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1 INTRODUÇÃO

2.4 A INTERVENÇÃO DO ESTADO NO SETOR DA SAÚDE NO BRASIL

2.4.1 O setor de saúde no atual momento do mundo do trabalho

A saúde pode ser entendida como um trabalho, pois, é realizada para atender um fim, que nesse caso, é atender a uma necessidade humana. As necessidades humanas variam de acordo com o período histórico, assim, pode se afirmar que a saúde tem caráter histórico, além deste caráter, também é social, pois seu “objeto” de intervenção é o homem em sociedade. Neste contexto, Mendes Gonçalves (1992) faz uma análise da aplicação da teoria marxista do trabalho no campo da saúde. Segundo Marx (1998), no processo de trabalho, a atividade do homem transforma o objeto sobre o qual atua por meio de instrumentos de trabalho produzindo produtos para um determinado fim, portanto, os três elementos componentes do processo de trabalho são: a atividade adequada a um fim, isto é, o próprio trabalho, o objeto de trabalho, ou seja, a matéria a que se aplica o trabalho, e os instrumentos ou meios do trabalho.

Neste sentido, considerando o processo de trabalho em saúde, Mendes Gonçalves (1992) observa os seguintes componentes: o objeto do trabalho, os instrumentos, a finalidade e os agentes, e destaca que esses elementos precisam ser examinados de forma articulada e não em separado, pois somente na sua relação recíproca configuram um dado processo de

trabalho específico. Para tanto, segundo este mesmo autor, o produto do processo do trabalho em saúde é a geração e a satisfação das necessidades humanas ou de carências sociais.

De acordo com a comparação feita por Mendes Gonçalves (1992) entre o processo de trabalho em saúde e o trabalho industrial, ao remover a produção da mercadoria e de mais valia, ambos os processos de trabalho não se diferenciam. Neste sentido, o setor saúde, apesar de não estar dentro do processo de produção de mais valia, assume um papel social que, segundo esse mesmo autor “o indivíduo é protegido da doença para que melhor possa ser consumida sua força de trabalho pelo capital que o explora, o que necessariamente exclui a saúde de suas possibilidades vivenciais”, estando, portanto, totalmente incorporado ao modo de produção capitalista, se organizando dentro da mesma lógica4.

Em uma análise do trabalho em saúde incorporado ao setor de serviço, no atual contexto histórico mundial, percebe-se que este vem passando, a exemplo dos demais setores econômicos, pelo processo de reestruturação produtiva. De acordo com Antunes (2001), nas últimas décadas houve um grande aumento do contingente de trabalhadores nesse setor, oriundos da indústria que vive um movimento descendente do emprego. Este mesmo autor explana que as mudanças organizacionais e tecnológicas vêm impactando o setor de serviços, e cita os bancos e a privatização do setor público como exemplo de redução do contingente de trabalhadores.

Em relação ao assalariamento dos trabalhadores do setor de serviços, Antunes (2001), argumenta que este, cada vez mais se aproxima da lógica e da racionalidade do mundo produtivo. Os serviços de saúde sofrem, a exemplo dos demais setores, reflexos da reestruturação produtiva, aliados à política neoliberal implementada pelos governos. Em concomitância a isto, na década de 1990, a Reforma Administrativa, com redução do Estado, impulsionou a adoção de relações trabalhistas precárias no momento em que ocorria a descentralização do Sistema Único de Saúde (SUS). O enorme incremento do número de postos de trabalho na saúde pública dos municípios, acompanhado das restrições jurídico- legais, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, propulsionaram a adoção de diversas formas de contratação. Acontecia o processo da descentralização da saúde, em que os municípios apresentaram um crescimento do número de postos de trabalho em saúde, utilizando-se de diversas modalidades de vinculação dos trabalhadores (SILVA; SILVA, 2008).

