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Capítulo 5 – Análise dos personagens

5.5. O suposto jornalista

Não temos nenhum dado sobre este rapaz, nem características físicas e sua profissão como jornalista fica subentendida. É um jovem que passava as noites em busca de uma boa história gravando entrevistas com pessoas. Uma noite, encontrou-se com o vampiro Louis.

O fato deste suposto jornalista passar as noites atrás de uma história condiz com o que Remo Ceserani (2006) diz sobre a ambientação do fantástico: “A noite, a

escuridão, o mundo obscuro e as almas do outro mundo. A ambientação preferida

pelo fantástico é aquela que remete ao mundo noturno.” (CESERANI, 2006, p. 77 – grifo no original).

Por diversas vezes é chamado de “o garoto”, como nesta passagem: “[...] Is your equipment ready?” “Yes,” said the boy.177 (RICE, 2009, p. 3). O fato deste personagem não ser nomeado, pode ser entendido como uma ausência de intimidade com a personagem, ele escutará a história, mas esta escuta poderia ser feita por qualquer pessoa.

Além de ser tratado por “garoto”, é também chamado de “rapaz” ou “jovem”, o que indica que poderia ser uma pessoa sem muita experiência na vida, uma pessoa não muito vivida e que poderia ser facilmente engodada por uma boa história. Mas ao mesmo tempo podemos pensar em uma pessoa sem conceitos predefinidos; uma pessoa em estado “puro” de aceitação da fantástica história do vampiro.

O fato de não ser nomeado indica um elemento de interesse para o leitor. O suposto jornalista poderia ser qualquer pessoa incluindo o próprio leitor. Louis Vax (1965) argumenta que no âmago da questão: “[...] está o conceito de ‘conflito’ entre ‘real’ e ‘possível’; [...] o fantástico contém em si um forte elemento de ‘sedução’” (VAX, 1965 apud CESERANI, 2006, p. 47).

O suposto jornalista pode ser a extensão da máquina que usa para gravar a história do vampiro, o gravador. Todorov (2010) argumenta que a literatura fantástica gerará um ser que não se distingue entre ele e o objeto, sendo assim, há um “[...] apagamento do limite entre sujeito e objeto [...] o ser humano como um sujeito que entra em relação com outras pessoas ou coisas que lhe são exteriores, e que têm o estatuto do objeto.[...]” (TODOROV, 2010, p. 124-125). É como se ele fosse o próprio objeto, porque não faz grandes interferências na história, mas incentiva e impulsiona a narrativa: “[...] ‘I know better than to ask you any more questions. You’ll tell me everything in your own time.’ And his mouth settled, and he looked at the vampire as though he were [sic] ready for him to begin again.”178 (RICE, 2009, p. 166).

Este personagem anônimo incentiva e impulsiona a narrativa e ganhará destaque no terceiro livro das “Crônicas Vampirescas”, A rainha dos condenados (1990), quando será nomeado e caracterizado. Na Parte I temos um capítulo específico sobre ele (Capítulo 4) cujo título é: “A história de Daniel, o favorito do demônio, ou o garoto da Entrevista com o vampiro”. Descobriremos que seu nome é Daniel Molloy e que escreveu um livro chamado Entrevista com o vampiro sob pseudônimo, doze anos antes. No livro A rainha dos condenados (1990), Daniel está com 32 anos e sabemos que 12 anos antes escreveu um livro, portanto chegamos a conclusão que no primeiro encontro que teve com Louis ele tinha 20 anos. Daniel terá contato com outros vampiros e ficará no limiar da sanidade, querendo ser transformado em vampiro para obter a eternidade e ser imortal.

O nome Daniel faz nos pensar no personagem bíblico que foi lançado na cova dos leões, passou uma noite lá entre os leões, mas sobreviveu. Conforme o texto de Daniel 6:22 diz: “[...] e fechou a boca dos leões, e eles não me causaram dano, pois diante dele se achou em mim a própria inocência, [...]” (SOCIEDADE TORRE, 1986, p. 1140). O personagem bíblico passou incólume pela provação e podemos fazer uma analogia com o garoto que entrevista o vampiro. Ele conseguiu passar uma noite com o vampiro Louis, é mordido mas mesmo assim consegue sair vivo.

178 […] — Já aprendi a não fazer perguntas. Você me contará tudo quando chegar a hora. Com isto fechou a boca e ficou olhando o vampiro como se estivesse pronto para continuar escutando. (RICE, 1992, p. 170)

Daniel, o suposto jornalista que até então não é nomeado, faz o papel de analista com sua escuta atenta. Quase não faz interferências na história narrada por Louis, apenas no final, quando almeja a vida glamorosa de um vampiro.

Ele almeja a vida de um vampiro: um ser sobre-humano. Segundo Todorov (2010) isto representa o “[...] poder sobre o destino dos homens. [...] seres sobrenaturais, mais poderosos que os homens. [...] tais seres simbolizam o sonho de poder; […]” (TODOROV, 2010, p. 118). Portanto, quando o suposto jornalista pede para ser transformado é para que ele possa obter o poder da imortalidade.

[...] ‘No,’ he said with a short intake of breath. Then he said it again louder, ‘No!’

The vampire didn’t appear to hear him. […]

‘I don’t accept it,’ said the boy, and he folded his arms across his chest, shaking his head emphatically. ‘I can’t!’ […]

It was an adventure like I’ll never know in my whole life! You talk about passion, you talk about longing! You talk about things that millions of us won’t ever taste or come to understand. […] ‘If you were to give me that power! The power to see and feel and live forever!’ […]

‘Give it to me!’ said the boy, his right hand tightening in a fist, the fist pounding his chest. ‘Make me a vampire now!’ he said as the vampire stared aghast.179 (RICE, 2009, p. 336-337)

O suposto jornalista pede para ser transformado, usando sua capacidade de uma escolha consciente, quer ser um vampiro. Não vê a vida de um morto-vivo como uma maldição, pelo contrário, quer o poder de ser imortal, de atravessar os anos sem envelhecer, mesmo que para isso, tenha de abster-se da luz do dia e matar outros humanos para alimentar-se de sangue.

Louis percebe que fracassou em seu propósito de contar sua história porque ao invés de mostrar ao mundo seu tormento, consegue mostrar o glamour de sua vida agitada através dos séculos. O suposto jornalista fica encantado com a possibilidade de ser um vampiro, um ser “superior” aos humanos. Ao final do romance, essa será a sua questão existencial: procurar um vampiro que possa transformá-lo em um morto-vivo.

179 — Não – falou, respirando fundo. E depois repetiu mais alto: — Não! O vampiro não demonstrou ouvi-lo, [...] — Não posso aceitar – disse o rapaz, cruzando os braços no peito e sacudindo a cabeça enfaticamente. Não posso! [...] Foi uma aventura que jamais conhecerei na vida! Fala de paixão, de saudades! Fala de coisas que milhões de nós nunca experimentarão nem chegarão a compreender. [...] Se me desse esse poder! O poder de ver, sentir e viver para sempre! [...] — Dê me isto! – disse o rapaz, a mão direita se fechando, o punho batendo no peito. — Transforme-me agora num vampiro! – falou enquanto o vampiro o fitava estupefato. (RICE, 1992, p. 331-332)

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