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Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade e Sebastião Nunes, além de notáveis autores da literatura brasileira, têm em comum a atenção especial que, no campo literário, dedicaram para criticar a publicidade. É o que podemos deduzir, após constatar a existência de uma quantidade representativa de textos, nos quais os autores em questão consideram a propaganda um motivo literário significativo para tentar entender os descaminhos culturais introduzidos por roteiros duvidosos de felicidade, apregoados por uma constelação de anúncios e discursos retóricos que incentivam o narcisismo a todo custo e o consumo reificador a qualquer preço.

“A sede de nomeada”, segundo Machado de Assis, foi o principal alvo a ser alcançado pelos formadores de opinião, que faziam uso da propaganda e da imprensa instrumentos para promover os seus modelos de pensar e agir frente às demais camadas sociais da população. A prática do narcisismo se instalava como causa publicitária. Outros interesses senhoriais e comerciais também eram espelhados em classificados e tabuletas. Machado desconfiava da base argumentativa dos propagandistas, ao mostrar que os reais incentivos da ação publicitária destes agentes estavam muito mais ancorados em projetos egocentrados do que nas ações de benfeitoria coletiva. Uma galeria de personagens formada por medalhões, alienistas e pomadistas foi capaz de conferir à voz machadiana uma especial formulação literária para demonstrar como a publicidade articulava a política de visibilidade pública da elite dominante. A sede de nomeada criticada por Machado será também alvo de questionamento na poesia de Drummond, quando este reprova a noção hegemônica de construção identitária via promoção publicitária do ego. O poeta deseja que a sociedade não fique submissa ao “vão comércio da palavra”. Sebastião Nunes mostra que por trás da monetarização da

ideia está o reino da abundância material promovido pela publicidade, cuja responsabilidade por tal ordem prática se encontra na pobreza de valores edificantes que assola certos profissionais da propaganda. Como resultado do “desencantamento do mundo”, na bela e concisa formulação de Weber, encontra-se “o mundo encantado da fama”, que, para Sebastião Nunes, se sustenta pelo projeto de construção da felicidade caracterizada, desde então, pelo culto do indivíduo, que passou a ser considerado como valor, em si e para si.

Em Machado de Assis, os anúncios são trazidos à baila em sua composição primária, isto é, na retratação física e nominal dos produtos a serem destacados, dentre eles o próprio mercado da escravidão ou a designação oportunista da marca conforme as circunstâncias apelativas do momento. É o que podemos notar, respectivamente, no conto “Pai contra mãe” e no capítulo das tabuletas, presente no romance Esaú e Jacó. Drummond, por sua vez, retoma o universo dos classificados, transgredindo-os como gênero para projetar uma composição literária capaz de problematizar as formulações comportamentais estimuladas pela sedução discursiva da propaganda que afeta desejos e necessidades do público-alvo dos anúncios. Em torno de um anúncio promovendo um sorvete de abacaxi, Drummond demonstra como a mensagem expressa naquela peça publicitária pode ser verdadeira, segundo os anunciantes, e enganosa, de acordo com os consumidores que experimentaram o produto e não gostaram dele.

Sebastião Nunes, por seu turno, interfere na diagramação clássica de um anúncio para estampar versos-slogans que tem como função desconstruir a felicidade eufórica promovida pela publicidade. Como vimos, o escritor também projeta outdoors poéticos com mensagens que denunciam o vício consumista promovido pela propaganda, o que prejudica a virtude cidadã de selecionar conscientemente o que é desejável nas ofertas feitas nos anúncios publicitários.

Os três autores suspeitam da etiqueta social como ética de comunicação. Etiqueta aqui entendida como “pequena ética” ou “ética menor”. A etiqueta considerada como brasão de distinção social é questionada em seu cerne pela sua colaboração direta no esvaziamento da subjetividade e do senso crítico. A propaganda ou a publicidade comprometida com os mecanismos de alienação de muitos e promoção de poucos servem como temática cara a Machado de Assis quando expõe as entrelinhas intencionais do emplastro Brás Cubas. Não interessa para o inventor do remédio o encaminhamento positivo da saúde pública. A propaganda em torno da invenção é imaginada por Brás como uma arma poderosa para promovê-lo pessoalmente. O sucesso pessoal está acima do mérito colaborativo.

A pequena ética, segundo Drummond, também está presente nos anseios reificadores de quem se beneficia com o sistema capitalista. “Eu, etiqueta” é um poema que serve de parâmetro para mostrar a influência negativa das coisas sobre o destino comportamental dos indivíduos. Trata-se de um colapso social, no qual a subjetividade é objetificada e incorporada pela publicidade como simples mercadoria. O poeta transmite precisamente a condição do eu coisificado no mundo capitalista, com o consentimento do arsenal propagandístico.

