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DO SERTÃO A SALVADOR: O RECRUTAMENTO NA BAHIA DURANTE A GUERRA CISPLATINA

2.4 O Serviço Militar e o recrutamento (1825-1828)

O ano de 1825 chegou, já tendo sido debelada a revolta no Norte e apaziguados (por ora) os descontentes com a Constituição de 1824. Não obstante, enganaram-se os que apostaram no arrefecimento do recrutamento. O que se viu foi o oposto: ele só fez recrudescer. Isso se deu pela completa falta de voluntários, que obrigou o Governo Central, para sustentar a campanha que se anunciava no Sul, a exigir das autoridades uma “maior energia e actividade no recrutamento”38.

Vejamos primeiro os motivos para a falta de voluntarismo no pós-independência. Sem contar o péssimo conceito que desfrutava o serviço militar (e as próprias instituições: Exército e Marinha) desde tempos coloniais, as Forças Armadas durante o Império foram vistas como sustentáculo do regime autoritário que nascera em 1822-1824. Some-se a isto o completo desinteresse, ou mesmo repúdio, pela campanha do Prata, não só pela população, como também no Parlamento. Contudo, as razões para fugir dos apelos para alistamento eram de ordem mais prática.

D. Pedro garantira aos voluntários que participassem da guerra de independência o tempo de serviço de apenas três anos ou, no caso do Bando passado pelo Presidente da Província Francisco Vianna, até o término das hostilidades lusitanas. Essas promessas tenderam a não serem cumpridas, ou, no mínimo, proteladas. Podemos vislumbrar isto nas súplicas, individuais ou coletivas, requerendo dispensa do serviço, como a do frei José Maria Brayner e seus Encourados dos Pedrões:

37 TAVARES, L. H. D. O Levante dos Periquitos na Bahia: um episódio obscuro do primeiro Império.

Salvador: Centro de Estudos Baianos da UFBA, 1990. Nº. 144.

38 É lugar comum nos Avisos Ministeriais a partir de1825 a utilização de expressões como esta no tocante ao

tempo da Guerra, dos voluntários da Companhia dos Couraças, representando a S. M. I., o plano de criação da mesma Companhia; e tendo sido huma das condições, que finda a Guerra não seriam encomodados para serviço das tropas de 1ª, e 2ª Linha, e athé das ordenanças, e havendo S. M. I. por bem mandar informar a V. Exa. por rezolução vinda a esta Cidade em 6 de julho de 1824, cumpre ao Suplicante suplicar a V. Exa. a bem dos mesmos voluntários, que haja de mandar por officio fazer inteligentes aos cappitaens-mores das villas de Caxoeiras, Água Fria, e Santarém, afim de que não encomodem aquelles indivíduos, que estiverem nos seus destrictos, que servirão no dito Corpo, athé a 2ª ordem de V Exa., e ulterior de S. M. I. a que esta afecto o negocio, regulando-se os mesmos cappitaens-mores, pelas listas inclusas, afim de se não confundirem os briozos voluntários daquelle Corpo, que tantos serviços prestarão á Nação e a S. M. o Imperador, com outros indivíduos, que pretendão maxiavelicamente gozar do mesmo indulto39.

No mesmo documento consta um “recebido” do Presidente, no qual decide que “sejão dispensados os Supplicados [...] por seis meses, em quanto S. M. I. Resolve o que parecer justo”. Percebe-se que a execução da palavra do Imperador tinha que ser negociada. Com a protelação da decisão, voltaria assim o frei a requisitar a execução da promessa:

Diz frei José Maria Brayner em qualidade de commandante da Guerrilha Imperial do Pedrão, que tendo requerido a V. Exa. a dispensa do serviço de 1ª e 2ª, e igualmente das ordenanças, conforme o plano que esta affecto a S. M. o Imperador V. Exa. servido dispensa-lo por tempo de dois meses [ ? ] enquanto S. M. rezolvia o que parecesse justo; e por que estes se tem findado, e ainda se acha nas mesmas circunstancias, por isso recorre.

Para V. Exa. se sirva conceder-lhe mais tempo de dispensa visto que S. M. tendo remunerado ao Suplicante e aos seus officiais; de viva voz prometeo dispensar aos indivíduos da sua corporação de todo o serviço da 1ª e 2ª Linha, e ate mesmo das ordenanças estando elles sempre promptos quando o Trono e Pátria exigirem os seus serviços40.

