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O sentido enviesado da cultura do consumo.

A necessidade expansiva do capital, que se traduz na esfera social com a produção em larga escala de bens materiais, necessita como suporte para a sua difusão de uma série de valores que possibilitem estimular a sociedade em busca de padrões dominantes ligados à lógica do mercado. Estes padrões visam ditar suas regras de valores e condutas na sociedade ao transmitir, por intermédio dos veículos da comunicação de massa, determinados comportamentos e estilos que, talvez de forma inadequada, sejam denominados como “cultura de consumo”. Efetivamente observamos uma vertente ideológica pragmática que contribui para o estimulo ao consumo, para a participação dos indivíduos na roda do mercando enquanto consumidores, atribuindo aos indivíduos que compartilham do consumo de determinados produtos qualidades similares. Alguns autores, como Bauman, focando, sobretudo, o modo de vida em grandes metrópoles no mundo desenvolvido, arriscam-se em construir conceitos globalizantes sobre o consumo e cultura de consumo, que a nosso ver devem, necessariamente, sofrer mediações quando aplicadas a países em que a situação de desigualdade impede na prática que parcelas significativas da sociedade possam consumir para além dos produtos básicos necessários para a subsistência. Bauman considera que, a cultura de consumo “encurta radicalmente a expectativa de vida do desejo e a distância temporal entre este e sua satisfação, assim como entre a satisfação e o depósito de lixo. A ‘síndrome consumista’ envolve velocidade, excesso e desperdício” (BAUMAN, 2008, p. 111). Na ótica deste autor a “sociedade de consumo” apresenta-se como a sociedade do excesso e da extravagância acarretando por conseqüência o

próprio desperdício caso pensemos na lógica reprodutiva do capital de produção e consumo. Neste aspecto os valores advindos desta cultura do consumo têm como regra a satisfação que deve apresentar-se como uma experiência momentânea, ou seja, a satisfação duradoura deve ser negada na medida em que deve mostrar-se pouco agradável aos consumidores. Para isso é que são criados uma série de produtos que venham a agradar os consumidores através da última novidade a ser lançado no mercado.

A cultura consumista é marcada por uma pressão constante para que sejamos alguém mais. Os mercados de consumo se concentram na desvalorização imediata de suas antigas ofertas, a fim de limpar a área da demanda pública para que novas ofertas a preencham. (Ibidem, p.128).

Ainda que possamos referir-nos à descrição de Bauman como correta para descrever comportamentos compulsivos de segmentos sociais que têm acesso ampliado às mercadorias, não concordamos que este consumo cause desperdício, pois esta categoria só poderia efetivamente ser utilizada se nos referíssemos à sociedade socialista. No modo de produção capitalista a destruição e o consumo acelerados são necessários para estimular a própria produção. Esse movimento, portanto não obedece a uma lógica autônoma do consumo e sim à necessidade de reprodução do próprio capital. De certa forma, o próprio marketing é ele mesmo apenas um elemento para reforçar essa necessidade reprodutiva do capital, e não só por esse motivo é um criador e estimulador de novas necessidades.

A aparência dessa velocidade do movimento produção-circulação-consumo é que dá a aparência de uma sociedade do efêmero, como afirma Lipovesky ao falar do “poder” da moda na sociedade atual.

Featherstone (1995) aponta três características importantes para a compreensão do estoque de mercadorias produzidas pelo capitalismo: 1° a expansão da produção capitalista de mercadorias dá origem a uma enorme acumulação de cultura material que se traduz na forma de bens e locais de compra e consumo, repercutindo no aumento do lazer e das atividades relacionadas com o consumo nas sociedades ocidentais de um modo geral; 2° a relação entre a satisfação que os bens materiais proporcionam e seu acesso socialmente demarcado na sociedade. Aqui se deduz o fato segundo o qual as

pessoas usariam (determinadas) mercadorias como forma de criar vínculos ou diferenciações sociais. 3° os prazeres desejos, emoções e sonhos, suscitados pelo consumo constituem um imaginário consumista. A “cultura de consumo” leva em conta o estilo de vida que dependendo daquilo a ser consumido viria a demarcar posições sociais além de reforçar valores associados com a individualidade no que diz respeito aos gostos dos consumidores. Sobre tal afirmação diz Featherstone:

A expressão ‘estilo de vida’ está atualmente em moda. [Assim sendo] no âmbito da cultura de consumo contemporâneo ela conota individualidade, auto-expressão e uma consciência de si estilizada. O corpo, as roupas, o discurso, os entretenimentos de lazer, as preferências por comida e bebida, a casa, o carro, a opção de férias, etc. de uma pessoa são vistos como indicadores da individualidade do gosto e o senso de estilo do proprietário/consumidor. (FEATHERSTONE, op. cit., p. 119).

Como princípios a serem difundidos socialmente a cultura do consumo molda estilos e práticas sociais que longe de evidenciar certa liberdade dos indivíduos camufla enormes contradições ao dotar cada indivíduo isolado de gostos e aptidões que o mercado simplesmente busca oferecer.

Usar a expressão ‘cultura de consumo’ significa que o mundo das mercadorias e seus princípios de estruturação são centrais para a compreensão da sociedade contemporânea. Isso envolve um foco duplo: em primeiro lugar, na dimensão cultural da economia, a simbolização e o uso de bens materiais como ‘comunicadores’, não apenas como utilidades; em segundo lugar, na economia dos bens culturais, os princípios de mercado – oferta, demanda acumulação de capital, competição e monopolização – que operam ‘dentro’ da esfera dos estilos de vida, bens culturais e mercadorias. (FEATHERSTONE, op. cit., p. 121).

Na ótica apresentada por este autor, a cultura de consumo tem que ser analisada a partir do aumento da produção de mercadorias e das relações que ela estabelece criando diferenciações sociais e, por fim, entendê-la como produtora de desejos com vistas a suscitar o prazer nos objetos do consumo. Cabe aqui chamar a atenção para o fato de que o autor considera bastante relevante a questão da “cultura” de consumo, pois para Featherstone seria pouco esclarecedor considerar o consumo como exclusivamente

derivado das relações de produção. Esta posição do autor vem numa ótica oposta elaborada por Marx sobre a relação entre a produção e o consumo na sociedade. Portanto para Featherstone se é possível afirmar que há uma “lógica do capital” derivada da produção, seria possível também afirmar que há uma “lógica do consumo” que sinaliza como modos estruturados de usar bens para demarcar relações sociais.

No caso dos argumentos acima é necessário acrescentar que face a uma sociedade marcada pelas desigualdades, os gostos e desejos difundidos por uma “cultura do consumo” não são plenamente satisfeitos. Assim o estilo de vida de cada indivíduo estaria mais adequadamente justificado não pelo seu (ou apenas) ato em consumir de fato um produto vendido no mercado e, sim, pela posição que ocupa na estrutura social. Ou seja, a ideologia de uma cultura do consumo e seu sentido enviesado apenas transfere da esfera social – sociedade de classes – as posições ocupadas pelos sujeitos ao relacioná-las ao simples ato de consumir determinados produtos que supostamente seriam mais acessíveis a determinadas parcelas da população em detrimento a outras. Todavia a ideologia da cultura de consumo transmite de modo unitário e “universal” valores e normas para a sociedade.

Capítulo 02

JUVENTUDE E REPRESENTAÇÃO VEICULADA NOS COMERCIAIS DE