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CAPÍTULO I REVISÃO DA LITERATURA

3. Uma trilogia interrelacionada

3.3. O suicídio medicamente assistido

O contexto cultural da morte planeada envolve importantes significados sociais. Historicamente, o suicídio teve conotações diferentes. Na Grécia, os estoicos viam o suicídio como um ato racional, alternativa para uma vida em desarmonia. Os romanos consideravam que se podia preparar a própria morte, principalmente quando a vida era indigna (Kovács, 2003).

O suicídio é um dos temas mais antigos relacionados com a saúde dos indivíduos e com a forma como estes são afetados pelas sociedades e pelas coletividades em que vivem. Alguns autores consideram o suicídio como o ato mais individual do ser humano, sendo mesmo compreendido como uma decorrência da pressão social (Ribeiro & Moreira, 2018).

Durkheim (1982), preocupado em consolidar as bases da Sociologia como ciência social, considera que os casos de suicídio em que os indivíduos apresentam transtornos mentais são, sim, casos para a Psicologia. Porém, cada sociedade, em qualquer tempo histórico, tem uma disposição definida para o suicídio composta por pessoas que não apresentam transtornos mentais. Nestes casos, o suicídio é fruto da pressão ordenadora que a coesão social exerce sobre os indivíduos, ou seja, os problemas existentes não são a nível da saúde individual, mas são sim problemas sociais e económicos.

analisado como um facto social. Com isso, pretende demonstrar que as causas do suicídio são de cariz social.

Na obra “O Suicídio”, Durkheim (1982), define suicídio como todo caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo praticado pela própria vítima, ato que a própria vítima sabia que iria produzir este resultado, ou seja, a morte. Em vez de vermos que nos suicídios são apenas acontecimentos particulares isolados uns dos outros e que necessitam cada um por si de um exame particular, considerarmos o conjunto dos suicídios cometidos numa sociedade dada, o total assim obtido não é uma simples soma de unidades independentes, um todo de coleção, mas constitui em si um facto novo, que possui a sua unidade e a sua individualidade, a sua natureza própria por conseguinte, e que, além disso, tal natureza é eminentemente social. Cada sociedade tem, portanto, em cada momento da sua história, uma aptidão definida para o suicídio.

Durkheim (1982) estabelece uma tipologia do suicídio fundada no protagonismo das causas sociais e na subordinação da miríade de casos individuais a nível do ambiente social, político e económico: os suicídios egoístas (decorrentes da individualização exacerbada e da perda de laços coletivos); os suicídios altruístas (por excesso de subordinação e lealdade a estruturas sociais segundo honra e heroísmo) e os suicídios desorganizados (crises sociais generalizadas).

O suicídio já foi visto como crime e, portanto, passível de punição, ou seja, se a morte não ocorresse, a pessoa era condenada à pena máxima. No século XX, a partir da mentalidade da morte interdita e vista como fracasso, e com o prolongamento da vida a todo o custo, surgem vários movimentos que discutem a dignidade no processo de morrer. É no seio deste movimento que começa a germinar, como um dos seus focos, o suicídio assistido (Kovács, 2003).

Para Oliveira (2012), o suicídio assistido é uma questão muito mais controversa do que o suicídio não assistido ou a recusa de um tratamento, pois é uma ação que necessita de um envolvimento direto de ajuda por parte de outras pessoas. Embora o suicídio (ou sua tentativa) não seja considerado um crime, o seu encorajamento ou auxílio, tanto por parte de médicos como também de amigos ou familiares do indivíduo é tratado como uma ação imoral e criminal na maioria das legislações. Geralmente os facilitadores do ato de ajudar a morrer são amigos ou familiares, mas recentemente o centro das discussões tem sido sobre se os médicos deveriam ser facilitadores do suicídio quando os doentes estão sobre as suas responsabilidades.

O suicídio assistido é quando uma pessoa decide suicidar-se, encontrando-se numa condição de doença irreversível, "sem esperança", é competente, capaz de decidir sobre si, não sofre de distúrbio depressivo ou psiquiátrico, realizou o processo de deliberação, expressa vontade livre de pôr fim à sua vida, de forma repetida e determina-se a realizar o ato. A pessoa que ajuda coloca os recursos à disposição, seja informação, seja os meios para a concretização desempenha um papel de auxílio, de ajuda, não intervém na decisão (não induz, persuade ou incentiva) e a morte não decorre diretamente da sua ação. De forma sucinta podemos referir que o suicídio assistido consiste numa pessoa ajudar intencionalmente outra pessoa a terminar com

a sua vida, sendo um pedido voluntário e competente dessa pessoa (Nunes, Madeira & Silva, 2018).

Segundo Cruz e Oliveira (2013), o suicídio medicamente assistido caracteriza-se por uma decisão da pessoa gravemente doente poder escolher pôr fim à própria vida. É a ação do próprio indivíduo que causa a sua morte. Há, contudo, a participação de um terceiro que o auxilia de qualquer maneira, sob a forma de assistência material ou moral. É preciso que o doente tenha solicitado a ajuda para morrer, diante do fracasso dos métodos terapêuticos e dos paliativos contra as dores, o que acaba por retirar a dignidade do doente.

Para Nunes, Madeira e Silva (2018), o suicídio medicamente assistido consiste num médico ajudar intencionalmente uma pessoa a terminar a sua vida fornecendo drogas para autoadministração, a pedido voluntário e competente dessa pessoa.

O suicídio medicamente assistido é o ato em que um doente solicita ajuda médica para realizar o ato. Isto se diferencia da eutanásia pelo facto que quem realiza o ato final que ocasiona a morte é o próprio agente, enquanto que na eutanásia ativa voluntária o agente causador da morte é outra pessoa. O que diferencia estes dois atos é precisamente quem age por último na ação que ocasiona a morte do doente (Oliveira, 2012).

O suicídio medicamente assistido e a eutanásia são práticas realizadas para abreviar a vida de doentes que estão em sofrimento insuportável e sem perspetiva de melhora. No suicídio assistido, o doente, de forma intencional, com ajuda de terceiros, põe fim à própria vida, ingerindo ou autoadministrando medicamentos letais. Verifica-se que na eutanásia ativa, uma terceira pessoa, a pedido do doente, administra-lhe agente letal, com a intenção de abreviar a vida e acabar com o sofrimento (Brandalise, Remor, Carvalho & Bonamigo, 2018).

Segundo Kovács (2003), um dos pontos mais temidos no processo de morrer, na atualidade, é a incerteza, isto é, saber que a morte virá, mas não saber quando nem como, sem controle ou planeamento. Posto isto, a eutanásia e o suicídio assistido podem surgir como possibilidades para este planeamento.

Podemos concluir então que o suicídio medicamente assistido, segundo os diferentes autores referenciados, é um conceito que se distingue da eutanásia pela sua aplicabilidade, sendo que este é executado com a própria ação do indivíduo enquanto que a eutanásia é executada por terceiros. Contudo ambas as ações têm sempre como finalidade acabar com o sofrimento do indivíduo, valorizar a sua vontade, ter em consideração a sua opinião em que permanece sempre a dignidade do mesmo.