Desta vez, foram dispensados apenas “por hum mez”, em 14 de dezembro de 1825. Note-se que à época o reconhecimento da independência já havia sido obtido, em agosto do mesmo ano, desaparecendo a justificativa do temor pela reconquista portuguesa. Esta justificativa era evidentemente pretexto para não se dispensar os voluntários, pois mesmo

39 APEB. Seção Colonial e Provincial. Militares – escusas. Maço 3751. 40 APEB. Seção Colonial e Provincial. Militares – escusas. Maço 3751

Corpos fossem sendo preenchidos, algo difícil por aqueles idos. Quando de sua visita a Salvador em 1826, D. Pedro recebeu diversas súplicas de voluntários que lutaram em 1822/23, deferindo algumas41. Entretanto, dispensa mesmo, em grande número, só após o término da guerra no Prata... O descumprimento dessas e outras promessas acabavam por afastar os voluntários do serviço militar. Não era, contudo, somente por isso.

As condições de vida no Exército também não contribuíam para entusiasmar novas adesões ao alistamento. As perspectivas de uma carreira com muitas promoções aos que entravam em serviço com praça de soldado eram diminutas. Mesmo conseguindo alcançar o posto de alferes (este era um dos postos mais requeridos, sendo o primeiro da hierarquia da oficialidade), tinham como soldo apenas 15$000 réis42. Anualmente somava, portanto 180$000 réis, algo próximo do que ganhava um carpinteiro43. Em campanha, vencia-se soldo dobrado, bem como havia uma série de gratificações e pagamento das etapas, para alimentação44. Entretanto os maiores beneficiados eram evidentemente os altos oficiais.

Muitas vezes o soldo recebido não dava nem para o sustento das famílias, como fica evidente na súplica de Alexandre de Souza Coutinho, que assentou praça voluntariamente no Batalhão n° 13, e solicitava sua baixa “para que as urgentes circunstancias do peso de huma familia que tem por pay ao Supplicante” não levassem, pela impossibilidade de sobreviver com o soldo, “ao desabrigo em que pode vir a cahir a mesma familia”45.

Além dos baixos soldos, foi constante o atraso no pagamento dos mesmos. Principalmente aos que tiveram a infelicidade de serem destacados para a guerra no Sul, pois a burocracia e desorganização tornavam o pagamento intermitente. A situação na Marinha era ainda pior, chegando o atraso a seis meses46.

Outro elemento que desencorajava aos que por ventura quisessem seguir carreira militar era as suas famílias. Devido aos constantes destacamentos de tropas por todo o

41 APEB. Seção Colonial e Provincial. Ordens do Imperador. Maço 753-1. 42 APEB. Seção Colonial e Provincial. Avisos Ministeriais-1822/23. Maço 754.

43 MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Bahia, Século XIX. Uma Província no Império. Rio de Janeiro: Nova

Fronteira, 1992. p.548

44 MAGALHÂES, Jõao Batista. A Evolução Militar no Brasil. Rio de janeiro: Biblioteca do Exército Ed.,

1998. p.258.

45 APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência ao Imperador. Maço 642. 46 APEB. Seção Colonial e Provincial. Avisos Ministeriais-1825. Maço 755.

exemplo:

Diz Joanna Maria da Conceição cazada com Manuel de Jesus de Souza, Soldado do 1° Batalhão da primeira linha desta cidade, que sendo precizo a hum brigue de guerra da competente guarnição, que deste porto da Bahia sahio, para hum dos logares do Sul [...] vem recorrer a V. M. I. e Constitucional, como senhor e Pae dos seus vassalos, para que se digne de conceder a Supplicante huma esmola47.

Pobre Joana, não sabia nem para onde o marido tinha ido (era praticamente impossível naqueles tempos da guerra platina a comunicação entre os combatentes e suas famílias), ficando à sua própria sorte com mais dois filhos, de um e quatro anos de idade. Apesar de Juvêncio Lemos referir-se ao acompanhamento das famílias da soldadesca em campanha, encontramos pouquíssimas destas referências nas fontes pesquisadas do período48. A situação das viúvas e órfãos dos militares não era muito melhor: aos mortos na guerra de independência receberiam meio soldo49.

Outra razão para fugir do recrutamento era a vida nos quartéis. Novamente é Lemos quem demonstra como eram a disciplina e o cotidiano nas casernas:

A disciplina, sob verniz de desleixo, era bárbara.

Aliás, não se conhecia a relação superior-subordinado. A transposição para dentro dos quartéis da única relação social admitida pela civilização lusitana fazia com que as coisas acontecessem a nível feitor-escravo. [...] Cultuava-se com a maior naturalidade o velho adágio castelhano, que resumia as necessidades básicas do soldado: pret, pan y palo.

