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4.2 DISCUSSÕES PARLAMENTARES

4.2.2 Projeto de Lei n 5523/2016

O Projeto de Lei n. 5523 de 2016 pretende alterar “o artigo 53 da lei 10.406/2002, Código Civil, para permitir que proprietários ou possuidores de bens móveis e imóveis possam organizar-se em associações para proteção patrimonial mútua”. (BRASIL, 2016).

Dessa forma, extrai-se da proposição legislativa ao artigo 53 do Código Civil:

§2º Fica assegurado aos proprietários ou possuidores de bens móveis e imóveis o direito de se organizarem em associações para proteção patrimonial mútua, podendo criar fundo próprio, desde que seus recursos sejam destinados exclusivamente à prevenção e reparação de danos ocasionados aos seus bens por danos de qualquer natureza. (BRASIL, 2016).

A ideia principal do Projeto de Lei é “ ... regulamentar e garantir segurança jurídica para os associados das associações de benefícios mútuos, que possuem como finalidade o au ílio m tuo de seus associados”. (BRASIL, 2016).

Na justificação da alteração legislativa, o autor do Projeto, Deputado Ezequiel Teixeira, explica que:

Chamo a atenção para o trabalho desenvolvido pelas associações de proteção patrimonial, que por não terem finalidade lucrativa, possibilitam a proteção patrimonial dos seus associados por um custo ínfimo, além da qualidade dos serviços colocados à disposição dos seus associados.

Diante dos benefícios trazidos e baixo preço, essa nova atividade vem sendo criticada pelas empresas de seguros convencionais, no qual afirmam que tal atividade fere a proteção de mercado.

Ocorre que os associados, geralmente integram uma parcela da sociedade que não possui interesse econômico e viabilidade para as seguradoras, razão pela qual, necessitam promover uma reunião de pessoas para rateio de despesa, como única forma de garantir a proteção de seu patrimônio. (BRASIL, 2016).

E prossegue esclarecendo que:

Ressalto que a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda que é responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguro, estaria inibindo o funcionamento de associações por entender que estariam comercializando seguros travestidos de proteção patrimonial e sem autorização da SUSEP.

A interpretação da SUSEP é errônea e desproporcional. Evidente que as associações de proteção patrimonial não possuem natureza jurídica de seguro privado, uma vez que, destinam-se exclusivamente, a divisão de rateio de despesas entre os seus associados agrupados, com a finalidade específica de ajuda mútua na defesa de seu patrimônio.

Portando, as associações não se destinam a comercialização de seguros, em que pese a semelhança, há uma diferença essencial, a saber, o rateio das despesas entre os associados, geralmente como limite máximo de valor a ser indenizado. Não há a figura do segurado e do segurador, nem garantia de risco coberto, mas mero rateio de prejuízos efetivamente caracterizados. (BRASIL, 2016).

Por fim, o parlamentar enfatiza que, em decorrência dessa situação, “ ... a regulamentação se faz necessária para afastar a atuação ilegal da SUSEP no que tange o regular funcionamento das associações de proteção patrimonial”. (BRASIL, 2016).

4.2.3 Projeto de Lei n. 5571/2016

O Projeto de Lei n. 5571 do ano de 2016 é de autoria do Deputado João Campos de Araújo e dispõe especificamente acerca do socorro mútuo entre outras providências. (BRASIL, 2016).

Da proposição legislativa deste parlamentar, colhe-se:

Art. 1º O socorro mútuo poderá ser um dos objetivos de uma associação e consiste na divisão exclusivamente entre os seus membros em um sistema auto-organizativo dos danos patrimoniais relativos ao bem móvel indicado pelo associado.

[...]

Art. 2º A associação que tiver como objetivo o socorro mútuo, deve registrar no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas, além dos requisitos impostos pela Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 o estatuto deve conter:

I. O nome “socorro m tuo” na denominação da entidade; II. A participação de no mínimo 500 (quinhentos) associados;

III. Indicação de que as regras do socorro mútuo deverão ser dispostas em um regulamento próprio, criado por meio da Assembleia Geral;

IV. Mandato dos órgãos de administração não superior a quatro anos;

V. A segregação patrimonial entre a entidade e a contribuição dos seus membros para o socorro mútuo;

VI. Exigência de quorum qualificado para deliberação sobre a dissolução.

Art. 3º Para realização do objetivo de socorro mútuo, os associados contribuem com as quotas necessárias para ocorrer às despesas da administração e aos danos patrimoniais verificados.

