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PARTE I: Lentes da análise

CAPÍTULO 2: Ambiente, processo e organização do trabalho na mineração de carvão

2.2. O subsolo: ambiente de trabalho na mineração de carvão

O carvão mineral pode ser explorado a céu aberto ou em galerias subterrâneas. As camadas de carvão podem se encontrar a diferentes profundidades e sob diversos tipos de solo. Quando a camada que recobre o carvão é estreita ou o solo não é apropriado para perfuração de túneis, a mineração é feita a céu aberto. Ao contrário, quando o carvão está em camadas mais profundas ou se apresenta como veio de rochas, a exploração deve ser em

58 subsolo. De acordo com o World Coal Institute (WCI), 60% da oferta mundial do minério é fruto de extração em galerias subterrâneas (ANEEL, 2008).

Os estudos históricos que encontramos a respeito da organização do trabalho nas minas de carvão em diferentes partes do mundo sempre fazem referência à mineração em subsolo. No Brasil, atualmente, no estado de Santa Catarina predomina a mineração em subsolo, enquanto no Rio Grande do Sul a maior parte da produção é a céu aberto.

A extração de carvão em galerias subterrâneas foi desenvolvida no Brasil e no mundo essencialmente a partir do método de lavra de câmaras e pilares. O método de câmaras e pilares é utilizado em depósitos com camadas horizontais ou levemente inclinadas. O carvão é extraído nas câmaras, deixando parte do material como pilar para sustentação do teto23. A partir desse método, as câmaras vão sendo abertas em galerias e travessas, primeiramente, num eixo central de exploração, e a partir dele em painéis (também chamados de conjuntos) hoje compostos por cerca de 10 a 15 galerias. A extensão do eixo e dos painéis pode variar bastante de acordo com a área licenciada para mineração e o planejamento da mina.

Figura 2: Representação das galerias subterrâneas nas minas exploradas pelo método de câmaras e pilares (elaborada pela autora)

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Em alguns casos as mineradoras são autorizadas a fazer o que elas chamam de recuo. O recuo é quando uma determinada área acabou de ser explorada, e eles são autorizados a vir do fundo dos painéis para frente retirando os pilares e deixando o teto desabar. Assim a área é "melhor" aproveitada com a retirada do carvão que tinha sobrado nos pilares. No entanto, essa operação é extremamente delicada e perigosa.

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câmaras

galeria galeria galeria travessa

59 As dimensões das câmaras e pilares dependem de diversos fatores, como a espessura e a profundidade do depósito, a estabilidade do teto e a resistência do pilar (KOPPE, et. al., 2008). As opções tecnológicas adotadas nos diferentes contextos também têm forte influencia na definição dessas dimensões. Em Santa Catarina os pilares têm hoje, no sistema semi-mecanizado de produção (sobre o qual trataremos mais adiante), cerca de 12 a 15 m de largura e comprimento. As galerias têm alturas variadas de acordo com a espessura da camada de carvão, e têm cerca de 5 à 6 metros de largura. Veremos adiante que essas dimensões, em especial a altura, têm implicações significativas no que tange ao conforto e à saúde e segurança dos trabalhadores.

São chamadas de “frentes de serviço” os locais de onde está sendo retirado o carvão em determinado momento. É o fundo de cada painel em operação. As frentes de serviço, portanto, estão sempre avançando. Isso é uma particularidade que marca a atividade de mineração.

Para acompanhar o avançamento das frentes de serviço, as instalações são sempre itinerantes e provisórias. A complexidade dessas instalações aumentou na medida em que foram introduzidas novas tecnologias de produção. Hoje, no sistema semi-mecanizado de produção, vemos no subsolo um conjunto de oficinas de apoio às operações de produção, onde se realizam a manutenção das máquinas e ferramentas empregadas no processo. Vemos ainda as correias transportadoras (CTs), que são como esteiras rolantes que recebem o carvão retirado das frentes de serviço e levam-no até a superfície da mina. Também compõe as instalações de subsolo uma rede de energia elétrica, um sistema de ar comprimido, um sistema de abastecimento de água e um de drenagem, além de um complexo sistema de ventilação, que envolve a instalação de exaustores e tapumes e tem a função de renovar o ar nas frentes de serviço. Por fim, refeitórios improvisados e pequenos almoxarifados completam o conjunto de instalações de subsolo necessárias para o apoio à extração do carvão. Todo esse conjunto é permanentemente desmontado e remontado na medida em que as frentes de serviço avançam.

Até mesmo as instalações da superfície, onde são feitos o planejamento e controle da produção e os serviços de saúde e segurança, onde se encontram os vestiários, cantinas, apontadoria (local de controle do ponto), entre outros serviços de apoio, não se fixam por muito mais do que 4 ou 5 anos.