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Se a mais valia é um conceito que esta associado à geração de lucro que é acumulado, a partir da exploração do trabalho, em uma sociedade onde 70% (setenta por cento) dos serviços em saúde é ofertado pela rede privada com fim no lucro, nesse sentido, o conceito de mais valia é apropriado para a produção do serviço em saúde. (RIZZOTTO, 2012)

Borges (2002), analisando as relações e condições de trabalho que marcaram os anos 90, afirma que as mudanças ocorridas nesse período sofreram grande influência do Estado, que contribuiu significativamente para o processo de reestruturação produtiva e flexibilização do mercado de trabalho. Portanto, não se pode desprezar essa contribuição, visto que, nesse período, o Setor Público/Estatal brasileiro se constituiu um dos principais espaços de precarização do emprego e de flexibilização das condições de trabalho. Neste sentido, esta mesma autora ressalta que essas mudanças não podem ser vistas apenas como resultados da ação das “forças de mercado”, ou seja, da competição entre agentes privados que agem para a maximização dos lucros.

Segundo Pires (1998), o Estado brasileiro vem abrindo o caminho para a precarização do trabalho através da desregulamentação dos direitos trabalhistas constitucionais e pela redução dos investimentos na saúde e na educação. Portanto, são ressaltadas por esta autora, algumas ações com significativos reflexos no setor público, como a desvalorização do salário, levando ao agravamento da exclusão social; a redução da jornada de trabalho, que em consequência há a redução de salário; os planos de demissões voluntárias; a redução do acesso ao seguro desemprego; a contratação de pessoal não qualificado e com relação precária de trabalho.

Segundo destaca Pires (1998), é notório o crescimento do emprego na saúde, ao contrário do que vem ocorrendo no setor industrial. No Brasil, verifica-se essa realidade na geração de emprego. A autora destaca a contratação de 145 (cento e quarenta e cinco) mil agentes comunitários de saúde e 10 (dez) mil equipes de saúde da família nos anos 90. Outra caracterização da oferta de emprego na saúde é por meio da municipalização dos serviços de saúde, após a implantação do SUS; e o crescimento do setor privado.

No setor da saúde ao contrário de muitos setores que sofrem influência dos avanços tecnológicos que causam mudanças e diminuição de postos de trabalho, não houve redução de mão-de-obra. Este fenômeno é explicado pela difícil substituição do trabalho humano no cuidado das pessoas; pelo fato de que novos equipamentos demandam novos setores e aumentam a força de trabalho; e pela crise social que aumenta a demanda dos problemas de saúde (PIRES, 1998).

Apesar da expansão do emprego no setor saúde, a grande parte dos postos de trabalho criados traz a marca da precarização do trabalho, com baixos salários e com vínculos temporários. É o caso do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS); o Programa de Saúde da Família (PSF); o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (PITS); e do

crescimento das contratações nos hospitais públicos com caráter temporário, por plantão e sem direitos trabalhistas efetivos.

Todos estes trabalhadores têm grandes dificuldades em sua organização sindical devido à insegurança do vínculo trabalhista, o que dificulta a conquista de direitos de proteção social como a licença-maternidade, licença médica, aposentadoria, entre outros (PIRES, 1991).

Com ênfase nos problemas de saúde vivenciados pelos trabalhadores que atuam nesse setor, no atual mundo do trabalho, a autora expõe que estudos feitos no Brasil indicam que os trabalhadores de enfermagem são os que mais sofrem com problemas ligados ao trabalho, através do aumento das cargas físicas e emocionais condicionadas pelas precárias condições de trabalho, baixos salários, sobrecarga de trabalho, falta de valorização profissional e aumento da responsabilidade com o cuidado de pessoas em situação de risco de vida; e o stress e os problemas emocionais gerados pela excessiva jornada de trabalho, advinda do duplo ou triplo emprego e do trabalho doméstico para as casadas ou chefes de família (PIRES, 1991).

Para os trabalhadores que dependem do salário para seu sustento, essas questões têm consequências fundamentais, influenciando diretamente em suas vidas, tanto na esfera pessoal com também na do trabalho. O aumento da jornada de trabalho através do multiemprego e horas extras, que se tornam necessárias para complementar o salário de modo a garantir a sua sobrevivência, usurpa o tempo livre que deveria estar à disposição do descanso e do lazer necessários para a recuperação das energias físicas e para a convivência familiar de forma mais ampla e satisfatória.