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Kant e o Romantismo: Prelúdios Geográficos

2.1. A ESTÉTICA DE KANT

2.1.2 O SENTIMENTO SUBLIME

“O belo concorda com o sublime no fato de que ambos aprazem por si próprios [...]”. (KANT, 2008, p. 89).

Assim, Kant entende que o:

“Sublime é o que apraz imediatamente por sua resistência contra o interesse dos sentidos”. (KANT, 2008, p. 114)

Segundo Dekens (2008) o juízo do sublime é a concordância entre a imaginação e a razão, enquanto do belo é da imaginação e o entendimento. O sublime, conforme Brum (1999), através da articulação entre a imaginação e a razão possibilita análises aprofundadas da forma dos objetos e como os mesmos são reconhecidos, já que a relação entre a imaginação e a razão é contrastante; assim, por meio deste contraste delimita- se o racional e o fantasioso proporcionando uma reflexão sobre esses elementos contidos nos objetos.

O sublime kantiano influenciou o romantismo, com destaque para F. Schiller, uma vez que o sublime é o limitador do incomensurável, pois o mesmo representa a natureza, isso significa que mesmo nós fazendo enormes esforços não compreenderemos a natureza em sua grandeza através de um olhar, todavia esse olhar nos revelará racionalmente uma parte da natureza que será compreendida por esse simples olhar.

A natureza, conforme Kant (2008) é sublime, ela ultrapassa a normalidade de nossas reflexões e faz com que a intuição sensorial seja incapaz de compreendê-la como um todo.

A natureza revela a insignificância do homem, o homem como “serzinho”, incapaz de enxergar o todo, de conhecer o todo, de alcançar o todo. Essa idéia da natureza magnífica, posteriormente, influenciará o pensamento romântico e seus desdobramentos filosóficos e artísticos. Tentam os artistas representarem a natureza, todavia para Kant essa representação é parcial e insuficiente, já que a natureza é a própria grandeza. Nós humanos mesmo inferiores diante do todo possuímos características que nos tornam superiores, já que essa experiência de inferioridade faz com que tenhamos condições práticas e morais para a superação de nossa condição diante da natureza.

Para Kant (2008, p. 114):

Pode-se descrever o sublime da seguinte maneira: ele é um objeto (da natureza), cuja representação determina o ânimo a imaginar a inacessibilidade da natureza como apresentação de ideias.

O sublime é o inacessível, diante do qual a imaginação humana é “travada”, impossibilitando o avanço judicativo. O sublime torneia a imaginação, esse ponto é fulcral para o desenvolvimento do romantismo, já que as características típicas dos românticos são a liberdade, a imaginação, o sentimentalismo e a deificação da natureza.

Assim, o sublime kantiano põe em cena a relação da natureza e do homem, fazendo com que o segundo se inferiorize diante da primeira, ao mesmo tempo em que busca elementos teóricos e práticos para se livrar destas condições inferiores e que aprisionam o homem.

O belo para Kant revela a harmonia, o conjunto equilibrado entre o conhecimento que não é conceituado e a qualidade que esse conhecimento ao ser verificado (sem ser limitado) produz.

Quanto ao sublime apresenta o conceito - somente temos acesso ao sublime pela razão - daí a capacidade gerativa das formas que revelam a quantidade, já que o imensurável é mensurável, em outras palavras, o sublime (o absolutamente grande) não pode ser quantificado por nenhuma medida, ele revela por si sua grandeza e nos obriga a uma reflexão limitadora que coloca em choque a imaginação e a razão.

O belo é revelado, enquanto o sublime precisa ser escavado, desenterrado arqueologicamente, para a compreensão de suas particularidades, para a superação do estado de terror em que o homem está diante da natureza.

“O homem experimenta-se aqui como superior à natureza exterior; ele se sente como um ente moral que pode comparar-se com a toda-poderosa natureza, e até lhe é superior”. (HÖFFE, 2005, p. 306).

Ao mesmo tempo em que somos inferiorizados pela natureza, somos também capazes de superá-la. Kant busca essa superação através da compreensão do pensar, do agir e do perceber humano.