Art.4º A associação deve constituir um fundo de reserva técnica, o qual deverá ser utilizado nas hipóteses de elevado número de danos patrimoniais em que as contribuições ordinárias não forem suficientes para arcar com as indenizações em determinado mês e dissolução.

Art. 5º. Reserva-se o direito de fiscalização do socorro mútuo ao Conselho Nacional de Seguros Privados e de forma subsidiária as Federações das Associações de Benefícios e Socorro Mútuo de cada Estado, que tenham mais de dois anos de fundação.

Art. 7º Fica estabelecido o prazo de 12 (doze) meses para que a associações atualmente em atividade reformulem os seus estatutos, no que for cabível,

adaptando-os ao disposto na presente Lei, quando tiver com objetivo o socorro mútuo.

[...] (BRASIL, 2016).

Assim sendo, na justificativa do Projeto de Lei, o parlamentar e plica que as “ ... associações de socorro mútuo não possuem fins lucrativos, assim, seus associados contribuem apenas com um valor referente à manutenção da sede e funcionários (administração) e outro referente às divisões dos prejuízos”. (BRASIL, 2016).

Essa divisão de prejuízos, por sua vez, pode ser explicada da seguinte forma: se ocorre um prejuízo no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) e a associação tem 500 associados, cada um arcará, em razão da ajuda mútua, com o valor de R$ 1,00 (um real), a fim de amparar o associado que sofreu o prejuízo. (BRASIL, 2016).

Dessa forma, verifica-se que “ ... a associação de proteção veicular não gera lucros, pois o valor é exato aos prejuízos ocorridos no mês anterior. Em virtude de não obter lucros, mostra uma alternativa viável aos associados”. (BRASIL, 2016).

O parlamentar esclarece, ainda, que:

O novo Código Civil não trouxe de forma expressa sobre as associações de socorro mútuo, dispondo apenas de forma geral sobre as associações. Na realidade, o momento em que esse diploma legal foi criado já estava em vigência a nossa Constituição cidadã, a qual dá importante papel da liberdade de associação, deixando de forma geral e permitindo a criação de qualquer grupo que tenha interesses comuns, havendo apenas a exceção de criação visando objetivo paramilitar ou ilícito. (BRASIL, 2016).

E ressalta:

[...] não há como negar crescimento das associações sem fins lucrativos e o papel por elas desenvolvido, como o sentimento de cooperação, confiança, igualdade, amparo mútuo, civilidade, representação, luta por grupos de excluídos e mais importante, ferramenta para efetivação de objetivos comuns, pois a união de pessoas com mesmo objetivo possui maior força e, consequentemente, mais chances de efetivar aquilo que os fizeram unir. (BRASIL, 2016).

Por fim, o autor do Projeto destaca que as associações de proteção veicular (socorro m tuo) são “ ... entidades que por meio de autogestão democrática amparam seus associados em momentos difíceis, além de criar progresso social e desenvolvimento econômico regional”. (BRASIL, 2016).

4.2.4 Projeto de Lei n. 10329/2018

O projeto de lei n. 10.329/2018 foi proposto pelo Deputado Sóstenes Cavalcante, na data de 30/05/2018. A proposição legislativa especifica “ ... requisitos para uma associação civil realizar rateio de despesas ocorridas exclusivamente entre seus associados”. (BRASIL, 2018).

Por meio do projeto, o parlamentar pretende regulamentar o associativismo na forma de socorro mútuo. Nesse sentido, extrai-se excerto da proposição legislativa:

Art. 1º A associação civil poderá, dentre suas finalidades, constar a possibilidade de realizar o rateio de despesas ocorridas exclusivamente entre o (sic) seus associados, desde que obedecidos os critérios legais.

Parágrafo único. Ante a inexistência de transferência de risco para um segurador e de prêmio que represente o preço da assunção do risco, não se equipara a contrato de seguro a atividade de uma associação civil que irá realizar o rateio de despesas já ocorridas exclusivamente entre os seus membros em um modelo de autogestão, respeitado os critérios estabelecidos por lei, sob pena de configurar seguro privado e ficar sujeito às penas previstas na legislação especial.

[...]. (BRASIL, 2018).

Além disso, na justificativa da proposição do projeto legislativo, o Parlamentar enfatiza a necessidade de se demonstrar a diferença entre a atividade de rateio de despesas e o contrato típico de seguro. Assim, explica que para dizer que alguém contratou seguro, é necessário que obrigatoriamente sejam contemplados os requisitos do artigo 757 do Código Civil, isto é, o prêmio, um estudo atuarial feito pela seguradora e o risco. (BRASIL, 2018).

