflexidade na medida em que a delimitação destes conceitos se confluem e entrelaçam-se.

2.6 O SABER, A AUTONOMIA E A REFLEXIVIDADE: A EPISTEMOLOGIA DA

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