Pret era o minguado soldo, pago semanalmente às praças (vem daí a expressão “praça-de-pré); pan, pão, o alimento que a nação fornecia e que não podia ser recusado; e palo, pau, cacetadas, chibatadas, bordoadas, pranchaços e outros similares processos de violenta redução à ordem, e que eram o esteio fundamental da disciplina militar prestante.[...]

Em tempos de paz, nos quartéis de guarnição, em principio imperava o marasmo. O soldado estava de guarda, ou em trabalho braçal não- qualificado, ou totalmente desocupado.

Não havia qualquer tipo de instrução, adestramentos, exercícios ou manobras. A tropa passava anos sem disparar um tiro só 50.

47 APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência ao Imperador. Maço 639. 48 LEMOS, Mercenários do Imperador..., p. 170.

49 APEB. Seção Colonial e Provincial. Avisos Ministeriais-1822/23. Maço 754. As pensões para a base

hierárquica do Exército pareceu variar entre o meio e o soldo inteiro.

sustentar a guerra que não o recrutamento forçado, com tempo de serviço de oito anos. Foram vários os expedientes utilizados pelas autoridades recrutadoras para levar a cabo essa difícil tarefa. Ao terem notícias de que o recrutamento chegaria em seus distritos, os nele compreendidos pelas Instruções (ou não, pois era sabido que se prendia antes, para se averiguar depois) rapidamente procuravam se esconder. É grande o número de referências a estas tentativas de resistência ao odiado recrutamento. Em oficio ao Presidente Visconde de Camamú, o Capitão-mor Gonçalo Gomes da Silva, de Itiuba, ao informar que apenas remetia para a Capital quatro recrutas dizia que “he os que se poderão aprontar por andarem escondidos pelos matos” 51. O mesmo noticiara o Capitão-mor Francisco Álvares da Silva, de Abadia, comentando o porquê do envio de dez recrutas: “forão os que pude adquirir, que alem do districto ser pequeno, nestas occaziões todos se fazem aos mattos”52.

Para impedir que os compreendidos se ocultassem, era recomendado que se fizesse segredo de quando se recrutaria. A estratégia pode ser apreciada nas palavras do Capitão- mor Joaquim Ignácio da Costa, de Maragogipe:

Exmo. Sr. cumpre-me apresentar a V. Exa. que expedindo eu ordens circulares no dia 25 de setembro passado de recrutarem na madrugada depois de missa de festa por julgar ser ocasião oportuna de adjunto de povos nas matrizes, capellas, e oratórios, não foi bastante esta medida determinada debaixo do maior silencio, não obstante alguns capitaens por dever seos inferiores fizerão publico o segredo antes da ora designada, por cuja razão senão effectuou hum recrutamento suficiente53. Recursos parecidos também foram utilizados em outras partes do Brasil, como em Minas Gerais:

A população era convocada para uma extemporânea procissão de Corpus Cristi.

Os padres, já surpresos com a inusitada alteração no calendário litúrgico, espantavam-se ainda mais quando, no meio da cerimônia surgiam soldados do Império que, às gargalhadas, e na base do pau e corda, arrebanhavam os apavorados fiéis e os despachavam, a ferros, para os quartéis do Rio de Janeiro54.

51 APEB. Seção Colonial e Provincial. Recrutamento. Maço 3485. 52 APEB. Seção Colonial e Provincial. Recrutamento. Maço 3488. 53 APEB. Seção Colonial e Provincial. Recrutamento. Maço 3488. 54 LEMOS, opus cit. p.126.

profanas:

Uma armadilha, que sempre apresentava excelentes resultados, era colocar a banda de música no centro da praça principal do povoado e dar início a maviosa retreta. Tão logo a rapaziada chegava para saber o motivo da festa, uma experiente patrulha, até então escondida, caía-lhes em cima... A programação de serestas também foi muito usada55.

Não obstante os resultados positivos no intuito de angariar recrutas, estas criativas formas de recrutamento foram denunciadas à Câmara dos Deputados, que suspendeu tais práticas. Mas a oposição não partira somente dos representantes da nação. O povo tratava de resistir a seu modo. A situação em Rio de Contas, por exemplo, não estava muito propícia ao recrutamento:

O recrutamento que V. Exa. avisa no outro respeitável officio de 15 do mesmo mez [dezembro de 1827] não tive occazião de recebe-lo antes, pois sem duvida havia ter desempenhado o meu dever, si as coisas desta Villa não estivessem como vou a expor. Não será extranho a V. Exa. que hindo desta Villa alguns recrutas, e um reo de morte para essa Cidade no dia 25 de novembro forão soltos na mata do Curralinho por uns criminosos, e facinorozos: estes regresando para os subúrbios desta Villa [...] publicando que desta Villa não vai mais recruta ou prezo algum, porque elles o tirarão em caminho. Este privilegio por elles arbitrado, muita parte do povo o adopta, e se teme que por esse motivo tanto que se prenda o primeiro para recruta se não unão a elles, tanto que fiquem as coisas em pior figura, e as pequenas forças que tem esta Villa ainda não são bastantes para obstar algum repentino ataque, que estes malvados ententem56.