Para o Parlamentar, esses elementos não são constatados no âmbito das associações de proteção veicular, eis que ela realiza a divisão de despesas entre seus associados, porque a pessoa jurídica (associação) não assume nenhum risco como as seguradoras. O risco, portanto, permanece com o associado e a associação apenas possibilita a divisão de prejuízos que já ocorreram (despesa certa e passada). O valor pago a título de mensalidade, então, refere-se às despesas que já ocorreram e aos custos ordinários de manutenção da entidade e não propriamente um prêmio para transferência do risco, tal qual ocorre no seguro privado. (BRASIL, 2018).

Assim, “ ...] a associação não se obriga a riscos predeterminados, mas apenas a tomar conhecimento das despesas já ocorridas entre os seus associados para realizar a divisão/rateio”. (BRASIL, 2018).

Além disso, o Parlamentar explica que inexiste distinção entre segurado e segurador nessas associações, tendo em vista que o associado é ao mesmo tempo um

cooperador e beneficiário caso venha a ter prejuízos. Logo, a associação não assume nenhum risco, mas tão somente gerencia a divisão das despesas. (BRASIL, 2018).

4.3 A PROTEÇÃO VEICULAR

Conforme já se explicou, o aumento significativo das associações de proteção veicular chamou a atenção da SUSEP (Superintendência de Seguros Privados), em razão da semelhança do serviço de proteção veicular com o contrato de seguro.

Assim, os Projetos de Lei acima relatados representam a discussão política que envolve o tema e também demonstram algumas substanciais diferenças, bem como semelhanças existentes entre o seguro privado e a proteção veicular.

E, assim como no ambiente parlamentar, o tema deste trabalho, igualmente, adentrou no Poder Judiciário. Em diversas ações judiciais, portanto, se discute a natureza, semelhanças e diferenças entre a proteção veicular e o contrato de seguro.

Assim, tendo em vista que a doutrina fala de maneira genérica sobre as associações e o auxílio mútuo, é a jurisprudência, diante dos casos concretos, que vem exercendo o papel de conceituar, distinguir ou analisar as semelhanças da figura da proteção veicular, concedida por essas associações, em relação ao contrato de seguro firmado com as seguradoras.

É o caso do acórdão da 2ª Turma do STJ, proferido nos autos do REsp n. 1616359/RJ, de relatoria do Eminente Ministro OG Fernandes, interposto pela Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, em demanda que a autarquia propôs em desfavor da Associação Mineira de Proteção e Assistência Automotiva – AMPLA. (BRASIL, 2018).

No REsp n. 1616359/RJ, o Ministro Relator OG Fernandes, ao analisar a violação do artigo 757 do Código Civil/2002 e dos artigos 24, 78 e 113 do Decreto-Lei n. 73/1966, constatou que o produto disponibilizado pela AMPLA configura típico contrato de seguro. (BRASIL, 2018).

Esclareceu, assim, que a AMPLA realiza a cobrança de franquia e disponibiliza cobertura diante de sinistros provocados por terceiros ou por eventos da natureza, características essas que compõem um contrato de seguro de danos. Ainda, o Ministro afirmou que o fato de não haver um prêmio, mas sim um valor tabelado a ser pago pelo adquirente, não descaracteriza por si só o contrato de seguro de danos. (BRASIL, 2018).

De outro lado, o Ministro assinalou que a AMPLA também não pode ser classificada como grupo restrito de ajuda mútua, a teor do que dispõe o Enunciado n. 185 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, tendo em vista que disponibiliza seu produto de maneira abrangente. Deste modo, para o Ministro, a abrangência da disponibilização do produto faz deduzir que a AMPLA assume o risco contratado como se fosse uma típica seguradora, pois a proteção automotiva é aberta a um grupo indeterminado de interessados. (BRASIL, 2018).

Além disso, explica o Ministro:

Aliás, tanto se trata de atividade que não encontra amparo na legislação atualmente vigente que a própria parte recorrida fez acostar aos autos diversos informes a título de projetos de lei que estariam tramitando no Poder Legislativo (e-STJ, fls. 789- 811), a fim de alterar o art. 53 do Código Civil/2002, para permitir a atividade questionada nesta demanda.

Ora, tratasse de ponto consolidado na legislação pátria, não haveria necessidade de qualquer alteração legislativa, a demonstrar que o produto veiculado e oferecido pela recorrida, por se constituir em atividade securitária, não possui amparo na liberdade associativa em geral e depende da intervenção reguladora a ser exercida pela recorrente. (BRASIL, 2018).

