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1 A PROPRIEDADE PRIVADA COMO CONDIÇÃO DO TRABALHO / NEGADO E

3.5 As Determinações do Trabalho Estranhado

2.5.3 O Ser Genérico

Conhecida a primeira dimensão do estranhamento no trabalho, que Marx chama de estranhamento da coisa e a segunda, de autoestranhamento, podem ser então entendidas as outras duas dimensões, consequências diretas e indiretas das duas primeiras, a saber: o estranhamento do ser humano como membro de sua espécie, ou seja, o estranhamento, do homem como ser genérico e o estranhamento do homem em relação aos outros homens, ou seja, em sua sociabilidade.

A terceira dimensão do estranhamento do ser humano, que se concretiza por meio do trabalho estranhado, faz “do ser genérico do homem, tanto da natureza quanto da faculdade espiritual dele, um ser estranho a ele, um meio de sua existência individual”. (MARX, 2010, p. 84). Em outras palavras, quando a atividade livre do homem é reduzida a apenas um meio, “ele faz da vida genérica do homem um meio de sua existência física” (IDEM, IBIDEM, p. 84). Corroborando este pensamento, Mészáros: (2006, p. 20) nos diz que,

O terceiro aspecto – a alienação do homem com relação ao seu genérico – está relacionado com a concepção segundo a qual o objeto do trabalho é a objetivação da vida da espécie humana, pois o homem se duplica não apenas na consciência, intelectual (mente), mas operativa, efetiva (mente), contemplando-se, por isso, a si mesmo num mundo criado por ele.

Com efeito, ao situar o indivíduo isolado em primeira instância em relação à humanidade, de forma imediata, a própria consciência de ser um sujeito histórico é perdida, e a capacidade de “fazer história” é negada, uma vez que a contradição entre individuo e humanidade conduz à aparente ideia de que a história já está constituída e, desta forma, é limitada aos indivíduos. Isso é:

[...] traz a dissecação e a completa eliminação cética do sujeito histórico, com consequências devastadoras para as teorias que podem ser construídas no interior desses horizontes. Pois uma vez que o sujeito histórico é lançado ao mar, não apenas a possibilidade de fazer, mas também de entender a história deve sofrer o mesmo destino (MÉSZÁROS, 2006, p. 87).

Assim, podemos concluir que a terceira determinação do trabalho estranhado se expressa na relação indivíduo e ser genérico, em que o homem se aliena de si mesmo como ser genérico; ser para si, capaz de ter consciência de si mesmo como genérico, enfim, tornar- se capaz de reconhecimento. Assim, o homem põe a natureza como mero meio de existência

individual; pois, se a natureza é o corpo inorgânico do homem, fica este, então, estranhado de seu próprio corpo por estar a natureza entendida como algo fora dele. A essência humana torna-se estranha ao homem. Assim sendo, para Marx, “O homem é um ser genético no sentido que ele se comporta perante si próprio como a espécie presente, viva, como um ser universal e, portanto livre”. (2010, p. 83).

Ora, se o trabalho estranhado aliena, a natureza do homem aliena também o homem de si mesmo de sua atividade, aliena igualmente o homem a respeito da espécie; transforma a vida genérica em meio de vida individual. No trabalho estranhado, conforme Marx (2010, p. 84),

A atividade vital, a vida produtiva, aparece agora ao homem como único meio de satisfação de uma necessidade, a de manter a existência física. A vida produtiva, porém, é a vida genérica. É a vida criando vida. No tipo de atividade vital reside todo o caráter de uma espécie, o seu caráter genético; e a atividade livre, consciente, constitui o caráter genérico do homem. A vida revela-se simplesmente como meio de vida.

O fato é que, se por um lado, os animais vivem da natureza11 e são seres de necessidades como o homem, por outro, os animais não se distinguem da sua atividade. O específico do homem é, justamente, sua atividade consciente; é a capacidade prática de fazer um mundo objetivo e de manipular a natureza inorgânica11; é a confirmação do homem como ser consciente. Por conseguinte, quando o trabalhador se confronta com o trabalho estranhado, como um trabalho não típico de sua espécie, não próprio de seu gênero – o seu ser genérico então se converte num ser estranho a ele próprio. De fato, o trabalho, como atividade livre e consciente, que especifica o caráter genérico do homem e o distingue do animal, é negado e se transforma em simples meio de subsistência, despojado e contraposto aos demais seres humanos.

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11 “

Pode de distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou por tudo que queira. Mas eles próprios começam a se diferenciar dos animais tão logo começam a produzir seus meios de vida, passo este que é condicionado por sua organização corporal. Produzindo seus meios de vida, os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material” (MARX, 1984, p. 27).

12

Pelo trabalho, a natureza torna-se "o corpo inorgânico d o ho me m" , e o ho me m p o d e a s c e nd e r à c o ns ciência de si mesmo, não tanto como indivíduo, mas como "espécie de natureza universal” (Manuscritos Econômico- Filosóficos - 1844). O trabalho também transforma o homem num ente social porque o põe em contato com os outros indivíduos, mais de que com a natureza: desse modo, as relações de trabalho e de produção constituem a trama ou a estrutura autêntica da história, cujos reflexos são as várias formas de consciência. No trabalho não alienado, q ue nã o s e t o r no u me r c a d o r i a , q ue o c o rr e na sociedade capitalista, manifesta-se o contraste entre a personalidade individual do proletário e o trabalho como condição de vida que lhe é i mp o s t a p e l a s r e l a ç õ e s d a s q ua i s fa z p a r t e como objeto, e não como sujeito (MARX, 1984, p. 75).

A atividade dos animais, mesmo a mais admirável, é a repetição instintiva e quase mecânica de uma série de movimentos; por outro lado, ela é unilateral, limitada e ligada a uma necessidade específica. Atinge a natureza, mas parcial e setorialmente, pois o animal não se distingue da natureza. Ao contrário, a atividade do homem é radicalmente distinta da dos animais, pois é consciente, finalizada, tem uma teleologia, ou seja, tem uma finalidade. De fato, o homem só produz universalmente livre da necessidade física e só produz verdadeiramente livre de tal necessidade. O homem produz toda a natureza; é livre perante o seu próprio produto. “O homem sabe como produzir de acordo com o padrão de cada espécie e sabe como aplicar o padrão apropriado ao objeto; desde modo, o homem constrói também em conformidade com as leis da beleza”. (MARX, 2010, p. 85).

É com o trabalho que o homem desenvolve sua consciência e sua capacidade técnica e espiritual, torna-se ser genérico, isto é, supera a individualidade fechada dos animais, produz a existência e cria a consciência do seu ser social, chegando à condição de “ser universal e livre”. Também é verdade que a atividade produtiva, a vida genérica do homem, é negada no trabalho estranhado: “o trabalho estranhado reduz a auto-atividade, a atividade livre a um meio, ele faz da vida genérica do homem um meio de existência física” (MARX, 2010, p. 85).