Tão esclarecedor este documento (de dois de fevereiro de 1828) sobre a disposição popular frente ao recrutamento. Tratava-se, no caso, da resistência exercida pelos chamados Mucunãs, um grupo de marginalizados que aterrorizavam as autoridades provinciais durante os últimos anos do Primeiro Reinado. Estavam eles enquadrados dentro do ambiente de instabilidade política dos sertões, como demonstrou Argemiro R. de Souza Filho57. Entre suas atividades de oposição à ordem vigente estava a obstrução ao

55 Idem.

56 APEB. Seção Colonial e Provincial. Recrutamento. Maço 3488.

57 SOUZA FILHO, Argemiro Ribeiro de. A Guerra de Independência na Bahia: Manifestações políticas e

violência na formação do Estado Nacional (Rio de Contas e Caetité). 2003. Dissertação (Mestrado em

História) — Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador. p. 183 et seq.

mesma vila:

Querendo eu dar cumprimento aos officios de V. Exa de 9 de junho e 15 de agosto passado; acho-me agora isbarrado por que depois da publicação do Bando de 15 de agosto não apareceu hú só recruta, mais, e nem ordenanças, huns com medo de prisam, e outros com medo de serem chamados para condução dos recrutas; além disto há noticias de andarem os faciosos Mucunam continuando com sua facção, que apesar das promptas providencias não se tem conseguido a sua captura, e alguns com medo de serem chamados para seguir os faciosos, em fim anda tudo escondido58.

Fora, uma espécie de “banditismo social” apoiado pela população da dita vila, e tendo como suporte uma rede de patrocínios a partir de certos proprietários e autoridades engajados no embate frente aos elementos portugueses da região59. E conseguiram atravancar o envio de recrutas daquelas paragens, pois no mesmo ofício transcrito, relatara o Capitão-mor que haviam recrutas presos vindos de Caetité, e que os mantinha na cadeia, por temor que ocorresse o mesmo, se tentasse remetê-los, do sucedido na vez anterior em que “morrerão alguns dos recrutas, outros fugirão” no caminho para Salvador.

Não era tarefa fácil essa de recrutar gente nos sertões, e não somente pela resistência popular. Muitos foram os casos em que milicianos ou ordenanças obstruíam tal expediente, pois estavam também imbricados nas mesmas teias sociais de compadrio local. Havia também um choque de autoridade entre ambos, por serem tanto os milicianos quanto as ordenanças os responsáveis pelo recrutamento.

Sofriam mais as ordenanças o peso do expediente recrutador, pois ao mesmo tempo em que tinham por obrigação efetuá-lo, eram vítimas dele, por serem o contingente de reserva para a 1ª e 2ª linhas. Isso fica evidente em uma correspondência de Manuel Mariano do Rozario Figueiredo, de Santa Cruz. Dizia ele ao Presidente a 20 de agosto de 1828, que:

sendo o meu districto, o mais despovoado desta Capitania, foi o mesmo o que nelle se formalizou hum batalhão de milicias de seis companhias, das quais não escaparão os pobres lavradores e pescadores do mar alto, e mesmo muitos de quarenta, e cincoenta annos, donde tem procedido atrazo a lavôra, e mil clamores deste mizeravel povo; a vista do exposto, como ficaria o terço das ordenanças, disfalcado de mancebos, ficando os poucos que havião, sugeitos a milícias, e em cujo Corpo não tenho

58 APEB. Seção Colonial e Provincial. Recrutamento. Maço 3488. 59 SOUZA FILHO, op. cit., p. 186.

V. Exa. me ordena que remeta60.

O Sargento-mor da Vila de Maraú também escrevera ao Visconde de Camamú reclamando, em 2 de fevereiro de 1828, da atitude dos milicianos:

Remeto a V. Exa. dous recrutas [...] estes dous individuos forão prezos desde 29 de dezembro próximo passado, mas por dificuldade de conseguir escolta com o commandante das milícias da Villa e com as embarcações para o transporte [não puderam ser remetidos] Tendo recebido do Illmo. antecessor de V. Exa. ordem para me comunicar com os commandantes de milícias deste Batalhão para fazer recrutar aos mancebos que se acharem na circunstancia de hirem a presença de V. Exa; deste commandante nada tenho podido conseguir, para o que me comunico a V. Exa. para me determinar o que for servido61.