E prossegue esclarecendo que, sendo o produto da AMPLA um típico contrato de seguro, é pertinente e deve ser imposta a atuação da SUSEP, autarquia federal constituída justamente para regular o mercado de seguros, nos termos dos artigos 24, 78 e 113 do Decreto-Lei n. 73/1966. E esse controle estatal tem razão de existir, porque as seguradoras administram fundos comuns ou de poupança coletiva, o que exige do Estado atenção especial. (BRASIL, 2018).

Deste modo, o Ministro Relator concluiu que não há vedação para que a AMPLA se constitua como grupo restrito de ajuda mútua, mas isso só poderá ocorrer se ela enquadrar- se nas regras do Decreto-Lei n. 2.063/1940 e da legislação correlata, observando o Enunciado n. 185 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal. (BRASIL, 2018).

Em decorrência disso, o Ministro Relator deu provimento ao recurso especial interposto pela SUSEP para restabelecer a sentença, que declarou a ilicitude da atuação da AMPLA no mercado de seguros e determinou a imediata suspensão de suas atividades concernentes a este mercado, proibindo-a, permanentemente, de efetivar a oferta, veiculação, anúncio, cobrança ou comercialização de produtos pertinentes à atividade securitária. (BRASIL, 2018).

Por sua vez, neste mesmo processo (Ação Civil Pública n. 0014904- 70.2011.4.02.5101) em que a SUSEP interpôs o REsp n. 1616359/RJ, o Tribunal Regional

Federal da 2ª Região concluiu em sentido oposto ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça, tendo analisado com mais abrangência o caso e a proteção veicular em si.1

Assim, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região entendeu que a AMPLA não pratica nenhuma atividade ilegal, eis que não negocia seguros em desacordo com o Código Civil e a legislação específica aplicável. (RIO DE JANEIRO, 2014).

A Relatora do caso, a Juíza Federal convocada Edna Carvalho Kleemann, enfatizou que, à luz do entendimento consolidado no Enunciado n. 185 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, acerca da interpretação relativa ao artigo 757 do Código Civil, é possível a criação de associações sem fins lucrativos, cujo objetivo é o auxílio mútuo entre seus associados, na qual há repartição de custos e benefícios entre seus integrantes, mediante o rateio das despesas, caracterizadas pela autogestão, não se confundindo, portanto, com o seguro privado ofertado pelas sociedades seguradoras, este sim sujeito à legislação específica. (RIO DE JANEIRO, 2014).

E prossegue elucidando que a ideia dessas entidades é a divisão dos prejuízos com outras pessoas na mesma situação, ou seja, sistemática divergente das seguradoras, em que o contrato de seguro obriga o segurador a garantir o interesse legítimo do segurado, na forma do artigo 757 do Código Civil. Assim, os associados estão previamente cientes de que, quanto menor o número de participantes, maiores serão as despesas a serem rateadas. (RIO DE JANEIRO, 2014).

Para o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, portanto, a proteção automotiva promovida pela AMPLA não possui garantia, como se vê no contrato de seguro, pois ela não fornece qualquer garantia de cobertura do risco, mas a possibilidade de ratear, entre seus membros, prejuízos que já aconteceram, em valor que irá variar a depender da quantidade de associados e o total dos prejuízos. Dessa forma, a AMPLA, diferentemente das seguradoras, não faz análise de risco, típica do seguro tradicional. (RIO DE JANEIRO, 2014).

1 AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADMINISTRATIVO. SUSEP. ASSOCIAÇÃO. PROTEÇÃO AUTOMOTIVA.

ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA. A despeito das atribuições legais da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP para a fiscalização das operações de seguro e afins (Decreto-lei n.º 73/66), não se verifica, no caso, a negociação ilegal de seguros por associação sem fins lucrativos instituída com o fim de promover proteção automotiva a seus associados. Apesar das semelhanças com o contrato de seguro automobilístico típico, há inegáveis diferenças, como o rateio de despesas entre os associados, apuradas no mês anterior, e proporcional às quotas existentes, com limite máximo de valor a ser indenizado. Hipótese de contrato pluralista, em grupo restrito de ajuda mútua, caracterizado pela autogestão (Enunciado n.º 185 da III Jornada de Direito Civil), em que não há a figura do segurado e do segurador, nem garantia de risco coberto, mas rateio de prejuízos efetivamente caracterizados. Eventual prática de crime (art. 121 do DL n.º 73/66) há de ser aferida na via própria, mas não há qualquer ilegalidade na simples associação para rateio de prejuízos. Apelação provida. Sentença reformada.