O sublime é a ligação da natureza e do homem, a demonstração plena do prazer e do desprazer, da postura do homem diante do imensurável. O sublime praticamente obriga o homem a agir para superar o terror imposto pela significância da natureza na relação da imaginação e da razão, abandonando, em certa medida, o sentimento e sublinhando a razão como propulsão.

Espantamos-nos frente ao tamanho do universo, tal espanto ocorre por nossa insuficiência avaliativa do nosso tamanho e do tamanho do universo, ou seja, somos muito

pequenos diante da grandeza do cosmos. Essa constatação somente é possível se conhecermos matemática, proporcionalidade, reversibilidade, geometria euclidiana e analítica, isto é, matematizar o universo é possível, porém é impossível sem longos anos de estudos e dedicação. Kant (2008) quanto ao estudar o sentimento sublime não o faz pensando apenas em um grupo de homens eruditos, busca compreender o sentimento geral do homem ocidental; assim, a grandeza revelada faz-nos boquiabertos, todavia tal grandeza nos fará sentido a partir de nossa percepção estética, ou seja:

“[...] toda avaliação das grandezas dos objetos da natureza é por fim estética (isto é determinada subjetivamente e não objetivamente”. (KANT, 2008, p. 97).

O temor diante da grandeza é uma consideração do sentimento, portanto, uma representação incitada subjetivamente. O sublime e o belo produzem, cotidianamente, nos sujeitos condições representativas diversas, ou seja, espantamo-nos ou boquiabrimo-nos. Os sentimentos de encantamento e de comoção são condições a priori de nosso pensamento, visto que, o imperativo categórico direciona-nos.

Os sentimentos são aprioristicos, revelam-nos o mundo pela relação tempo e espaço, fazendo com que essas duas categorias nos afetem mediante o impensado; assim, se estivermos próximo a um grande precipício o sentimento sublime nos fornecerá informações “não racionais” do perigo iminente, ou seja, apenas sentiremos pavor. Ao nos posicionarmos diante de um quadro de Caspar David Friedrich não pensaremos em nada, apenas nos encantaremos, posteriormente, a obra poderá suscitar questionamentos, porém inicialmente ela nos encanta.

Já em 1770 Kant na sua dissertação para concurso de professor titular de lógica e de metafísica “Forma e princípios do mundo sensível e do mundo inteligível” discutia os princípios do conhecimento, da percepção e do sentimento.

A lógica enquanto pressuposta da compreensão da totalidade não tem sua validade universal, pois o sujeito não compreende o mundo mediante a racionalidade, segundo Kant (2005, p. 239):

Mas aqui é de suma importância notar que os conhecimentos devem sempre ter tidos por sensitivos por maior que tenha sido o uso lógico do entendimento em torno deles. De fato, são denominados sensitivos em virtudes de sua gênese, não por sua comparação [collationem] quanto à identidade ou oposição. Por isso, as leis empíricas, mais gerais são, não obstante, sensoriais, e os princípios da forma sensitiva que se encontra na geometria (relações determinadas no espaço), por mais que o entendimento deles se ocupe ao inferir // segundos regras lógicas a partir do que é dado sensitivamente (por intuição pura), não ultrapassam a classe do que é sensitivo.

O “poder” da sensibilidade, da sensação, permitiu que o Eu retomasse seu lugar na filosofia ocidental, promovendo uma propulsão da subjetividade para análises e compreensão de mundo.

[...] Se o romantismo interpretou o sublime como a experiência estética do inexprimível e o inefável, a modernidade estética o experimenta como uma intensificação do gesto expressivo que é também gesto reflexivo. (BRUM, 1999, p. 64)

O belo e o sublime influenciaram as posturas de inúmeros autores, pensadores e artistas românticos; assim, é necessário entendermos a relação de Kant com a origem romântica e suas posteriores influências.

Na segunda parte deste capítulo identificaremos essas remessas teóricas efetuadas por Kant e que proporcionaram o surgimento do romantismo e o aperfeiçoamento dos estudos paisagísticos que depois se tornaram Geografia.