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CAPÍTULO II O PODER LOCAL E EDUCAÇÃO EM PORTUGAL

II.3 O E STADO N OVO (1926-1974)

Após o golpe militar de 28 de maio de 1926, Portugal considerava-se como “uma República orgânica e corporativa”, ou seja, um Estado corporativo, antiliberal, antidemocrático, antiparlamentar, antissocialista, mas sobretudo anti-individualista. A Nação representa os interesses nacionais e o Estado será a entidade capaz de realizar esses interesses, estando acima de qualquer interesse particular.

Não é, certamente, que o município acabe onde a Nação comece; assim pensariam os municipalistas do século passado. É que o município faz parte da Nação e está absorvido pela sua superior unidade.” (Saraiva, 1957: 90) Esta afirmação do historiador José Hermano Saraiva representa bem a ideologia do Estado Novo, no que concerne ao papel das autarquias no contexto da conceção corporativista. No mesmo sentido vai o Código Administrativo de 1936, o qual consagrou que a autarquia local é uma pessoa coletiva de população e território (…). A autarquia local é uma parcela de território do Estado, mas fundamentalmente é território do Estado, e nela vigoram as leis gerais e a autoridade autárquica tem de ser exercida na medida prescrita por essas leis” (Caetano, 1983).

Além da forte componente corporativa, o Estado Novo foi estruturalmente centralista e autoritário. Refere Marcelo Caetano que foi também um Estado de autoridade baseado numa estrutura jurídico-política de “presidencialismo bicéfalo”, onde o poder formal e real residia em António Oliveira Salazar, quer como líder do Estado Novo, quer como Presidente do Conselho. Havia um forte dirigismo político desencadeando em todos os setores da vida nacional, um forte intervencionismo estatal.

Refere Fernando Rosas que “(…) a presença autoritária do Estado é uma das características dominantes da política educativa no período de 1930-1974.” (Rosas, 1996: 285). Através da

escola, o Estado Novo pretendeu chegar às famílias controlando as suas práticas, indicando atitudes e condicionando comportamentos.

A “

Lição de Salazar

” transforma-se numa autêntica cartilha de obediência da sociedade dividida nos capítulos: “

Deus”, “Autoridade”, “Família” e “Trabalho

”, sendo este pano de fundo ideológico, demonstrativo da vontade da concretização da centralização administrativa totalmente controlada pelo Estado Novo. A criação do Ministério da Educação Nacional e a imposição do “livro único” são desde logo dois sinais claros de centralização administrativa.

Em contraste com a República de 1910, o Estado Novo teve como principal linha a centralização política e administrativa. Desde logo, a Constituição de 1933, passando pelo Código Administrativo de 1936-1940, estabeleciam a sujeição das autarquias locais à inspeção do Governo e fazendo depender estas da autorização prévia e da aprovação das suas deliberações por parte do poder central. As autarquias locais eram financiadas por subsídios e comparticipações concedidas pelo poder central sem obediência rigorosa a qualquer critério de distribuição, em que o presidente da câmara assumia um papel de súbdito em relação à política imposta pelo Governo (Bilhim, 2004). Refere João Bilhim que os executivos municipais estavam limitados a exercer apenas a função de controlo, fiscalizando o cumprimento de normas definidas centralmente, sendo que a maior ou menor eficácia da sua ação dependia da capacidade de romper, por intermédio de influências pessoais, a paralisia da burocracia estatal. No entanto, através do Código Administrativo elaborado por Marcelo Caetano em 19367 (artigos

36º a 50º) foram definidas competências para os municípios, embora no âmbito do “fomento nacional” De salientar o disposto no art.º 48º que diz respeito à competência local de construção, conservação, reparação ou arrendamento de edifícios escolares, aquisição de mobiliário de edifícios escolares e material didático e criação de instituições de assistência escolar ao nível do ensino primário.

O Presidente da República, Américo Tomás, apercebendo-se que Salazar estava impossibilitado de governar, substituiu-o pelo então Presidente do Conselho de Ministros, Marcelo Caetano, em 27 de setembro de 1968. Nesta altura, a economia portuguesa estava em franca expansão e internacionalização devido às políticas económicas e sociais empreendidas por Salazar, bem como devido aos auxílios externos recebidos pelo país no âmbito do Plano Marshall e participação de Portugal na European Free Trade Association (EFTA) desde 1961. Acrescente-se que, desde 1928 até aqui, conseguiu-se atingir a escolaridade obrigatória universal, quintuplicando o número de estudantes no liceu e triplicando nas universidades, levando a que,

sobretudo nas cidades, crescesse uma nova burguesia que via em Caetano a esperança de eleições livres e ainda maior liberalização da economia. Do ponto de vista económico e social, criou pensões para os trabalhadores rurais, os quais nunca tinham tido oportunidade de descontar para a Segurança Social; lançou grandes investimentos, nomeadamente, a refinaria de Sines e a Barragem de Cabora Bassa (durante o período da designada Primavera Marcelista).

No entanto, uma série de razões causaram a constante insatisfação da população, pois, por um lado uma ala mais conservadora do regime, liderada pelo Presidente da República Américo Tomás, recusava maiores aberturas políticas e Marcelo Caetano via-se impotente para implementar as suas reformas políticas; por outro lado, a crise petrolífera de 1973 que se fez sentir fortemente em Portugal. De salientar que a continuação da Guerra Colonial, e consequentes incomportáveis custos financeiros para a nação, levaram à crescente impopularidade do regime, contribuindo para o golpe militar do 25 de abril, e consequente derrube do governo de Marcelo Caetano.

O Estado Novo representou um esforço para controlar as novas forças sociais emergentes em Portugal, usando o tradicional modelo de ordem hierárquica, corporativismo e autoridade (Rocha, 1991). Em suma, durante os períodos “Salazarista” e “Marcelista” os municípios foram transformados em organismos de administração indireta do Estado, controlados política, administrativa e financeiramente pelo Poder Central, estando numa dependência e subordinação quase total do mesmo.