Além disso, afirmou a Relatora:

Inviável, destarte, afirmar a ilegalidade de toda e qualquer associação de pessoas unidas com o objetivo de ratear despesas diversas, apenas para assegurar a lucratividade e a competitividade das companhias seguradoras convencionais, em evidente cerceamento da autonomia da vontade e da liberdade de associação. Evidentemente que, como em qualquer atividade, eventuais irregularidades na autuação, no rateio das despesas, nos demonstrativos contábeis, ou mesmo de sonegação fiscal, hão de ser fiscalizadas e punidas nas vias próprias. Não se pode, porém, presumir a ilegalidade da associação apenas com base nos seus objetivos de proteção automotiva dos associados, como quer a SUSEP. (RIO DE JANEIRO, 2014).

Assim, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região concluiu, neste caso, que “ ... a prática de ajuda mútua entre os associados da Ré não configura negociação de seguros hábil a se enquadrar no âmbito de fiscalização da SUSEP (art. 113 do referido Decreto-lei) ... ”. (RIO DE JANEIRO, 2014).

Por sua vez, em outra Ação Civil Pública ajuizada pela SUSEP, o Juiz Federal da 1ª Vara Federal de Passo Fundo do Rio Grande do Sul, ao analisar o estatuto e o regimento interno de uma associação, identificou elementos do contrato de seguro, deferindo liminar tendente a determinar a interrupção da prática de qualquer comercialização ou oferta de modalidade de seguro pela associação, bem como determinou a suspensão da cobrança de valores de seus associados ou consumidores. (RIO GRANDE DO SUL, 2015).

Contudo, este mesmo Juízo, em sede de sentença (cognição exauriente), após a dilação probatória ocorrida nos autos, entendeu que a associação ré (ASTRA – Associação dos Transportadores) não comercializa seguros. (RIO GRANDE DO SUL, 2018).

Segundo o Juiz Federal, a análise da natureza jurídica da ASTRA e da sua relação jurídica com seus respectivos associados, assim como deles entre si, leva a conclusão de que ela não desenvolve atividade do seguro típico. Assim, explica que a associação desenvolve uma espécie de mutualismo, que não se confunde com o seguro privado. (RIO GRANDE DO SUL, 2018).

Nesse sentido, elucidou o Magistrado:

Neste caso concreto a associação ré não comercializa seguros. Seus associados são plenamente cientes do vínculo que há entre eles. Os associados criaram (ao constituírem a entidade) um sistema, ou aderiram a este sistema (em caso de ingresso posterior), segundo o qual todos assumem, juntos, os riscos individuais envolvidos no uso de seus veículos, conforme regras e práticas por eles próprios, associados, aceitas e estipuladas. São "caminhoneiros" que se uniram para satisfazer um interesse comum. Este Juízo, ao deferir a liminar postulada pela SUSEP, pressupôs a situação de um motorista de caminhão hipossuficiente, que, na condição de consumidor, ignoraria os riscos do "seguro" que estava "contratando". Não é este,

conforme já referido, o caso dos autos. (RIO GRANDE DO SUL, 2018, grifo do autor).

O juízo singular ainda enfatizou que se, algum dia, a associação não conseguir arcar com a cobertura plena de um prejuízo, os associados assumirão a responsabilidade por tal vínculo que estabeleceram com os demais. Isso porque, assumiram esse risco no âmbito privado, o que é permitido pelo ordenamento jurídico vigente. (RIO GRANDE DO SUL, 2018).

Ademais, o magistrado destacou que:

Um ponto fundamental a ser considerado, neste caso, relevantíssimo para definir a improcedência do pedido, diz respeito ao elevado custo do seguro para cobertura de caminhões de carga, no mercado de seguros propriamente dito, e a dificuldade - até inviabilidade - para obter cobertura de veículos antigos. A associação ré foi criada e é mantida pelos seus sócios, pelo que se extrai do conjunto da prova, justamente em razão das dificuldades que este setor econômico enfrenta para obter cobertura de sua frota de caminhões, perante asseguradoras. O representante legal da ré, Astra B, assim como a testemunha Celso Vicente Marini (corretor de seguros), foram claros, em seus depoimentos, ao afirmarem que as seguradoras normalmente não oferecem contratos de seguros que envolvam veículos de carga mais antigos, com dez anos ou mais de uso, de modo que, nestes casos, sequer há a alternativa de contratação de seguro automotivo para o caminhoneiro. Por outro lado, conforme alegado pelo representante legal da ré em audiência, a idade média da frota dos seus

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