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O SEGURO MÚTUO E A ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO VEICULAR

A figura do seguro mútuo (socorro mútuo ou auxílio mútuo) é muito importante para compreensão da controvérsia existente entre associações de proteção veicular e seguradoras.

Segundo Martins (2018), ainda que bastante parecidos, o contrato de seguro não deve ser confundido com a mutualidade. Isso porque, ela (a mutualidade) ocorre na hipótese de várias pessoas se juntarem para, cada um responsável por certa quota, única ou periódica, garantir o resultado dessas cotas para a finalidade de indenizar prejuízos que um dos mutualistas possa vir a sofrer em determinadas circunstâncias.

Nesses tipos de caso, cada mutualista é segurador do outro. E, tendo em vista que o segurador deve sempre ser sociedade anônima (empresária), com as exceções das cooperativas de seguro agrícola e do seguro relativo ao acidente de trabalho, a associação de mutualistas constituída para prevenir eventuais prejuízos de seus componentes não pode ser considerada uma seguradora nos termos da Lei. (MARTINS, 2018).

Venosa (2013) explica que, originalmente, era possível a atuação de sociedades de seguro mútuo, caracterizada por um grupo de pessoas com o objetivo de proteger determinado prejuízo. A repercussão do prejuízo, nessa ocasião, se atenuava pela divisão dos valores vertidos em favor da coletividade que se formava. Desse modo, constitui-se “ ... uma entidade de auxílio mútuo para a qual contribuem todos os integrantes em benefício dos sócios atingidos pelo infort nio”. (VENOSA, 2013, p. 425).

De acordo com Rizzardo (2018), no seguro mútuo, as pessoas mutuamente se responsabilizam pelo prejuízo que qualquer uma delas possa vir a sofrer, em vista do risco que todas estas estão expostas. Desse modo, cada um é segurador dos outros e também por eles segurados. Assim, pode-se tanto ter o direito à indenização, quanto ter a obrigação de pagar a outrem que sofreu prejuízo.

Em verdade, o Código Civil não mais contempla o seguro mútuo como contrato de seguro, mas apenas um pacto onde as pessoas se integram com objetivo comum. (RIZZARDO, 2018).

Cabe destacar que “no seguro mútuo não se visa o animus lucrandi, pois todos os integrantes figuram como sócios e se cotizam para atender exclusivamente aos encargos assumidos pela pessoa jurídica”. (RIZZARDO, 2018, p. 840).

Além disso, os estatutos dessas pessoas jurídicas devem expressar, para que não haja dúvidas, que os segurados-associados não pagam um prêmio, mas sim pagam cotas necessárias à manutenção da entidade e para suprir deficiências que se verificam. (RIZZARDO, 2018).

Por sua vez, essas contribuições variam de acordo com a realidade da instituição, diante dos benefícios que os associados recebem. O fato é que certo número de segurados coloca em comum entre si o prejuízo que um deles venha a sofrer. O risco é assumido por todos. (RIZZARDO, 2018).

Dessa forma, a contribuição à cota necessária atenderá as despesas de administração da entidade e cobrirá os prejuízos que acontecerem. Com a ocorrência de um sinistro, terá o beneficiário (associado) direito ao ressarcimento que será suportado por todos os outros. (RIZZARDO, 2018).

Nessa acepção, explica Gonçalves:

No seguro mútuo, várias pessoas unem-se para assumir os riscos inerentes às suas vidas ou aos seus bens, partilhando entre si os eventuais prejuízos. Em tal caso, o conjunto dos segurados constitui a pessoa jurídica, a que pertencem as funções de segurador. Ela não tem fim lucrativo. Os segurados são exclusivamente os próprios associados. (GONÇALVES, 2018, p. 512).

E conforme afirma Tartuce:

[...] preceitua o Enunciado n. 185 CJF/STJ, aprovado na III Jornada de Direito

Civil, que “a disciplina dos seguros do Código Civil e as normas de previdência

privada que impõe a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão”. O enunciado refere-se ao seguro-mútuo, cuja possibilidade é reconhecida e cujo conceito consta do próprio enunciado. No entanto, é preciso ressaltar que as sociedades de seguros mútuos, reguladas pelo Decreto-lei 2.063/1940, não se confundem com as companhias seguradoras, pois naquelas os segurados não contribuem por meio do prêmio, mas sim por meio de quotas necessárias para se protegerem de determinados prejuízos por meio da dispersão do evento danoso entre os seus vários membros. (TARTUTE, 2017, p. 653)

Sob essa ótica da mutualidade e do seguro mútuo, portanto, se verifica um crescimento exponencial no Brasil de entidades que se autodenominam associações de proteção veicular, isto é, “ ... organização constituída regularmente como associação, onde os associados dividem os possíveis prejuízos materiais causados aos veículos de sua propriedade num sistema cooperativo de autogestão”. (GOIÁS, 2017).

Nesse cenário, considerando-se a ausência expressa de vedação legal à criação de entidades de auxílio mútuo, nos últimos anos, com amparo no direito constitucional à liberdade de se associar, muitos grupos de indivíduos têm se organizado na forma de associações civis, cuja finalidade principal é, dentre outras, oferecer a proteção veicular aos veículos dos associados que delas participam.

Assim sendo, a prática da proteção veicular coletiva surgiu da exteriorização do exercício da garantia constitucional da liberdade de associação, na medida em que um grupo de indivíduos, premidos de necessidades iguais, decidiram outorgar direitos e deveres em uma espécie de cooperação mútua, no afã de pulverizar os resultados econômicos dos prejuízos materiais que vinham sofrendo. (GONÇALVES, 2012).

O surgimento dessas instituições foi impulsionado sobretudo em virtude do valor elevado do seguro praticado no mercado pelas seguradoras. Dessa forma, colhe-se do Tribunal de Justiça de São Paulo:

[...] as sociedades de auxílio mútuo surgem exatamente nos espaços econômicos não ocupados seja pela existência de um risco excessivo, seja pela impossibilidade de formação de uma coletividade homogênea em termos atuariais ou insatisfatoriamente atendidos sobretudo pelos valores economicamente inviáveis dos prêmios pelo modelo securitário tradicional, de forma que não há, efetivamente, paralelo entre as figuras discutidas ao longo dos autos. (SÃO PAULO, 2013).

No mesmo sentido, esclarece Gonçalves:

Tal prática, já frequentemente observada em Minas Gerais e em alguns Estados da Federação Brasileira surge, portanto, de legítimas manifestações sociais onde o indivíduo busca, na força do conjunto (representada pelo grupo social de que faz parte), alcançar resultados que, isoladamente, não lhe seria possível. É dizer, o indivíduo que não possui condições financeiras de contratar um Seguro (em razão do alto valor dos Prêmios cobrados pelas Companhias Seguradoras) busca, através de mútua ajuda e solidariedade de seus pares (exteriorizada pela contribuição efetuada para constituição de um fundo comum) restabelecer seu patrimônio ao estado anterior existente antes de nele vir a ser vitimado. (GONÇALVES, 2012, p. 159). O fato é que a criação dessas entidades de auxílio mútuo em grande escala deu azo não só a batalhas judiciais, como também à propositura de projetos de lei visando

regulamentar, legitimar e proibir a existência dessas instituições, que constantemente vêm sendo criadas no País.

Neste diapasão, sobre o tema, destacam-se os projetos de Lei n. 3139/2015, 5523/2016, 5571/2016 e 10329/2018, os quais serão abordados a seguir, de maneira separada, para melhor compreensão do tema abordado.

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