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O simulacro de Irina: hegemonia da imagem.

No documento Eterno presente, o tempo na contemporaniedade (páginas 167-174)

4 Relação das Obras com a Contemporaneidade

4.3.2 O simulacro de Irina: hegemonia da imagem.

Com o advento da comunicação em massa, do marketing e da publicidade, as imagens tornam-se cada vez mais importantes, ao ponto de substituírem os valores humanos, sociais, culturais e políticos. O que vemos hoje é, apenas isso, uma cultura especialista em aparências de valores, que encontra o seu paradigma máximo no bairro-simulacro Amerika Mura em Osaka.

Por isso, são proibidas as imagens em Taxandria, o risco de contaminação e supressão da ordem e da calma instituída seria iminente. Amerika Mura é um enclave de lojas, bares, restaurantes e alguns motéis discretos, todos com a chancela american way.

Uma cópia perfeita, não da América real que, segundo Umberto Eco, não existe, mas da América ultra-kitsch projectada no imaginário dos japoneses. Os edifícios que constituem a Amerika Mura entram em competição saudável entre si, a mega Disney store e a mega-futurista Tower-records são batidas pelo edifício-palhaço: um pequeno prédio, com cerca de quatro andares, cuja fachada (que contrasta com o mural de graffiti intervencionistas em frente) é constituída por um palhaço mecânico que mexe os olhinhos (fig.22).

Os frequentadores habituais deste micro-mundo são a peça fundamental para a criação deste ambiente-simulacro. Centenas de jovens coloridos percorrem as ruas da Amerika Mura formando dezenas de tribos urbanas

Fig. 22

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diferentes, algumas inacreditáveis como as lolitas (fig.23), raparigas vestidas como a Emília do Sítio do Pica-pau Amarelo, que dividem o seu tempo em duas actividades vitais: fazer compras e pentear o cabelo (em bandos sentadas nos jardins). Tal como em Samaris, na Amerika Mura a vida é protagonizada por habitantes-simulacro.

Mas a maioria destas tribos que vivem o mito da Amerika, são anacrónicas: break-dancers, punks, hippies ou rockabyllies, os últimos protagonistas de um estranho ritual que junta as raparigas (que não dançam, só batem o pé) numa roda recheada por rapazes de longas popas, que dançam freneticamente. A junção de todas essas modas ou movimentos sociais alternativos originários de diferentes épocas, reunidos e vividos no mesmo tempo são modelo da contemporaneidade.

Uma outra visita hiper-real ao passado, embora bem mais obscura, é possível ser feita no Parque temático Holocaust Memorial Museum, em

Washington DC. Este passeio pedagógico pelo genocídio remete-nos

imediatamente para o filme Steps de Zbigniew Rybcznski190, onde o próprio autor conduz um grupo de turistas, que entretanto tiram fotografias e comem hambúrgueres, numa visita guiada à cena das escadarias do filme Couraçado

Potemkin de Eisenstein.

190

A obra do videoasta Zbigniew Rybcznski é pautada pelo acompanhamento e domínio absoluto do ritmo alucinante da evolução tecnológica. É o exemplo acabado das novas tecnologias ao serviço da arte, contrariando a onda de pânico gerada pela possibilidade destas tecnologias anularem a capacidade criativa do autor. Zibg usa a alta definição e o grafismo digital para desmontar estereótipos estabelecidos pelos audiovisuais, criando um mundo imagético próprio onde não se distingue o real do virtual.

Fig. 23

O visitante recebe à entrada um bilhete de identidade, coincidente com a sua idade e sexo, mas com o nome e fotografia de um sobrevivente do holocausto ou de uma vítima. Este bilhete de identidade é um cartão magnético que, ao ser actualizado pelos computadores espalhados pelo percurso, vai informando o visitante se está num campo de concentração, se está a morrer de fome, se está a ser fuzilado ou gaseado. Enfim, tudo o que tenha acontecido ao sujeito real que aparece na fotografia do seu bilhete de identidade. Como se não bastasse, o visitante é premiado pelo visionamento constante do que se poderá considerar um filme histórico melodramático: o vídeo de pelotões de matança em série em plena actividade. Disparam e juntam cadáveres nus em valas. Um desses cadáveres pode ser o da pessoa indicada no bilhete de um visitante, que pensa sobre isso enquanto come um chocolate ou bebe um refrigerante.

Taxandria repudia a modernidade culpando-a do cataclismo que se abateu sobre o país do sempre agora. O holocausto torna-se a representação da morte da modernidade, a morte industrializada em série como caminho do racionalismo. A bomba atómica pede o reequacionamento da direcção da ciência, que se tornou maléfica. O Holocaust Memorial Museum, através da tecnologia museológica, torna o holocausto intemporal, eterno.

Filmes como Metropolis, O Planeta dos Macacos, 12 Macacos, Matrix

ou Mad Max, tem como pedra basilar um cenário pós-apocalíptico de

decadência duma sociedade tecnologicamente avançada.

Os protagonistas destes filmes combatem um sistema ditatorial maligno e tentam, desesperadamente, readquirir a antiga civilização perdida que normalmente representa a sociedade contemporânea. Onde a procura da maturidade humana através do progresso tecnológico esconde o perigo eminente da regressão social e moral, da violência e da perda total de liberdade.

Mas, de certa maneira, as imagens conotadas com o mal, o diabólico, deixaram de ser sinónimo de temor, de algo a evitar a todo o custo e encontraram um novo estatuto: o da celebração. Várias tribos urbanas identificam-se com imagens representativas do mal. Algumas obras de ficção explicitam essa preferência ao transformaram o típico antagonista em protagonista e, principalmente, ao conseguirem que o público se identifique com essas personagens maléficos (como acontece com as personagens simultaneamente protagonistas e antagonistas Hannibal Lecter [do filme O

Silêncio dos Inocentes] e Dexter [da série televisiva com o mesmo nome]).

Estas obras oferecem ao espectador uma possibilidade de fuga em relação aos limites morais, onde a transgressão social é cimentada em formas de extrema violência física, moral e sexual, abrindo-nos as portas de um mundo sem tabus.

Podemos, então, considerar que a hegemonia da imagem reconstrói o espaço público transformando, de certa maneira, o homem em espectador. O cinema, a televisão, os novos media ou até os espaços físicos que vivem no limiar da ficção e da realidade, como a Amerika Mura, resgatam o homem

contemporâneo dos seus medos reais oferecendo-lhe a alternativa de vivenciar perigos ou emoções ficcionais num ambiente seguro.

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No documento Eterno presente, o tempo na contemporaniedade (páginas 167-174)