Pioneiramente, Machado de Assis discutia a ausência de empenho dos nossos propagandistas em disponibilizar consistentemente, por meio dos seus produtos e de suas marcas, benfeitorias de consumo para a população. Na contemporaneidade, Sebastião Nunes observou com preocupação similar o mesmo fenômeno, empregando uma linguagem de denúncia canalizada em mostrar os podres poderes do sistema publicitário. O autor discute, em sua obra, o aproveitamento publicitário de famosos para promover determinado produto. Destacando tal questão, Sebastião Nunes alerta que os garotos-propagandas, por exemplo, têm compromisso social, pois eles estão

propagando um estilo de vida a ser adotado pelo mercado consumidor. Na opinião do ex-publicitário, os conselhos de regulação precisam ser mais atuantes no processo de defesa da qualidade ética nas propagandas.

No plano discursivo, Machado, Drummond e Sebastião Nunes exibem a operação retórica que, de maneira pejorativa, passa a ser utilizada no trabalho publicitário. Em seus textos literários, apresenta-se, em geral, a existência de uma opinião oca de consistência argumentativa, conforme a propaganda a ser construída pelos “donos do poder”. A realidade convincente fica dependente da opinião conveniente, normalmente marcada pela versão dos propagandistas tida ideologicamente como verdade. Os autores destacam, assim, os aspectos enganosos que tornam o discurso publicitário falacioso em certos momentos. À maneira foucaultiana, os textos de nossos escritores penetram nesse “jogo ambíguo de segredo e divulgação” (2009, 40), que marca a ordem do discurso publicitário.

Atento aos efeitos nocivos da propaganda enganosa, Machado trouxe para cena literária a impostura dos formadores de opinião, demonstrando o vazio retórico presente no discurso propagandístico destes. Medalhões, pomadistas e alienistas, por exemplo, se revelaram, pelo caminho irônico adotado pelo escritor, como personagens que ilustravam a política de visibilidade pública do poder dominante, viabilizada pela publicidade deturpada.

Drummond, por sua vez, a partir do seu empenho literário, demonstrou como a comunicação inter-humana foi sensivelmente abalada pela mecanização tecnológica das atividades produtivas, sendo estas elevadas pela publicidade como conquista social e referencial de valores avançados. O poema “Ao deus kom unik assão” é um exemplo emblemático da criatividade de Drummond que, a partir de um neologismo, ironizou o demasiado apelo contemporâneo à consistência da propaganda como veículo de

comunicação de ponta. A tecnologia da informação, sintetizada por McLuhan na célebre frase – “O meio é a mensagem” – recebe do poeta uma reformulação crítica inovadora. A fragmentação nas relações intra e interpessoais, segundo Drummond, ganha amplitude perigosa por conta da projeção do meio comunicativo como ruído da modernidade tecnológica, que impede o entendimento aprofundado e a compreensão consistente entre os sujeitos.

Já Sebastião Nunes se propõe a adotar um estilo notadamente incisivo no combate à propaganda sem princípios éticos. Criticando a “má determinação econômica da existência”, como diria Adorno (2008, 39), o escritor interfere na voz discursiva empregada pelo anunciante para mostrar como o consumismo presente ali provém de uma excessiva ordem de compra advinda da publicidade. Receoso com o estrago comportamental presente na idiotização da sociedade, em especial, da classe média, Sebastião Nunes sustenta a tese de que a felicidade coletiva é um processo de sabedoria interior, sendo esta capaz, dentre outras virtudes, de promover a independência do indivíduo frente aos comandos publicitários apelativos.

Enfim, esta pesquisa buscou apresentar como a literatura brasileira, nos escritos de Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade e Sebastião Nunes, em especial, pode colaborar no estudo crítico mais aprofundado dos seguintes transtornos sistêmicos que giram em torno do universo da propaganda: a) a prática do consumismo; b) o fetichismo da mercadoria; c) o desenvolvimento do individualismo; d) o desempenho social exclusivamente materialista; e) a coisificação do sujeito; f) a personificação do produto. Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade e Sebastião Nunes souberam destacar as contradições de certas práticas publicitárias e as transgressões a parâmetros éticos que, se fossem acatados, contribuiriam para um melhor convívio social, incluindo aí a prática do consumo digno, consciente, democrático e sustentável.

Os escritores em questão prestaram com os seus textos um importante serviço de utilidade pública ao estamparem o sorriso amarelo disfarçado pelo sorriso colgate. Na base da promoção de mil e uma utilidades, existe também um campo publicitário enganoso que movimenta mil e uma futilidades.

Bibliografia de Machado de Assis: