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2 EXAME DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS AO TRABALHO Por uma questão de boa organização do embasamento deste

2.1 O SUJEITO NA PSICANÁLISE

3.3.2 O sujeito como zero

Uma das contradições lógicas mais importantes para a psicanálise é aquela da qual Frege se vale para dar uma definição possível para o número zero, pois a mesma contradição poderia ser verificada no sujeito. Zero acaba sendo no sistema fregeano, a designação de um conjunto vazio, pois nenhum elemento cai sob a extensão de seu conceito. O contraditório é que ainda assim, ele precisa ser contado como mais um número entre os demais, precisa lhe ser concedida a característica de ser Um. Com tal contradição, o zero não pode assumir um valor lógico de verdade, da mesma maneira que ela tampouco pode ser extraída do sujeito. (CARDOSO, 2010, p.135)

O fato de ser vazio, não implica que este zero não gere efeitos, pois é exatamente este espaço em falta que toda a cadeia numérica vai usar como suporte para se desenvolver. Como foi demonstrado anteriormente, a definição possível para o número 1 (um) é a de um conjunto que possui 1 (um) elemento, o 0 (zero). Da mesma forma, o número 2 (dois) se constitui a partir de um conjunto de dois elementos, 0 (zero) e 1 (um). Sucessivamente, todo número é definido de tal forma que nele sempre se encontre incluída a falta intrínseca à definição de 0 (zero).

Pode se relacionar as características encontradas nessa incursão na obra de Frege:

1- O sujeito é o conceito contraditório, uma vez ao mesmo tempo precisa ser tratado como uma extensão vazia e também como aquilo que é representado pelo significante como um algo.

2- Esta extensão vazia é contada como Um: uma falta de um atributo contável. Ao mesmo tempo em que o sujeito se torna objeto da representação oferecida pelo significante, é também por ele apresentado como um vazio. 3- O vazio do sujeito incide por reiteração a cada número que se segue na cadeia numérica, afinal, “cada número cardinalmente sucessor corresponde ao cardinal que o precede acrescentando o conjunto vazio” (LACAN, 1971/72)

4- O vazio que corresponde ao sujeito, não é o nada existencial, pois não estende seu vazio para os objetos com os quais se relaciona.

Uma vez estabelecida a referência lógica necessária, podemos retomar a questão cuja conclusão foi deixada em suspenso há algumas páginas: o tratamento do cogito cartesiano como 1.

Se é por 1 que nós representamos esse penso que, repito, na medida que ele só nos interessa porque tem relação com 0 que se dá na origem da nominação, já que é o que implica o nascimento do sujeito – o sujeito é o que se nomeia – se nomear é antes de tudo algo que tem a ver com uma leitura do traço 1, designando a diferença absoluta, podemos perguntar-nos como cifrar a espécie de sou que aqui se constitui em alguma

espécie retroativamente, simplesmente pela reprojeção do que se constitui como significado do penso, a saber, a mesma coisa, o desconhecido (i) do que está na origem sob a forma do sujeito.

(LACAN, 1961/62, 2003, p.109)

Finalmente reunimos elementos já suficientemente pormenorizados para tratar do que se apresenta nessa passagem que condensa toda a elaboração deste trabalho desde a seção intitulada “A identificação” até este ponto.

Nessa análise da frase de Descartes que diz “Penso, logo sou”, Lacan reduz o “Eu penso” ao 1 fregeano, e o sujeito procurado ao 0, uma vez que de acordo com o intuito de Descartes:

o pensar só tem lugar nessa frase enquanto for isso que contém uma só informação indubitável: que há um sujeito que o gera39

.

...o que sendo parafraseado com a terminologia cara ao trabalho de Frege, resultaria em algo como:

o número 1 só tem lugar nessa frase enquanto for isso que contém uma só informação indubitável: que há um 0 que o gera.

Já vimos que o fato de pensar é para Descartes, o único argumento impossível de ser rebatido por qualquer ceticismo, pois até mesmo dizer que pensar é uma mentira ou uma ilusão, implica que esse pensamento só possa ser produzido por uma coisa que pensa, a Res

Cogitans, ou, o sujeito da consciência. Da mesma forma, o número 1

para Frege acaba sendo um conjunto cujo único elemento é o 0 (zero), de maneira que o 0 é necessário para que haja o 1 da mesma forma que a coisa que pensa é necessária para que haja o ato de pensar.

Nomear, segundo esta passagem, é o mesmo que ler o traço 1, o que é equivalente a dizer, ler o “pensar”40

. Por essa relação, é que se

39

Esta frase é uma decomposição possível de “Penso, logo sou”. Como já visto anteriormente neste trabalho, sua relevância para a psicanálise está em ilustrar a função de identificação, e não a de atestar que existe um sujeito, como é o intento cartesiano.

40

É extremamente coerente em relação às ideias cartesianas, que Lacan refira-se conjuntamente tanto ao “pensar” quanto ao “nomear” como 1, visto que nas teorias fisiológicas de Descartes, os pensamentos também não seriam nada mais que vibrações quase imperceptível das cordas vocais, à maneira de uma fala

pode dizer que o 0 (zero) se dá na origem da nomeação, pois seguindo as definições da lógica fregeana, o 0 (zero) se apresenta na origem do 1 (Um), uma vez que o 1 (Um) fica definido por um conjunto que tem um único elemento, o 0 (zero).

É muito importante que este exercício lógico não sirva para sustentar uma tentadora tendência psicologizante na qual o sujeito é a origem de todo um sistema psíquico no qual se incluiria a fala, o pensar, o significante. Se acompanharmos o processo com cautela, nota-se que não há justificativas para realizar tal salto indutivo. Seu uso sensato se restringe a reproduzir a mesma constatação causal com a qual Descartes se depara – a de que onde há um pensar, há um ser que pensa. O esforço proposto por Lacan a partir desse ponto é o de tentar definir que valor poderia ser atribuído ao “sou” que Descartes busca encontrar como resultado de sua meditação, porquanto pela introdução da psicanálise, sua identificação se torna trivial, e o lugar do sujeito reside em um desconhecido, levando em conta que a ela, importa o sujeito do inconsciente, e não este sujeito que é produto de uma identificação que permanece acessível à boa razão.