A recíproca também era verdadeira, pois os integrantes das ordenanças também se furtavam às suas obrigações, como acusou, em oficio de 1° de dezembro de 1828, o Major Innocencio Eustáquio Ferreira de Araújo, comandante militar de Rio de Contas (1ªLinha). Afirmava ele que os “facciozos” (os Mucunãs) continuavam a perturbar a ordem pública, pois “só ordenanças costumados a romper Mattos he que poderão fazer [a captura daqueles], pois que tropas regulares marchando pelas estradas nada podem pela ligeireza com que os facciosos entrão nos Mattos”. Entretanto “os ordenanças deste termo não aparecem” posto que haviam “huns com medo de serem recrutados, e outros de serem chamados para condução de recrutas”62.

Entretanto, ocorreram casos que não foram apenas de omissão. Foram de conflito mesmo. E não foram poucos... Um bom exemplo foi o ocorrido em Água Fria em outubro de 1828. Tendo recebido a incumbência de recrutar “doze mancebos”, explicava o responsável pelo recrutamento que a seca atrapalhava sua tarefa, pois muitos já tinham abandonado a localidade em busca de melhores chances de sobrevivência, portanto só conseguindo ele arrebanhar cinco, que enviava na ocasião para a Capital. Queixava-se ainda de que:

hontem recebi o Bando de que tenho notícia á muito tempo ter-se publicado em outras villas, chamando os voluntários para assentarem praça, e logo mandei publicar nesta; porem já tarde, porque os officios

60 APEB. Seção Colonial e Provincial. Recrutamento. Maço 3488. 61 APEB. Seção Colonial e Provincial. Recrutamento. Maço 3485. 62 APEB. Seção Colonial e Provincial. Fortalezas. Maço 3700.

últimos que chegão. Da participação junta Vera V. Ex. o que aconteça nas execuções das ordens; não sei como se ha de recrutar sem força ou violências.

Pela participação a que ele se refere, constatamos as animosidades que o recrutamento aflorava:

em conseqüência das ordens que me dirigiu [...] ordenei [...] a meu filho José Álvares de Azevedo e a Jerônimo José ambos casados, e de irreprehensivel conducta para que fossem recrutar a qualquer mancebos que não devessem ser reservados pela lei: em consequencia da qual prenderão dentro desta Companhia a Jose de Souza, pardo solteiro; órfão de pais o qual não tem caza e nem domicilio certo; cujo levo com esta a prezença de V. S.; o qual estando já prezo a ordem de V. S. foi novamente percizo daremlhe a voz de prizão a ordem do Exmo. Sr. Presidente; por que veio Jose da Mota Vieira com seus dous filhos [acompanhados de mais cinco homens] moradores no citio de Pau Roxo termo da Villa do Inhambupe, e Companhia do Cap.-mor Álvares Monteiro os quaes vierão armados de espingardas, espadas, facas, e outras diferentes armas, a tomarem e soltarem o dito recruta. Deixarão porem de o conseguir, por terem os executores [...] dado-se a grande pressa na retirada trazendo consigo o sobredito recruta o qual pedio aos ditos turbulentos que não o deixassem a perder, seguindo-os aquelles sempre athe o citio do Ritiro perto deste meu quartel de onde discompuzeram aos sobreditos executores, a mim, a V. S., A V Exa. e nem mesmo atenderão as ordens Imperiaes, com tão desonestas, e injuriozas pallavras; que a decência [...] e respeito que a V. S. guardo me obrigão a deixar em silêncio63.

Em Caetité, em razão do ambiente sócio-político acima aludido, ocorreram talvez os mais ilustrativos desatinos que os documentos legaram para a posteridade sobre o recrutamento. É mister, portanto, vislumbrar na íntegra os acontecimentos que tiveram lugar naquela vila em fevereiro de 1828, descritos pelo Sargento-mor Francisco de Souza:

Da participação incluza do Cap-mor das ordenanças desta Villa Francisco Jose do Nascimento Soriano verá V. Exa. o acontecimento, que teve lugar entre o ditto Cap-mor, e os nella mencionados, por occaziam do recrutamento, no dia 19 do prezente fevereiro no consistorio