60 Volpato (2001) diz que essa itinerância e provisoriedade das instalações24 são refletidas na qualidade dos materiais empregados, na engenharia das construções, na manutenção e conservação dos espaços, resultando em ambientes mal iluminados, úmidos, sujos, de péssima aparência, enfim, precários em diversos aspectos. Seja no subsolo, ou na superfície. Com o agravante de que no subsolo, a poeira do carvão suspensa, o calor e o barulho bastante frequentes transformam o ambiente num lugar ainda mais desagradável e agressivo para a saúde dos trabalhadores.

[...] a mina é como o inferno, ou pelo menos como a imagem mental que faço do inferno. A maioria das coisas que a gente imagina que existam no inferno está ali - calor, barulho, confusão, escuridão, ar fétido e, acima de tudo, um aperto insuportável. (ORWELL, 2010, p 42)

Para encarar esse ambiente, Orwell (2010) e Volpato (2001), quando observaram a mineração em dois contextos particulares25, viram os trabalhadores “baixando a mina” nus ou semi-nus, apenas com calção ou cueca, além dos EPIs. Orwell (2010) cita como EPIs utilizados na época os tamancos, joelheiras, lanterna ou lampião e capacetes. Já na observação de Volpato (2001), eles usavam lanterna, botas, capacete, máscara de proteção contra poeira e luvas. Em nossa observação na COOPERMINAS, os mineiros já usavam roupas (calça e blusa), além de protetores auriculares e dos demais EPIs citados por Volpato.

O acesso dos trabalhadores às frentes de serviço pode ser feito por planos inclinados ou por poços verticais. Os planos inclinados são buracos cavados na terra que ligam a superfície ao subsolo com rampas de cerca de 15o de inclinação e 100 a 400 metros de extensão. São utilizados quando a camada de carvão está localizada em baixa profundidade, enquanto os poços verticais são utilizados para acessar camadas mais profundas. Nos poços verticais o acesso se dá pelas chamadas “gaiolas”, que são como elevadores de tamanhos variados que transportam os trabalhadores e alguns materiais e ferramentas até às jazidas.

24 A itinerância das instalações é uma característica também encontrada na construção civil, em especial na

construção de estradas.

25 Orwell (2010) descreve sua vivência com os mineiros do norte da Inglaterra na década de 30. Volpato

61 As gaiolas são uma das instalações das minas que oferecem maior desconforto e risco de acidente. Orwell (2010) diz que esses elevadores podem chegar à velocidade de 90 km/hora ou mais, sempre entupidos de trabalhadores "como sardinhas em lata". Volpato (2001) conta que ouviu diversos relatos de acidentes com esse equipamento, quase sempre graves e até fatais. Quanto ao plano inclinado, se apresenta como um esforço a mais para o trabalhador que tem que subir o percurso a pé após uma longa e exaustiva jornada de trabalho.

Descendo pelo plano ou pelas gaiolas, ao chegarem na jazida os trabalhadores têm que percorrer distâncias variadas até a frente de serviço. Orwell (2010) fala de uma distância média de 1,5 km, podendo chegar, no entanto, a 8 km, sempre percorridos a pé. Hoje, em alguns casos, utilizam-se as chamadas "marinetes", uma espécie de jipe, para levar os trabalhadores do pé do plano ou da saída das gaiolas até a frente de serviço.

Quando vão a pé, as condições da caminhada dependem, principalmente, da altura das galerias. Orwell (2010) descreve galerias com alturas de cerca de 1,50 m, exigindo que os trabalhadores andem sempre curvados, quando não ajoelhados pelo subsolo e, por vezes até, rastejando.

Desviar das vigas se torna um esforço cada vez maior, e às vezes você esquece de abaixar a cabeça. Se tentar andar de cabeça baixa, como fazem os mineiros, vai bater as costas no teto. Até os mineiros batem as costas no teto com bastante frequência. É por isso que nas minas muito quentes, onde é preciso andar quase nu, a maioria dos mineiros tem os chamados "botões nas costas", isto é, uma casca de ferida permanente sobre cada vértebra. (ORWELL, 2010, p. 48)

Volpato (2001) fala de galerias que variam entre 1,50 m e 2,00 m de altura e também fala das dificuldades de deslocamento com essa altura. Além da altura, os trabalhadores encaram obstáculos nesse percurso, como as instalações elétricas e hidráulicas que passam sobre suas cabeças, as máquinas e equipamentos que transitam por ali dividindo o já escasso espaço com os transeuntes, as correias transportadoras que também compartilham a mesma via, o piso irregular e com pontos de acúmulo de água e xilame26 etc.

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Xilame é o nome que se dá a uma espécie de lama que se forma nas galerias pelo acúmulo de água e resíduos da mineração.

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