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O Sujeito em Sofrimento Psíquico na Atualidade e a Psicanálise

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CAPITULO 4. REVISITANDO O CONCEITO DE TRAUMA

4.3. O Sujeito em Sofrimento Psíquico na Atualidade e a Psicanálise

O padecimento do sujeito contemporâneo, conforme afirmações de Macedo (2012) é efeito de um narcisismo e do apagamento da alteridade, pela tendência da redução do homem à dimensão da imagem. Dessa forma, há uma valorização excessiva da “exterioridade” em detrimento de uma “interioridade”. Em consequência, o desejo adota uma propriedade autocentrada enquanto que a intersubjetividade é esvaziada de trocas humanas. Essa forma de “autocentramento é valorizada socialmente [...] e estimulada socialmente pela cultura da drogadicção, pelas vias médicas e do narcotráfico” (MACEDO, 2012, p. 99).

Portanto, na atualidade, configura-se uma nova forma de subjetivação do sujeito, pois com o declínio da ordem paterna como referência refletindo na fragilização dos vínculos sociais, esse fato acarreta diferentes formas de sofrimento e adoecimento psíquico (depressões, pânico, uso abusivo de álcool e drogas, transtornos alimentares e psicossomatizações).

Ainda, conforme agora as afirmações de Maia (2004, p.81), no âmbito das patologias traumáticas encontra-se a manifestação da angústia não como processo antecipatório, mas como angústia de morte e aniquilamento. Assim, a angústia surgirá vinculada aos processos da compulsão à repetição “e será necessário um “antidoto” cada vez mais poderoso para sedá-la”.

Nas afirmações de Maia (2004), a atualidade apresenta um rasgo histórico, pois há um rompimento com o “contrato narcísico”, e destacam-se dois pontos fundamentais: o primeiro diz respeito à cultura contemporânea que não oferece “o anteparo simbólico necessário para que o eu sinta em harmonia com seu próprio corpo e subjetividade [...] e ainda atribui-lhe a culpa pelo próprio fracasso em não alcançar [...] os modelos veiculados

pelos simulacros tecnológicos do ideário contemporâneo” (MACEDO, 2012, p. 87); O segundo refere-se ao “prazer veiculado pela mídia- cultura” (Ibid), ou seja, é o prazer imediato, prazer adicto que não acontece pela mediação do outro, caracterizado pela descarga instantânea. Ainda, afirma essa autora, nesse contexto, o sujeito é presa fácil e a capacidade de pensamento crítico sofre um rebaixamento afetando a possibilidade de perceber os mecanismos de coerção social implícitos. Assim, o número e a diversidade de terapias crescem como recursos na tentativa de curar o estresse, a ansiedade, a solidão, a adição, a depressão, a apatia e demais outras síndromes. Igualmente, observa-se o aumento de seitas religiosas que atraem grande quantidade de adeptos como uma busca para por fim às dores da alma.

Para Maia (2003), os mecanismos de massa, sobretudo os televisivos atuam como uma espécie de funcionamento de quarto poder operando na configuração tanto das novas formas de subjetivação quanto das modalidades de apresentação do sofrimento psíquico. No espetáculo, a autora afirma, há “uma espécie de aprisionamento e devastação de partes da experiência humana” (MAIA, 2003, p.64), pois o sujeito se vê inibido em sua força desejante e, com isso, sua vida de fantasia e criatividade sofre um esvaziamento. Nesse contexto, é a imagem de si, o narcisismo, como o teorizado por Freud como sendo o processo estruturante da subjetividade, que adoece e padece. Instaura-se “uma impossibilidade de deslocamento do Eu-ideal (lugar do narcisismo) para um Ideal de eu (lugar da alteridade)” (Ibid, p.65), uma vez que os ideais inexistem enquanto bens simbólicos. Assinala, ainda, que o registro único e predominante é o da imagem de superfície.

Nessas condições, os laços afetivos, segundo Maia (2003), devem determinar prazer imediato e, a qualquer ameaça de sofrimento, o outro é descartado para manter a ilusória sensação de felicidade (euforia). Nesse sentido, não há lugar para os afetos

humanos de angústia e tristeza e, a qualquer sinal de sua presença, o sujeito deve lançar mão de recursos para sedá-la (antidepressivos e outras drogas). A autora enfatiza a pouca tolerância que se dá na contemporaneidade ao afeto de tristeza como o que é vivido nas experiências de luto. Essas condições a que está submetido o sujeito contemporâneo, posso cogitar, impediria que o mesmo se prestasse a escutar seu sofrimento psíquico, possíveis traumas recalcados e, dessa maneira, tamponando e evitando a dor e angústia a qualquer preço narcísico, o inconsciente atuaria com novos meios de ‘enfrentamento’ desse sofrimento primário, por exemplo, por meio de acidentes extremamente traumáticos, como repetição de traumas constitutivos desse psiquismo.

Para Roudinesco (2000, p.19), o sofrimento psíquico, atualmente, tem se manifestado sob a forma de depressão, pois o sujeito, ao se encontrar com a falta de perspectiva revolucionária, “busca na droga ou na religiosidade, no higienismo ou no culto de um corpo perfeito, o ideal de uma felicidade impossível”. Assim sendo, afirma a psicanalista francesa, é que a sociedade democrática moderna procura eliminar a realidade da adversidade, da morte e da violência. Mas essa eliminação seria um engodo, pois vemos o aumento significativo de indivíduos acometidos de algum tipo de sofrimento psíquico, algum desencontro afetivo com a vida.

Segundo Maia (2003), no drogadicto a repetição do uso da droga para evitar a angústia se torna compulsiva. Além disso, ele não usufrui de aprendizado com a experiência vivida e passada. Nessa situação, há uma interrupção no tempo histórico e ocorre uma dissociação entre presente, passado e futuro resultando nas novas patologias. Esses novos modos do sujeito contemporâneo sofrer devem ser considerados em sua condição de vivência e repetição traumática, na perspectiva freudiana, em que, muitas vezes, a linguagem, o simbólico não mais funcionaria como metáfora dessas condições, fazendo-se, então, necessário que o sujeito lance mão de sintomas físicos, adoecimentos

variados e, também, acidentes traumáticos. De todo modo, tem-se, sempre uma angústia em jogo na repetição de um sofrimento em todas as variadas formas de manifestação.

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